O assunto é a concepção da morte em si, da não-existência pura. Vou primeiro à minha visão anterior (que agora julgo mais ou menos enriquecida com as idéias apresentadas no artigo). Eu sempre tive por mim que a religiosidade é o nosso modo default, evoluído em nossos cérebros por uma razão puramente prática, particularmente útil para nossos antepassados. Eu tentaria ser mais amplo e diria que o nosso modo default não envolve a aplicação extensiva e sufocante de racionalidade pura e ceticismo na maior parte das situações que nos envolvem. Naturalmente, embora talvez seja (ou ao menos tenha sido) “positiva” em um nível individual, sua institucionalização tem resultado em coisas nem sempre agradáveis (sendo extremamente gentil). Alguns, no entanto, podem nascer sem essa capacidade para a fé hard-wired em seus cérebros e ir aos poucos rejeitando eventual doutrinação e outras influências culturais (meu caso); outros podem adquirir essa “maldição” ao longo da vida, talvez a partir de um grande episódio traumático, seja físico ou emocional (uma perda familiar, um tumor cerebral, A convulsão, whatever). Ou o contrário. E há relatos muito claros e numerosos de pessoas céticas que passaram a narrar, até obcecadamente, intensas experiências religiosas após derrame cerebral, por exemplo. A conexão entre alguns tipos de epilepsia e experiências religiosas está estabelecida na literatura, outro exemplo. Nossos cérebros não são estáticos, e talvez alguns de vocês só migrem do ateísmo forte para alguma outra posição caso passem por alguma situação traumatizante; ou nem assim. O que estou dizendo é que, tornar-se ateu a partir do puro raciocínio e argumentação lógica, /indepedente/ da “predisposição” do seu cérebro, digamos assim, deve ser muito difícil e raro.
A proposta do autor do artigo, Jesse Bering, para explicar porque é tão difícil concebermos a morte, é simples, e vem por meio de algo que ele chama de “simulation constraint hypothesis”: ao tentarmos imaginar o que significa estar morto fazemos uso da único ferramenta que temos à disposição para tal tipo de experimento mental, ou seja, todo o nosso histórico de experiências /conscientes/. Como nunca estivemos conscientemente inconscientes, mesmo nossas melhores simulações do puro nada são suficientes. Note que os sonhos vívidos não contam aqui, já que o vazio da inconsciência não pode ser experimentado de fato. Significa que sua própria mortalidade não é falsificável do seu ponto de vista, e assim mesmo os “extintivistas” exibem uma curiosa forma de crença na imortalidade, de permanência eterna no nada ao mesmo tempo em que procuramos alguma forma indireta de “deixar algo para posteridade” (passando adiante nossos genes, escrevendo um livro, etc.).
Se a hipótese de Bering, de que a imortalidade psicológica nos é para todos um modo natural e intuitivo de pensar sobre a morte, é falsificável, a idéia de que a crença no pós-morte é resultado exclusivo de influência culturais e doutrinação religiosa não: vários experimentos acadêmicos com crianças apontam para uma tendência de redução da importância dessas crenças ao longo do tempo (quando racionalmente esperaríamos que, com um maior tempo de exposição à doutrinação — e ao conceito de vida pós-morte em particular — crianças mais velhas mantivessem ou elevassem a importância dessa crença em suas vidas).
O autor também argumenta que, de uma perspectiva puramente evolucionária, uma teoria coerente sobre a morte psicológica sequer é necessária: basta que compreendamos que um cadáver não pode levantar-se e colocar sua vida em risco. Entender a morte psicológica não aumenta nossas chances de sobrevivência, e portanto é evolucionariamente desnecessário. Interessantemente, Bering, atribui à exposição ao conceito de vida pós-morte a importante tarefa de enriquecer e elaborar esse estado cognitivo natural. Ele reconhece que sua teoria não explica, no entanto, a visão fantasticamente irracional da maioria das pessoas de que na vida pós-morte a alma se desprende do seu receptáculo físico e flutua como um balão em direção à eternidade; reconhece também que, desde nossa mais tenra infância, aprendemos que as pessoas não deixam de existir simplesmente porque não as vemos, e que esse tipo “offline social awareness” nos faz assumir tacitamente que as pessoas que conhecemos estão sempre em algum lugar, fazendo alguma coisa.