quote author=Mabumbo.P link=topic=20922.25.html#msg464635 date=1248786527]
Dante,
Uma dúvida me incomoda, anteriormente eu disse que “a lógica demonstra a falibilidade ou não de um argumento, não alguma verdade acaso implícita numa idéia”. No que você retorquiu afirmando que “a lógica garante alguns teoremas, a depender do sistema”. Ou seja, a lógica demonstra tanto se um argumento é falho, quanto se existe alguma verdade num raciocínio. Isso?
E outra, na lógica, existe alguma definição de verdade? Ou somente aquela sobre “raciocínio logicamente válido”? Alguma delimitação? Existe alguma diferença entre argumento válido e argumento verdadeiro? Pelo que entendi, todo argumento válido seria, e não vejo outra forma, uma verdade. Certo?[/quote]
Um sistema de lógica tem duas partes: semântica e sintaxe.
Semântica é a interpretação que se dá aos símbolos lógicos. Por exemplo, na lógica proposicional clássica temos:
"
p e
q" é verdade se
p é verdade e
q é verdade, e falsa caso contrário.
"
p ou
q" é falsa se
p é falso e
q é falso, e verdade caso contrário.
"não-
p" é verdade se
p é falso, e é falso se
p é verdade.
"se
p, então
q" é falso se
p é verdade e
q é falso, e verdade caso contrário.
etc.
A sintaxe são as regras de manipular os símbolos:
Dado "
p e
q", pode inferir "
p"
Dado "
p e
q", pode inferir "
q"
Dado "
p" e dado "
q", pode inferir "
p e
q"
Dado "se
p, então
q" e dado "
p", pode inferir "
q"
Dado "não-não-
p", pode inferir
petc.
Ao construir um sistema de lógica a idéia é fazer com que ele seja:
Correto - Tudo o que se pode derivar na sintaxe é válido na semântica.
Completo - Tudo o que é válido na semântica se pode derivar na sintaxe.
Digamos que você tenha construído um sistema de proposicional lógica clássica completo e correto. Você conseguirá, então, obter algumas verdades lógicas. Exemplo:
"
p ou não-
p", "não-(
p e não-
p)", "se
p, então
p", "se não-não-
p, então
p", "se
p, então não-não-
p" etc.
Estas verdades lógicas são:
*Sentenças sempre verdadeiras qualquer que seja o valor veritativo das proposições atômicas (
p,
q etc). Isto é a semântica.
*Conclusões de um conjunto vazio de premissas. Isto é a sintaxe.
*Descrições de circuitos eletrônicos cujo o output é 1, qualquer que seja o input.
Mas podemos também construir lógicas não-clássicas alternativas. Por exemplo, Lukasiewikcz construiu uma lógica de três valores: verdadeiro, indeterminado e falso, tais que verdadeiro>indeterminado>falso.
A semântica desta é:
"
p e
q" é verdade se
p é verdade e
q é verdade, falsa caso
p ou
q sejam falsas, indeterminada caso contrário.
"
p ou
q" é falsa se
p é falso e
q é falso, verdade se ao menos um for verdadeiro, indeterminada caso contrário.
"não-
p" é verdade se
p é falso, é falso se
p é verdade, e é indeterminado se
p é indeterminado.
"se
p, então
q" é falso se
p é verdade e
q é falso, verdade se
p menor ou igual a
q, indeterminado caso contrário.
etc.
Nesta, ainda vale "se
p, então
p", "se não-não-
p, então
p" e "se
p, então não-não-
p". Mas já não vale "
p ou não-
p" e "não-(
p e não-
p)", que são indeterminadas quando
p é indeterminado.
Já Kleene desenvolveu uma lógica ternária na qual "se
p, então
q" é falsa se
p é verdadeiro e
q é falso, verdade se
q é verdadeiro, indeterminada caso contrário.
Nesta, nenhuma sentença é universalmente válida!
Existem outras lógicas interessantes que nem trabalham com as operações como funções veritativas. Uma delas é a Lógica Intuicionista, que entende "determinar a verdade de uma proposição" como "provar construtivamente uma proposição":
Provar "
p e
q" é provar
p e provar
q.
Provar "
p ou
q" é provar
p ou provar
q.
Provar "se
p, então
q" é, apartir de uma prova de
p, provar
q.
"não-
p" equivale a "se
p, então
contradição". Ou seja, provar "não-
p" é dar uma contraprova de
p.
Na lógica intuicionista, vale "não-(
p e não-
p)", dado que "
p e não-
p" já é uma contradição, mas não vale "
p ou não-
p", pois nem todo
p tem uma prova ou uma contraprova. Vale "se
p, então não-não-
p", pois uma prova de
p é uma contraprova de não-
p, mas não vale "se não-não-
p, então
p", pois uma contraprova de não-
p não é uma prova de
p. Vale "se
p, então
p", pois de uma prova de
p obtem-se uma prova de
p.
Todo teorema da lógica intuicionista é um teorema da lógica clássica, pois tudo o que tem uma prova construtiva é [classicamente] verdadeiro, mas nem todo teorema da lógica clássica é um teorema da lógica intuicionista, pois nem tudo o que é [classicamente] verdadeiro tem uma demonstração construtiva.
Existe uma disciplina na lógica chamada
Teoria de Modelos, que formaliza a metateoria por trás dos diferentes sistemas de lógica, o que nos permite
definir, analizar e comparar as diferentes concepções de verdade de cada sistema.
A interpretação lógica daquele axioma que você anteriormente postou, “todo homem é um fim em si mesmo”, seria do tipo, “se p, então p”? Ou seja, tudo sobre o homem, é o homem?
"O homem é um fim em si mesmo" significa que as pessoas não podem ser usadas como meros meios para atingir fins, mas que se deve agir em prol das pessoas.
Ou seja, um argumento é válido (ou verdadeiro) somente quando produzido também por uma estrutura válida?
Um argumento é válido quando tem uma estrutura na qual, se as premissas são verdadeiras, a conclusão é verdadeira.