Não, de forma alguma. Seria antes o contrário; é a existência de algum tipo de angústia ou inquietude que leva à necessidade da religião.
Esse é um fator interessante. Existe algum estudo sobre isso? Ou simplesmente classificou-se o religioso como angustiado/inquieto/medroso, etc.
O mais próximo que me ocorre são os livros de Ken Wilber que li, onde ele usa o modelo da Dinâmica de Espiral para ilustrar a tese de que as percepções de mundo oscilam entre modelos egocêntricos e altruístas. Note que Dinâmica de Espiral é um modelo administrativo que tem se mostrado útil para ilustrar teses variadas, mas não é o que eu chamaria de ciência.
A idéia (como a entendo) é que o ser humano sempre faz as coisas por um motivo. E no caso das mudanças de percepção do mundo, o motivo seria via de regra a frustração diante dos limites do que se pode fazer com o modelo de mundo até então adotado. Por isso a criança pequena eventualmente aprende a parar de chorar para conseguir o que quer e começa a negociar e a se interessar pelas vontades alheias para poder negociar melhor.
E, mais adiante, aprende a se impor como indivíduo sem com isso romper com a proposta de negociação com outras pessoas. Até que também esse modelo de mundo começa a se mostrar limitado e frustrante, levando à concepção de ainda outro, mais ambicioso e complexo do que os anteriores, e cruzando de novo a fronteira entre as metas últimas altruístas e as metas últimas individualistas.
Por essa ótica, o xamanismo e o espiritualismo são religiões "vermelhas", voltadas à união da tribo através da exaltação da expressão individual; e o Cristianismo Protestante e o Islã são religiões "azuis", da visão de mundo imediatamente posterior, voltadas à submissão ou sacrifício do indivíduo em prol de um projeto maior. Mas é definitivamente possível ser excessivamente abnegado, por isso o azul eventualmente cede lugar (nos que conseguem atingir essa maturidade) ao laranja, que volta a valorizar a iniciativa individual sem com isso negar a importância de uma estrutura social sólida - a mentalidade dos grandes empresários, em um mundo ideal, ou do Objetivismo de Ayn Rand no campo religioso.
Mas voltando às religiões azuis como o Cristianismo, penso eu que, ainda que filtrada por séculos de mudanças culturais, distorções e reinterpretações, essa provavelmente foi realmente uma grande inovação proposta por Abraão ao povo judaico (e mais tarde por Paulo de Tarso, que talvez seja um personagem fictício, aos demais): a idéia de que o Deus da tribo não deve ser visto como um rival dos deuses das tribos rivais, porque a partir de um certo ponto é preciso pensar em cooperação e não apenas em competição com as demais comunidades.
Me parece que esse inclusive é o tema predominante da Revelação Cristã: a idéia de cultivar e propor um sentimento de união entre vários povos, simbolizado através da crença em um Deus único. A Torá não me parece dar muito suporte a essa idéia, mas se eu tivesse de escolher um único tema para resumir o Novo Testamento, seria esse.
Você que é do ramo, teria algo a comentar, Maykon?
P.S.: Um adendo sobre a sequência vermelho

azul

laranja: essa sequência, que corresponde de certa forma ao desenvolvimento da noção de si mesmo que Piaget documentou, segue necessariamente essa sequência cronológica, nessa ordem.
É tentador querer afirmar que o azul é melhor do que o vermelho e pior do que o laranja, e
muito superficialmente é verdade, mas não se trata de simples talismãs a serem portados para fornecer benefícios: uma pessoa com modelos de mundo azuis é
mais ambiciosa do que um "vermelho", e por isso também
comete erros mais sérios e com maiores consequências. E com o laranja, os riscos e consequências são ainda mais sérios. Os modelos de mundo não são propostas mágicas, são descrições de graus de maturidade.