Usar as universidades particulares ou qualquer instituição privada de ensino de hoje como demonstração de como as coisas seriam em um mercado livre de educação está errado. Simplesmente porque o mercado privado da educação hoje não é livre, muito pelo contrário. O Ministério da Educação regula cada aspecto do programa das universidades e escolas privadas e simplesmente não as deixa funcionar se elas não fazem as coisas exatamente da forma como o Ministério reconheça que devam ser. Não há liberdade para uma instituição adotar o programa que bem entender. Pior, não há liberdade efetiva para um jovem/adulto focar sua educação naquilo que lhe interessa, pois a burocracia do estado decide quem é "educado" ou não de acordo com seus próprios critérios altamente questionáveis, e só concede uma série de direitos àqueles que forem educados dentro desses padrões.
O que o Ministério da Educação exige das universidades é um programa
básico para cada curso e uma estrutura mínima, mas cada universidade tem a liberdade de acrescentar temas/assuntos/estudos/etc extras se entender que é o melhor para a educação de seus alunos. Quantas se preocupam em fazer isso? Reconheço que a resposta não é zero, mas também é muito menor do que a desejável.
Voltemos ao caso do ensino fundamental e médio (que é o tema em discussão). Quais são as escolas particulares que se destacam pela qualidade de ensino? Em geral, são aquelas que não apenas se preocuparam em ensinar o conteúdo básico exigido pelo MEC, como também acrescentaram temas extras por entenderem que era o melhor para seus alunos. Já as particulares de nível mais baixo, se preocupam apenas em cumprir o currículo básico e garantir a melhoria da qualidade apenas pela contratação de melhores professores que os do ensino público. Isso mostra que a atuação do MEC não representa um problema caso o objetivo da escola particular seja realmente o de buscar uma melhor qualidade que as outras escolas particulares concorrentes.
A proliferação de universidades caça-níqueis e escolas de ensino médio dedicadas unicamente a fazer o aluno passar no vestibular são uma realidade. Mas culpar por isso a liberdade de elas existirem é errar o alvo. Existe uma cultura do diploma impregnada no brasileiro. Eu não saberia dizer quais são exatamente as causas desse fenômeno, mas certamente tem algo a ver com a excessiva centralização e burocracia que aqui existe. Digo, não importa tanto o conhecimento e a competência que uma pessoa tenha sobre determinado assunto; se ela não passar pelo "ritual" da educação formal e não obtiver um pedaço de papel sacramentado por um órgão do estado que a certifique, ela simplesmente não tem valor como profissional. Nem tanto porque empreendedores privados não a contratariam ou porque consumidores dela não consumiriam, mas porque o próprio estado age proibindo que pessoas que não passaram pelos seus padrões exerçam o que saberiam fazer por terem passado por um processo educacional diferente - isto é, que se educaram em instituições que adotaram seu próprio programa; tais instituições nem são permitidas de existir. Não é de estranhar que nesse cenário sejam populares escolas e faculdades voltadas apenas a conceder os certificados aprovados pelo estado (cursos caça-níqueis).
E aqui digo que você está enganado. Não é preciso apelar para burocracia (assunto no qual o Brasil realmente apresenta problemas) para explicar o porque da cultura do diploma. Basta simplesmente pensar nas mudanças do país últimos 40 anos. Quem começou a trabalhar nos anos 70 ganhava bem a ponto de poder sustentar sua família mesmo em ocupações que exigiam apenas primeiro grau, ou muitas vezes nem isso. Na época, as funções que exigiam nível superior eram bem vistas tanto pelo quanto ganhavam, quanto pela própria imagem do "doutor" que ainda uma atmosfera mítica e que impunha respeito. A mentalidade de qualquer profissional da época era a de "precisei passar muitos apertos na minha vida por não conseguir uma renda melhor devido à falta de estudo, mas vou garantir que os meus filhos possam estudar para que não passem aquilo que passei, e possam ter aquilo que não pude ter". Só que, com o fim do "milagre econômico" brasileiro, encontrar emprego começou a ficar mais difícil, mas nos anos 80 a situação ainda não era tão problemática, pois muitos com apenas cursos profissionalizantes e técnicos ainda conseguiam arranjar emprego.
O grande problema começou nos anos 90, quando os empregadores começaram a exigir uma maior qualificação para as mesmas tarefas, o que fez que muita gente com longa experiência nos mais diversos ramos já não conseguisse mais encontrar emprego. Com abundância de mão-de-obra disponível, as empresas começaram a exigir mais qualificações para contratar. Em suma, quem estudasse mais teria melhores chances. Além disso, essas profissões de nível médio já não pagavam o suficiente para garantir um padrão de vida razoável. O resultado foi óbvio: as pessoas começaram a achar que as universidades seriam a salvação para seus filhos, e por isso incentivaram a todos a fazerem um curso universitário de qualquer jeito. E aí, que surgiram as universidades caça-níqueis. Elas viram que haviam muitas pessoas querendo um curso superior, mas que não conseguiam entrar nas universidades já existentes (até pela pouca quantidade de vagas) e começaram a abrir qualquer curso meia-boca para pegar esse pessoal.
Mas você não precisa acreditar em mim quanto a isso. Vá e pergunte a várias pessoas que começaram a trabalhar nos anos 70 e 80, porque elas quiseram que seus filhos fizessem um curso universitário.
Quanto ao que você disse sobre o ensino público servir de "referência de ruindade", não sei se entendi. As pessoas tendem sempre a fazer uso do melhor que estiver a seu alcance. Talvez se você explicar de outra forma eu entenda o que você quis dizer.
Exato. Mas há aquelas em que quase nenhuma alternativa está ao alcance. E elas são muitas, já que a maioria das pessoas no Brasil são da classe baixa. Por isso, quando elas escolhem a escola de seus filhos, optam pelo ensino público, porque alternativas melhores estão fora de seu alcance. As poucas que conseguem colocar seus filhos fora do ensino público, buscam apenas algo melhor que o ensino público. Dessa maneira, o ensino público permanece como uma referência de "má qualidade máxima aceitável". Com isso, as escolas que buscam esse tipo de estudantes - os que só podem pagar um valor que seja o mínimo possível - não se preocupam tanto em serem melhores que a concorrência das outras particulares, e sim em apenas serem melhores que o ensino público, já que os pais vão se conformar com apenas isso. E a quantidade de estudantes que busca apenas fugir do ensino público é outra garantia para essas escolas não se preocuparem com uma possível competição.
Agora, suponhamos que o ensino público desapareça. Essas escolas que só se preocuparam em serem melhores que o ensino público, terão que ser melhores que o quê? Simplesmente irá desaparecer essa referência de "má qualidade máxima aceitável", e a partir daí qualquer coisa que elas ensinarem, mesmo sendo pior que o ensino público hoje, será aceitável, porque qualquer ensino é melhor que nenhum ensino.