A diferença entre o Welfare State e os programas de transferência de rendaO Jornal de todos Brasis
A diferença entre o Welfare State e os programas de transferência de renda
JOÃO PAULO CALDEIRA
QUI, 31/10/2013 - 10:43
ATUALIZADO EM 31/10/2013 - 11:13
Por Arthur Taguti
Comentário ao post "Bolsa Família: dez anos que mudaram a face do Brasil"
Sem dúvidas, o Bolsa Família é um programa importantíssimo, trouxe efeitos econômicos benéficos e incontestáveis na última década, e a vitória foi selada quando o PSDB mesmo já fala em institucionalizar, incluir o programa no LOAS.
Só que é preciso contextualizar um pouco o BF.
Programas de transferência condicionada de renda, tal qual o BF, foram idealizados nos estertores do Banco Mundial não para "incluir", mas para amenizar a exclusão social causada pelas políticas neolibelês. Isto foi didaticamente descrito em (
http://jornalggn.com.br/noticia/o-avesso-do-padrao-fifa).
Um Estado que adota o "Welfare State" costuma gastar de 25% a quase 40% (caso da Dinamarca) do PIB em despesas de Bem-Estar. Ou seja, é caro manter educação, saúde, transporte urbano, saneamento e previdência social públicos. Já políticas focalizadas (como o BF) são sensivelmente mais baratas (0,5% do PIB).
Não causa surpresa, assim, quando constatamos que o "precursor" do Bolsa Família foi criado e idealizado por FHC, através dos seus diversos "Vales". Ele seguia direitinho a Cartilha. Primeiro, a redução da margem de manobra para o Estado intervir na economia, por meio da privatização de estatais, abertura indiscriminada da economia ao capital externo e o atrelamento do Estado ao rentismo via tripé-financeiro.
Os "Vales" de FHC, e o Bolsa Família de Lula, são a constatação de que o Estado brasileiro não fornece nem (i) ambiente econômico liberal (tal qual ocorre nos EUA) para os indivíduos conseguirem se manter via empregos formais; e (ii) não gasta suficientemente com despesas de Bem-Estar, igual ocorre (ou pelo menos, ocorria, antes da crise) com os países da Europa Ocidental.
No caso de Lula, algumas coisa devem ser destacadas.
Primeiro, uma coisa é o sujeito que na Espanha tinha um padrão de vida ótimo, e é tragado pela crise ao desemprego e à miséria e após isto vira beneficiário de um programa de transferência de renda. Outra completamente diferente é um brasileiro que nunca teve nada, que sempre ficou suscetível às caridades dos "coronés" para sobreviver, e agora recebe Bolsa Família.
Para quem sempre teve tudo, ainda continuará enfezado e pressionando o Estado, pois almeja retomar o estilo de vida de outrora. Para o miserável, o agradecimento será eterno, e o seu voto fidelizado. Só que em ambos os casos, independente do seu efeito psicológico, a inclusão precisa ser completada, por meio de políticas voltadas ao emprego, educação, qualificação, etcétera.
Que Lula recebeu herança maldita, e em 2003 o BF precisava ser criado, não tenha dúvidas.
Mas vejo com apreensão que, 11 anos depois, não esteja havendo o que se chama de redução lenta e gradual de beneficiários, em decorrência da sua inclusão ao mercado formal. Pelo contrário, Lula, em seu discurso no Programa do PT, disse algo como "enquanto eles reclamam, o Bolsa Família só cresce".
40 milhões de dependentes, ou seja, 20% da população brasileira que hoje necessita de um programa de transferência de renda para sobreviver não é um número a ser comemorado. São estatísticas que deveriam acender o sinal amarelo, pois após uma década, ainda temos um contingente enorme de pessoas que passariam fome caso o Estado não os ajudasse.
Que o programa tenha seus méritos indiscutíveis, é fato.
Só que, passado já tempo suficiente para cobrarmos mudanças efetivas (já são 11 anos, mais da metade da ditadura militar, quase chegando no tempo da "Primeira Era Vargas"), o que se espera é que mantenha-se sim, o tom laudatório igual o do editorial de hoje do Nassif, mas que também se questione que tipo de planejamento o governo federal faz em relação a este programa.
A expectativa é aumentar o número de beneficiários mesmo, igual transpareceu na fala do Lula? Existe algum programa prioritário do governo, voltado aos benefíciários do BF, para que diminua gradativamente o número de dependentes? Qual o percentual de beneficiários, que lá em 2003 começaram a receber BF, e que já deixaram o programa?
Não vale falar da história de um ou outro, o importante são dados percentuais. Na eleição de 2010, falou-se muito da "porta de saída", de indivíduos que tinham conseguido deixar o programa, mas pelo que observamos o número de beneficiários só fez crescer. O que explicaria isto? Miseráveis ainda não atingidos ou incapacidade do Estado de garantir a autonomia financeira dos dependentes?
Pois o que parece haver é uma certa má vontade de superar-se o "trunfo Bolsa Família" e começarmos a falar de uma "segundo onda inclusiva", inevitavelmente atrelada a despesas de Bem-Estar. O beneficiário do Bolsa Família parece um eleitor muito mais "pacífico" do que o chamado "Classe C", que conseguiu seu emprego formal na era Lula, mora nas grandes cidades e saiu para as ruas pedindo melhores serviços públicos.
Já quem depende do Estado, infelizmente fica muito mais suscetível ao discurso do medo, seja de perder a assistência do "coroné", seja de algum opositor cancelar o benefício.
Louvar o Bolsa Família sim, mas de olho no futuro. A não ser que quermos que se torne política social eterna.
https://jornalggn.com.br/noticia/a-diferenca-entre-o-welfare-state-e-os-programas-de-transferencia-de-renda