Estados laicos são garantidores da liberdade de crença ou não crença. O ateísmo vem ganhando algum espaço, apesar de pequeno frente aos que seguem qualquer religião. Os crentes não sabem como lidar com ateus, e ateus não sabem como lidar com crentes. Tanto de um lado quanto de outro há acusações das mais variadas, que culminam em desavenças típicas de disputas religiosas, cada qual buscando demonstrar a superioridade de sua opção. Mas ser ateu ou ser religioso é realmente um fim em si ou é apenas um meio para se buscar algo superior?
O ser humano precisa de certos critérios para poder viver em sociedade. Ordenações jurídico-políticas existem em todos os lugares do planeta, e cada qual deve contemplar o pensamento dominante daquela sociedade. Objetivamente não se pode dizer que qualquer sociedade possua leis arbitrárias, eis que a lei é externação do que aquela sociedade define como justo. A importância de uma lei só deve ser analisada sob o prisma da sociedade em questão; se ela concorda com tais leis, então ela não é arbitrária. O fim nunca será uma lei universalmente perfeita, mas uma lei que agrade a sociedade em questão.
Com posições religiosas a questão é parecida, mas com o foco não voltado à sociedade, mas ao indivíduo. O ser humano precisa lidar com situações que só têm validade entre seres humanos, eis que são criações suas. Ajudar o próximo, dizer obrigado, cumprimentar com um aperto de mão, dar atenção em uma conversa, são exemplos de questões morais e não reguladas por leis. Trata-se de atos que dependem exclusivamente do indivíduo em seu ministério particular, e que não podem ser exigidas por ninguém.
Um indivíduo que entende que sua religião é superior por cultuar um determinado Deus ou prática religiosa, e se revolta com quem assim não o faz, só pode estar errado, porque se preocupa com o meio e não com o fim. Um ateu que entende que sua posição é superior por não cultuar nenhum Deus, e se revolta com quem assim não o faz, só pode estar errado, porque se preocupa com o meio e não com o fim.
Se a religião achar que é um fim em si mesmo, de modo que não tolere visões diferentes, haverá intolerâncias. Se o ateísmo achar que é um fim em si mesmo, de modo que não tolere visões diferentes, haverá intolerâncias.
O resultado prático de um religioso admirável será a boa moral. Este encontrará em seus livros sagrados os fundamentos de sua moral. O resultado prático de um ateu admirável será a boa moral. Este encontrará em seus livros de ética, filosofia e história os fundamentos de sua moral.
Um religioso admirável vê na sua crença o fundamento da boa moral. Um ateu admirável vê na razão e lógica o fundamento da boa moral. Os dois trilham caminhos diversos para chegar ao mesmo fim; os meios são diferentes, mas o resultado é o mesmo. Qual a diferença prática de uma e outra coisa?
Se não importam os motivos que levam alguém a fazer o mal - Lindemberg diz que matou por amor - por coerência não deve importar os motivos que leve alguém a fazer o bem. Se porque assim diz a lei sagrada, ou se assim porque assim diz a ética e razão filosófica, pouco importa. O que importa mesmo é o resultado bom.
Se não se pode dizer que todos crentes são bons, também não se pode dizer que todos ateus são bons. E se o que importa são os resultados práticos, esse deve ser o único prisma de análise, e não a posição religiosa.
O ateísmo intolerante e dogmático, visto como fim em si mesmo, guiado pela bandeira da superioridade, inevitavelmente se tornará algo pernicioso, assim como alguns religiosos agem. O que se deve buscar é a tolerância. Porque religião e ateísmo são em apenas um meio. Se analisados de forma hermeticamente fechados em si, não têm qualquer relevância, seja para atingir os fins que os livros sagrados pregam, seja para atingir os fins que a ética e a razão pregam.