Senador e ex-ministro critica governo por ter tirado a educação do foco do programa; foco de Lula 'é o voto'David Moisés, do estadao.com.br
SÃO PAULO - O crescimento do número de famílias pobres beneficiadas por programas sociais não é sinal de sucesso, e sim de um sério desvio no esforço pela eliminação da miséria, adverte o senador Cristovam Buarque (PDT-DF). Idealizador do Bolsa-Escola, justamente o programa que inspirou o Bolsa-Família - carro-chefe das políticas sociais do governo Lula -, Cristovam lembra que o objetivo do País é ter cada vez menos necessitados do auxílio, reduzindo o número de beneficiados. Segundo o IBGE, entretanto, a parcela de domicílios que recebem dinheiro de programas sociais no Brasil cresceu de 15,6% em 2004 para 18,3% em 2006, conforme dados divulgados na sexta-feira, 28.
O problema, diz o senador, é que o Bolsa-Família não tem o foco na educação. "A educação das crianças é o único caminho para a emancipação dessas famílias, mas o programa deixou de ter impacto nessa emancipação", afirma. "Há uma grande diferença entre pensar 'recebo o benefício porque meu filho vai à escola' e 'recebo porque sou pobre', como ocorre agora." O Bolsa-Família exige dos pais a garantia de freqüência escolar dos filhos, mas Cristovam vê uma certa frouxidão neste quesito, e lembra o "controle rigorosíssimo" exigido pelo Bolsa-Escola que ele exportou para o México.
Mantido como está, o Bolsa-Família nunca vai reduzir o número de beneficiários, prevê o senador. Em 2006, dos cerca de 10 milhões de domicílios brasileiros onde pelo menos uma pessoa recebeu benefício de programas sociais, 8,1 milhões tinham seu sustento no Bolsa Família, segundo o IBGE. Enquanto puder ser sustentado, "o programa vai manter ou aumentar seus números e seu custo", tendendo a ser um programa permanente, e não um socorro às famílias em situação de extrema necessidade, comentou Cristovam, por telefone, de Santiago do Chile.
Preguiça e Duda MendonçaEle não vê no Bolsa-Família o "efeito preguiça" apontado por muitos críticos, que acusam o governo de acostumar os beneficiários a receber o auxílio sem buscar trabalho. "Não há isso, ninguém se conforma em ficar sem trabalhar, e acho que até as crianças estão trabalhando mais", diz. Para ele, o que mantém os beneficiários presos ao programa é a falta de perspectiva, dada pela falta de formação e qualificação. "A saída da pobreza está nas crianças. Tirar o foco da educação é mudar, no imaginário da população, a noção do direito à emancipação. 'Tenho direito ao dinheiro, mas o direito à educação é só dos ricos.' A escola vira um lugar que dá comida, mas não emancipação."
O foco na educação existiu, diz Cristovam, quando ele levou a experiência do Bolsa-Escola - criado em sua gestão no governo do Distrito Federal, de 1995 a 98 - para o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. De janeiro de 2003 a janeiro de 2004, Cristovam foi Ministro da Educação e tentou implementar o programa em todo o País, mas sua passagem por ali foi difícil. "Sempre fui o patinho feio no governo Lula, sempre sob pressão do José Dirceu."
Ainda antes de ser demitido, por telefone, Cristovam já sabia que o foco ia mudar. "Quando Duda Mendonça veio para uma reunião e trouxe o plano do Bolsa Família, eu disse que o governo estava mudando a ideologia da sua estratégia nesta área", relata. O primeiro sinal efetivo de mudança, após sua saída do governo, foi "a retirada do programa do Ministério da Educação, passando o para a área da assistência social, no Ministério do Desenvolvimento Social".
Bolsa e ideologiaO senador diz que não se surpreende com a transmutação do Bolsa-Escola em Bolsa-Família, e não vê contradição entre este fato e a prática de Lula e do PT. "Não houve uma ruptura ideológica. O governo e o PT não mudaram o discurso nem a prática. O PT sempre foi um partido corporativizado, e não um partido para o Brasil, sempre atuou em nome dos interesses de grupos organizados, como os sindicatos dos professores nas universidades, e não em nome da educação."
A opção de Lula, com o Bolsa Família, é pelo apoio popular, diz. "Lula pensa no voto." É uma atitude coerente com o comportamento do presidente diante do público, segundo o ex-ministro. "Observe que ele não fala para o País, ele fala sempre para a platéia que está diante dele."
Fonte:
http://www.estadao.com.br/nacional/not_nac147894,0.htm