Como você disse, o Ministério da educação apenas permite que as instituições adicionem conteúdos sobre uma base obrigatória. Mas essa base é enorme.
Discutível. Dos anos 80 para cá muitas matérias/atividades foram removidas do currículo sem que nada fosse acrescentado, até recentemente quando incuíram filosofia e sociologia se não me engano. E, como já comentei, há muitos colégios que acrescentam assuntos extras ao currículo, demonstrando que, se a base for grande, não é tão grande assim. Mas continuemos.
O Ministério não regula apenas o conteúdo básico das instituições como também a sequência de eventos da vida estudantil do indivíduo, o que previne que existam instituições provendo cursos, digamos, "sob medida". Um jovem não pode, por exemplo, centrar todo o seu ensino médio no estudo das ciências exatas e dar pouca - se der alguma - atenção às humanidades, e com essa formação ingressar em um curso superior de exatas; ou então ingressar mais cedo em um curso de nível superior, caso tenha condições para isso. Não há esse tipo de opção. Presume-se que todos sejam iguais, que todos precisem de uma "mesma base". "Base" essa que, na opinião de alguns, seria o bastante para estender o ensino médio até os vinte anos de idade.
Não pode e não deve. Na idade em que se começa o ensino médio, são muito poucos os que conhecem bem todas as opções possíveis de carreiras a seguir, e as suas especificidades. Isso ocorre muitas vezes até no fim do ensino médio. Por isso o jovem deve ter a oportunidade de conhecer bem as diversas áreas possíveis e também de ter base para escolher aquela que mais lhe aprouver. Além disso, boa parte dos cursos universitários apresentam um currículo multidisciplinar, sendo muito comum cursos de exatas terem conteúdo de humanas por exemplo, o mesmo ocorrendo em cursos de humanas e biológicas, onde também há necessidade de conhecer outras áreas.
Agora, suponha que esse jovem que centrou seu ensino médio em exatas e que ao ingressar em um curso universitário percebeu que o curso não era como ele queria/imaginava e então achou melhor mudar de área. Se ele quiser ir para humanidades ou ciências biológicas, ele teria que fazer novamente o ensino médio?
Na minha opinião, ter uma boa base base é imprescindível, até para garantir uma igualdade de oportunidade de realização de qualquer curso. Supondo que o aluno realmente já está certo do que quer, o que ele deve fazer é se dedicar mais a essa área por conta própria, e se limitando a base quanto ao resto.
Sua análise quanto à "cultura do diploma" é muito interessante, mas não acredito que o caráter burocrático do andamento das coisas no Brasil possa ser descartado. Essa explosão da demanda por cursos superiores parece ser um fenômeno separado.
Gostaria que você me explicasse então a razão da "cultura do diploma" com a burocracia. Não consigo ver de jeito algum porque a burocracia seria o causador central disso, e não apenas uma questão pontual.
O porquê de no Brasil serem tão populares cursos superiores quando cursos técnicos seriam muito mais rentáveis em termos de custo/benefício já foi discutido aqui no fórum mesmo (por hora só achei estes tópicos onde o assunto é discutido brevemente, mas me lembro de outros: 1, 2, 3).
No curto prazo, os cursos técnicos realmente são mais rentáveis, mas no médio e longo prazo deixam de ser, devido à diferença de remuneração entre um profissional de nível técnico e um de nível superior, além do fato de que um profissional de nível superior tem melhores oportunidades de crescimento na carreira. E, considerando-se que a época de escolha de ambos é a mesma época na qual muitas pessoas já estão pensando em constituir família, não é de se estranhar que elas estejam dispostas a fazer um maior sacrifício agora, para obter uma maior tranquilidade e estabilidade depois. Ainda mais se considerarmos que muitos jovens ainda têm ajuda dos pais para bancar os estudos. Além disso, hoje em dia é muito mais fácil encontrar cursos de nível superior do que técnicos, de maneira que muitas pessoas que terminam o ensino médio e nem sabem o que é um curso técnico ou sequer que isso existe. Quantas propagandas de universidades se vê por aí? E quantas de cursos técnicos?
Mas isso não explica o motivo de faculdades notadamente ruins serem populares. Não que eu tenha pretendido explicar isso de forma definitiva com a questão da burocracia. É um fenômeno curioso que demanda uma discussão separada, mas o que eu posso afirmar com certeza é que não está certo responsabilizar a possibilidade de esse tipo de instituição existir pelo fato de elas existirem, para então justificar a adoção de políticas que regulem o ensino. Afinal, informações sobre a qualidade das instituições são amplamente disponíveis a qualquer um que procure se informar a respeito, coisa que qualquer pessoa com um mínimo de sensatez faz antes de se matricular em um curso que custa dezenas de milhares de reais. Não é como uma aposta feita no escuro pelo cliente. Não há qualquer traço de "falha de mercado" aí.
Ok, vamos lá. Imagine uma pessoa que acabou de sair do ensino médio público e está buscando opções de emprego. Os que conseguirem, geralmente irão para opções que não exigem nenhuma preparação especial, como por exemplo atendente de telemarketing e motoboy. Algumas pessoas com mais sorte conseguirão algo melhor. Só que quase ninguém pretende trabalhar a vida toda de motoboy ou atendente de telemarketing, portanto a maioria irá buscar uma alternativa. Como as alternativas para pessoas com essa preparação em geral não são muito melhores, a maioria pensa em fazer um curso de nível superior para ter melhores oportunidades. Quais são as opções com as quais ela se depara?
-cursos técnicos? Poucos conhecem.
-universidades públicas? A maioria reconhece que não consegue passar no vestibular.
-universidades particulares? Depende do preço, já que ganham pouco.
Já que depende do preço, vamos comparar os valores de mensalidades duas universidades, sendo uma já com certo renome (Mackenzie) e outra caça-níquel que chamarei apenas de Uniesquina. Os valores serão retirados dos sites de cada uma.
Suponha que pessoa queira cursar direito:
No Mackenzie a mensalidade é R$1.003,00. Na Uniesquina é R$489,00.
Ou então jornalismo:
No Mackenzie a mensalidade é R$1.143,00. Na Uniesquina é R$489,00.
Ou então eng. mecânica:
No Mackenzie a mensalidade é R$1.224,00. Na Uniesquina é R$573,00.
Não está óbvio que para todo esse pessoal que ganha menos de R$1.000,00 (e há muita gente nessa situação) é Uniesquina ou nada?
As poucas que conseguem colocar seus filhos fora do ensino público, buscam apenas algo melhor que o ensino público. Dessa maneira, o ensino público permanece como uma referência de "má qualidade máxima aceitável". Com isso, as escolas que buscam esse tipo de estudantes - os que só podem pagar um valor que seja o mínimo possível - não se preocupam tanto em serem melhores que a concorrência das outras particulares, e sim em apenas serem melhores que o ensino público, já que os pais vão se conformar com apenas isso.
Considerando duas escolas concorrentes, ambas cobram preço semelhante. Uma - apostando no raciocínio que você seguiu - é apenas ligeiramente melhor do que o ensino público, e a outra é consideravelmente melhor. Por que os pais não tenderiam a colocar seus filhos na segunda?
Nesse cenário a segunda é obviamente a melhor opção, mas eu me pergunto se esse cenário é realista. Acredito muito mais na probabilidade do dono da primeira escola baixar o preço e montar salas maiores, para ganhar pela quantidade. Essa foi a fórmula de sucesso das Uniesquinas por aí. Coloca-se mais de cem alunos por sala que pagam metade que na escola melhor, mas que só tem trinta na sala. E o próprio estudante percebe que não aprende grande coisa, mas como sabe que não tem como pagar por coisa melhor, acaba por se conformar com isso.
Bom, e é pela questão da falta de alternativa a pessoas carentes que eu acho que um período de transição deveria existir entre o cenário atual e o cenário completamente privado. Sobre isso eu comentei acima.
Os 'vales-educação'? Acaba resultando no mesmo problema.