Há um enunciado bíblico que dá a perfeita noção de certo e errado: fazer ao outro o que gostaríamos que nos fizessem ou, não fazer ao outro o que gostaríamos que não nos fizessem. Essa a noção do certo e do errado, e é absoluto, não relativo.
Imagine-se como um médico que sempre segue essa regra e que você está operando um paciente testemunha de jeová que precisa de uma transfusão de sangue urgente para sobreviver. Você deve ou não fazer a transfusão?
Giga,
Nós não somos obrigados a concordar o tempo todo, mas seria de bom tom você me dar razão quando eu realmente a tiver, ainda mais em questões óbvias. Essa lei moral que citei, independemente de quem a enunciou primeiro, é universal. Mas você não pode analisá-la sob o ponto de vista da vontade imediata.
Esse enunciado é do ponto de vista da intenção e não do ato em si. E não há intenções relativamente boas ou más. Ou a intenção é absolutamente boa, ou ela é absolutamente má, tanto faz se se trata de religiosos ou ateus.
O que eu quero para mim, e que todas as pessoas querem, é ajam para comigo de maneira sincera e bem intencionada, visando o meu bem. E o que eu não quero, e que ninguém quer, é que as pessoas ajam para comigo de maneira falsa e mal-intencionada, visando o meu mal.
Portanto, eu sempre quero que um bem me seja feito, ainda que seja contra a minha vontade imediata. Por exemplo, eu às vezes castigo os meus filhos e é contra a vontade deles. Por meu lado, eu também, quando castigado, não gosto de ser castigado. Mas quando eu castigo eles, na realidade eu vislumbro um bem maior que decorrerá lá na frente, da mesma forma que eu hoje até agradeço aos meus pais por me terem castigado algumas vezes na minha infância, embora tivesse sido contra a minha vontade imediata na época. Então, quando eu castigo os meus filhos por uma malcriação, na realidade, eu faço um bem porque eu julgo que se eu estivesse na pele deles, fazendo o que eles fazem, eu também deveria ser castigado. Entendeu? O que qualifica o ato é a intenção, boa ou má, e não o ato em si.
Portanto, no lugar do médico, eu faria sim a transfusão (se a lei me permitisse, pois ela poderia impedir-me), mesmo contra a vontade imediata do paciente, porque se eu fosse o paciente, e estivesse na ignorância, eu também gostaria que me fosse feita a transfusão contra a minha vontade. Em outras palavras, eu gostaria que o médico agisse para comigo bem intencionadamente, no melhor do entendimento dele. Da mesma forma, se eu por um acesso de loucura qualquer estivesse a ponto de me suicidar, eu gostaria de ser impedido por alguém, mesmo em sendo contra a minha vontade imediata. Esses casos não quebram a regra do fazer ao outro o que gostaríamos que nos fizessem.
Agora imagine que além de médico, você também é uma testemunha de jeová que corre o risco de receber o castigo do inferno se violar uma lei divina. Você faria a transfusão?
Nesse caso, eu não faria a transfusão, e seria considerado um ato mau se eu o fizesse, porque nesse caso eu estaria fazendo ao paciente algo que eu conscientemente julgo mau, diferentemente do outro médico acima. Se eu fizesse a transfusão acreditando ser um mal, ainda que o ato fosse bom e lhe salvasse a vida, eu estaria agindo com a intenção de fazer mal ao paciente e, portanto, eu estaria agindo mal.
Raciocínio similar pode ser usado em outras situações. Por exemplo, numa guerra, é absolutamente certo ou é errado matar os inimigos do outro lado da trincheira? Eu considero absolutamente certo, desde que a necessidade justificasse essas mortes e não fossem execuções sumárias puras e simples. Errado seria eu me deixar matar pelo inimigo.
Não é o ato em si que é importante, e sim a intenção, e é por ela que somos julgados. Qual é a tua intenção ao realizar um ato? O mal ou o bem do outro? Se você visa o bem, ainda que o ato seja mal, é considerado como se tivesse feito um bem, e vice-versa.
O ato até pode ser relativamente bom ou mal. Mas a intenção não. E isso vale tanto para crentes como para ateus.
Um abraço.