Curioso. Eu já sou mais interessado nas explicações sociológicas, culturais e psicológicas que não incorram tanto no reducionismo biológico quanto o pessoal da sociobiologia e da "psicologia evolutiva dos módulos mentais, ambiente seletivo do pleistoceno, contra-o-"SSS", etc".
Também sou interessado, é claro, mas as explicações sociológicas são tão pobres que dá um desânimo...
Recomendo também não se empolgar demais com a possibilidade das explicações de Psicologia Evolutiva, principalmente com iniciais em maiúsculo.
Não é nem que só vá encontrar besteira, mas é que em boa parte do tempo realmente devem ser necessários "níveis" de explicação diferentes para fenômenos sociais. Mais ou menos como existe a química, apesar de "já" existir a física. No fim das contas, tudo é físico mesmo, mas ainda assim é bem mais fácil entender as coisas com níveis diferentes de explicação onde níveis inferiores de organização são praticamente desprezíveis - como quarks e seus spins, cores e sabores, para algo ser alcalino, ácido ou outra coisa.
Muitas vezes explicações biológicas acabam se encontrando em saias curtas para explicar coisas da própria biologia mesmo. Como por exemplo, seleção sexual. Como regra, o macho é o que disputa, e a fêmea é quem escolhe; ao longo de milhares de gerações, essas tendências comportamentais genéticas permitiram que os machos com os melhores genes se reproduzissem, portanto tiveram um melhor resultado final do que em populações onde essas tendências de competição e seleção de parceiros não evoluiu.
Ok, parece bastante razoável. Só que, recentemente se percebeu que em em populações de saigas (bicho que parece uma mistura de veado e anta), onde houve um recente declínio agudo na população de machos, caçados por humanos por causa dos seus chifres, os padrões de seleção sexual se inverteram, quando ninguém estava olhando. Agora as fêmeas, que não tem chifres, é que disputam haréns de escassos machos na porrada.
Não foi toda a lógica por trás da seleção sexual por água abaixo, ainda há o componente da escassez, agora de certa forma os machos, apesar de produzirem os mais baratos espermatozóides, são um recurso mais raro e mais fundamental à reprodução, como os óvulos. Mas simplesmente é insustentável a noção de que o comportamento do macho que disputa e da fêmea seletiva estava rigidamente arquitetado em seus cérebros; essa inversão dos padrões de comportamento não evoluiu geneticamente nessa situação, o comportamento se modificou espontâneamente diante dessa nova ecologia na qual a espécie se viu jogada.
Agora, quanto a sociobiologia, lembre-se que começa tentando derivar para a sociedade humana, de seres com cérebros substancialmente mais complexos que o das saigas, o que se sabe sobre o comportamento de insetos, qua mal cérebro têm. Então, levando isso em consideração, não parece um paradigma lá muito promissor, não sem toneladas de ressalvas e considerações sobre maior complexidade biológica da nossa espécie.
Ainda sobre seleção sexual, outro exemplo clássico recebeu um golpe violento da realidade recentemente. Ao que parece, as fêmeas dos pavões não ligam tanto para a beleza das caudas. É mais o barulho, um guizado, que diferentes tipos de penas fazem que chama a atenção. O que levanta a possibilidade de toda a cauda vistosa ser um subproduto acidental, o mais espalhafatoso de todos, para algo que talvez pudesse ser tão visualmente rudimentar quanto um chocalho de cobra e ter o mesmo efeito.
Não quero dar uma impressão que seja tudo uma porcaria, pode mesmo se ter hipóteses interessantes se levando em consideração esse tipo de coisa evolutiva, mas ao mesmo tempo é bem arriscado se gerar algo que pode até parecer bem convincente, mas é incompleto (um pouco como esses casos da saiga e da cauda do pavão). Por exemplo, características do comportamento feminino e masculino, praticamente universais, poderiam ser razoavelmente explicadas como "esses comportamentos são potencialmente benéficos à sobrevivência da prole; logo variantes genéticas que determinassem tendência a esses comportamentos foram selecionadas". Assim, a menina brinca de bonequinha porque é um tipo de treinamento biológico à função de mãe, e o menino brinca de carrinho, mocinho e bandido e etc, porque é um preparo biológico ao papel de protetor e provedor. Não é de forma alguma algo gritantemente absurdo, mas pode ser desde um pouco diferente até errado em alguns pontos.
Por exemplo, talvez indivíduos de ambos os sexos fossem tão predispostos a brincar de uma coisa ou de outra (ou variassem menos do que a variação individual dentro de um mesmo sexo), mas
os pais é que instintivamente tenderiam a criar meninos e meninas de maneiras diferentes, e isso por sua vez influenciaria no desenvolvimento do seu comportamento. Algo parecido com isso é fato (ao menos quanto ao tratamento diferencial por parte dos pais, não sei quanto a ser instintivo; coloquei isso só como uma hipótese curiosa, de ainda ser instintivo, mas estar em outro lugar), estudos mostram que os pais, mesmo aqueles que dizem não tratar diferentemente as os filhos de ambos os sexos, tratam e avaliam diferentemente as situações de acordo com o suposto sexo de bebês ainda sem qualquer dimorfismo sexual significativo. Vêem a mesma foto de um bebê, que é dito ser menino, e dizem que ele é "forte, inteligente, corajoso", ou se tiver cara de choro, que está irritado; enquanto que a mesma foto, se disserem ser de uma menina, será "gentil, carinhosa", ou "medrosa" se for cara de choro. Também apresentam mais preocupação com bebês do sexo feminino fazendo qualquer atividade física, com relação a mesma atividade realizada por bebês meninos.
Ao fazer isso, também criam a divisão entre meninos e meninas, das quais crianças dos respectivos sexos também ativamente procurariam se associar e tenderiam automaticamente a gostar. Na verdade, em pouco tempo (um dia de aula, se bem me lembro), pode-se até criar artificialmente "ódio racial" em crianças as induzindo a se separar pela cor dos olhos. Não é de se subestimar o que poderia ser conseguido criando as distinções entre coisas de menino e coisas de menina.
Isso vai colocar as pessoas em tipos de atividades diferentes, criar gostos diferentes, etc, algo mais ou menos análogo a diferenças de comportamento que praticamente todo mundo aceitaria serem étnicas, e não biológicas. Junte isso a coisas como que, em uma semana com os olhos vendados, um adulto já está começando a usar o córtex visual para outra função, como armazenamento de vocabulário, e então no fim das contas não será de se estranhar se homens forem de Marte e mulheres de Vênus, mas de forma não determinada tão simplesmente ou puramente a partir de diferenças nos cromossomos sexuais ou até mesmo diferenças de desenvolvimento cerebral neonatal (e pós-natal) sob a influência de hormônios diferentes.
Existe a piada interna do cara que fez sua tese sobre invisibilidade social: ele virou um gari por uns tempos na USP e nem os seus colegas de curso o reconheciam e, consequentemente, não lhe davam cumprimentos. A tese é extremamente sentimental, a começar pelo título, mas foi um alvoroço.
A Explicação Sociológica: os garis sofrem preconceito por causa do trabalho que realizam, esse preconceito de classe, gerado por uma indústria cultural de alienação e reforçado pelo ambiente competitivo em que vivemos, faz com que as pessoas ajam de forma egoísta e cínica.
Agora pergunto: quem aqui vive cumprimentando estranhos na rua? Por que deveríamos? Estamos num filme da Disney?
Eu retruco a piada: talvez exatamente o mesmo experimento fosse ser bem mais respeitado e aplaudido (certametne em alguns círculos), ou no mínimo menos vaiado, se explicação fosse nas linhas de Psicologia Evolutiva: "sobre como temos a tendência de almejar o melhor status social para melhorar nossas chances de passar nossos genes adiante, evitando nos relacionar com indivíduos de status inferior, pois isso rebaixaria nosso status aos olhos de potenciais pares ou outros membros importantes da sociedade; esse instinto é tão arraigado e potente que seu módulo está cognitivamente numa hierarquia superior àquela das relações sociais, efetivamente bloqueando o reconhecimento individual aos rostos de pessoas de seu círculo social quando elas sinalizam status social inferior".

MEU ZEUS! Que monstruosidade de post enorme eu escrevi! Não tinha percebido até colocar o "preview". É melhor parar por aqui. Resumo da ópera: várias vertentes de paradigmas/explicações são interessantes, é melhor criticar tudo, não dar colher de chá para ninguém e etc. Há um monte de variações dentro de cada área, não há só Pinker, Buss, Tobby, Wright, mas tem Tomasello, Frans de Waal, Buller; não tem só sociobiologia e Psicologia Evotiva; tem "psicologia evolutiva" (com iniciais minúsculas), biossociologia, ecologia comportamental humana, "economia comportamental", etc, etc. Talvez mesmo a bizarrice de "sociologia pura" forneça coisas interessantes. É interessante ver diferentes abordagens...