Após enviar esta respostano tópico sobre a ATEA eu pensei uma coisa:
Qual a vantagem de uma organização não governamental defendendo direitos de ateus e agnósticos (agnósticos fideístas não?) em vez de discriminação religiosa de modo geral?
O que isso tem a ver com divulgação científica?
A discriminação religiosa já sensibiliza a opinião pública, mas a discriminação especificamente contra ateus não. Além disso, uma organização ateísta e agnóstica seria útil para fazer lobby em nosso favor no governo ou pelo menos fazer um contrapeso ao lobby religioso. Num momento de retomada da propaganda criacionista e de importantes decisões legais sendo tomadas, como as referentes a pesquisas com células tronco e a legalização do aborto, é importante estarmos representados. E nisso aí a divulgação científica é importante, pois uma vez que os ateus e agnósticos geralmente tem uma visão de mundo naturalista (bright), o esclarecimento público da importância da ciência e de suas conquistas é favorável à defesa dos nossos interesses.
Reparem a parte negritada. Tive que tomar o cuidado de esclarecer que os aas (ateus e agnósticos)
geralmente têm uma visão de mundo naturalista, na qual a ciência tem um papel importante. Por que geralmente? Bem, porque como vocês já estão cansados de saber, um ateu é simplesmente uma pessoa que não crê em Deus, nada mais e nada menos. Um agnóstico é alguém que julga não ter conhecimento do valor verdade de proposições de cunho metafísico. As definições de ambos os termos podem variar, mas o que interessa na discussão que proponho não é o significado exato desses termos, mas a limitação, para não falar pobreza, de ambos.
O ateísmo e o agnosticismo não são doutrinas, não são ideologias, não são visões de mundo. Muito pelo contrário, são anti-visões de mundo. Um ateu não é obrigado a ser cético - ele pode acreditar na coleção mais absurda de criaturas exóticas, exceto uma - Deus - e se cumprir esse simples pré-requisito, terá tanto direito de ser chamado de ateu quanto céticos de carteirinha como Dawkins e Sagan. Por isso mesmo, é possível
um ateu ter mais em comum com muitos deístas ou mesmo teístas do que com outro ateu. O mesmo vale para o agnosticismo, que pode muito bem ser agnóstico com relação a Deus, mas não quanto ao bule de chá em órbita e nem por isso deixar de ser chamado de agnóstico.
E agora chegamos ao caso aqui do nosso Clube Cético. Não é Clube Ateu, nem Clube Agnóstico, nem Clube Ateu/Agnóstico. É Clube Cético. O fato de ele ser freqüentado majoritariamente (para não dizer quase totalmente) por aas não é mera coincidência. E o termo ceticismo já é um pouco melhor do que ateísmo e agnosticismo, visto que apesar de ele também se escorar na rejeição, ele já dá uma informação mais precisa: Ceticismo, e em particular o ceticismo científico
à la Carl Sagan, o mentor intelectual do ceticismo ativista que vemos hoje na Internet, é o exercício da dúvida ou da suspensão do julgamento em geral ou em relação a alegações não comprovadas.
Mas o ceticismo também não é uma doutrina e nem uma visão de mundo, é antes um processo, um meio de se alcançar verdade. É meio estranho, portanto, eu dizer que sou
um cético. O que eu quero dizer quando falo que sou um cético afinal? Que eu uso o ceticismo sistematicamente, ou seja, que sujeito tudo à dúvida até ser apresentado a evidências? Certamente que não, se eu fizesse isso acabaria louco, duvidando de meus próprios sentidos e chegando à conclusão de que a única certeza que tenho é a de que penso, logo existo, como Descartes.
Não, nós não somos céticos a esse ponto. Nosso ceticismo é seletivo, pois existem coisas em que sem dúvida nós acreditamos. Acreditamos que existe uma realidade objetiva, que ela é lógica e estruturada e que seus fenômenos são potencialmente explicáveis pela razão humana através de um sistema de aquisição de conhecimento organizado rigoroso conhecido como ciência. Queriamos ou não, isto é uma visão de mundo, e uma visão de mundo muito além do ateísmo e do ceticismo. Na verdade essa é a descrição de toda uma filosofia metafísica conhecida como
naturalismo. Não estamos livres da metafísica...
Voltemos à mensagem que eu citei no começo do tópico: combater o criacionismo não é o objetivo dos ateus e agnósticos. É o objetivo de um grupo de pessoas que inclui muitos aas, sem dúvida, mas não necessariamente todos os aas, aliás, um grupo que inclui até mesmo a maioria dos deístas, panteístas e até uma pequena fração dos teístas também, e o que esse grupo tem de particular é possuir uma visão de mundo naturalista. Há um nome meio polêmico para essas pessoas, vocês provavelmente já conhecem: os brights. Acredito que não há dúvidas de que os brights são a fração mais numerosa entre os aas no CC e na Internet em geral. Provavelmente no mundo (aliás, é possível até que hajam mais brights do que aas). E é uma palavra com uma definição muito mais ampla e esclarecedora que as concorrentes.
Por analogia, um ateu é uma pessoa cuja cor preferida definitivamente não é o azul. O agnóstico não sabe qual é a sua cor preferida, mas provavelmente ela não é o azul. Um cético não gosta de azul até que alguém lhe mostre uma tom de azul que o faça mudar de idéia. O bright é o cara que gosta de cores quentes. Ou seja, o ateu e o agnóstico se definem por aquilo que eles não são, o cético por aquilo que ele costuma fazer e somente o bright por aquilo que ele é.
Mas acho que a resistência em se adotar definitivamente a palavra bright não está em reconhecer que ela é um termo melhor, está na origem da palavra, que vem do inglês "brilhante". Como se aqueles que não são brights (os "supers", ou seja, aqueles que têm elementos de crenças no "supernatural") fossem menos brilhantes. Bom, a palavra bright foi escolhida para designar as pessoas com visão naturalista em referência ao Iluminismo. Os brights, portanto, são brilhantes porque foram iluminados pela filosofia das Luzes, que removeu o sobrenatural da esfera da ciência. Conhecida a verdadeira origem da palavra, não temos mais desculpa para dizermos a nós mesmos que bright é um termo pedante e arrogante. A preocupação agora é com se os supers vão se convencer disso.
A resposta clássica dos brights é fazer uma analogia com os gays. O termo gay, igualmente, vem do inglês, significando 'alegre'. Não é por causa disso que os heterossexuais passaram a ser chamados sads (tristes). Em vez disso criaram seu próprio neologismo, straights (reto). Os brights já deram de bandeja a palavra supers para quem acredita no sobrenatural, mas se eles não gostarem dessa, encontrar outra é problema deles. O que não nos impede de nos chamarmos a nós mesmos de brights, ainda mais no Brasil, onde esse termo não é mais do que um estrangeirismo. Não vamos passar por pedantes se da próxima vez que nos perguntarem a nossa religião dissermos que somos brights em vez de ateus. Muito pelo contrário, como provavelmente será a primeira vez que a pessoa escuta isso na vida, ou ela vai dar de ombros ou vai perguntar o que é isso, o que é um bom momento para explicarmos a nossa visão de mundo sem nem ao menos precisar mencionar que não acreditamos em Deus, a não ser que seja da nossa vontade ou que a pessoa pergunte diretamente.
Eu não gostava de bright da primeira vez que ouvi, mas agora estou cada vez mais inclinado a pensar que esta é uma palavra boa demais para ser perdida, por isso convido os foristas que simpatizarem com ela também a efetivamente usarem. E é isso que vou fazer agora. Só vou falar ateus, agnósticos e céticos agora quando o contexto me obrigar a usar essas palavras. No mais, me identificarei (e a vocês também, gostem ou não
) como bright.