Entrevista com uma senhora hondurenha, uma ilha de sanidade em meio a raios cósmicos de controle mental israelenses.
26/09/2009 - 06h06
Vizinha da embaixada brasileira conta como foi presenciar confusão
Thiago Scarelli
Enviado especial do UOL Notícias
Em Tegucigalpa (Honduras)
Maritza Midencia mora desde março de 2007 na rua República do Brasil em Tegucigalpa, capital de Honduras. Em seu bairro, um dos mais nobres da cidade, estão diversas representações diplomáticas estrangeiras, como a da França e a dos Estados Unidos. A casa dela, contudo, está muito mais perto de uma outra embaixada: a do Brasil, local que nos últimos dias foi incluído na queda-de-braço política entre o presidente deposto Manuel Zelaya e o governo interino que o expulsou do país.
Em entrevista exclusiva ao UOL Notícias, ela conta como foi a volta de Zelaya, descreve a algazarra de parte dos manifestantes que chegaram para acompanhar o presidente deposto e confessa: "A política do Brasil vem arruinar minha vida".
UOL Notícias: A senhora é vizinha da embaixada?
Maritza Midencia: Vivo na casa em frente à casa que está logo ao lado da embaixada do Brasil. Essa que está ao lado da embaixada sofreu muitos danos porque a turba entrou - e se estragou até o teto, porque subiam e por aí entravam no terraço da embaixada do Brasil, me parece. Então, aí passaram toda a noite, usaram a casa como banheiro por todos os lados, até que chegou a polícia e os tirou de lá, e assim vivemos todos os outros dias, já com a polícia. Logo chegaram e lavaram e limparam. E assim estamos, desde então, com a polícia.
UOL Notícias: Como foi o dia em que chegou Manuel Zelaya à embaixada?
Maritza Midencia: Para nós, foi uma surpresa que este senhor aparecesse aí, antes do meio-dia de segunda-feira. A primeira notícia que ouvimos é que havia um pessoal que ia para as Nações Unidas, então saímos, vimos por um instante a multidão que chegava e depois o senhor Zelaya que saia para acenar. Aí começou a festa em volta da embaixada.
UOL Notícias: Que horas eram?
Maritza Midencia: Era cerca de meio-dia. E eles ficaram todo o dia e toda a noite, mesmo com o toque de recolher que havia sido estabelecido às 16h. Permaneceram aqui, fizeram uma bagunça na rua, com muito barulho toda a noite. Até que às 6h da manhã do dia seguinte, veio a polícia e, por fim, dissolveu tudo em cinco minutos com as bombas de gás lacrimogêneo.
UOL Notícias: A senhora não teve medo de que invadissem sua casa?
Maritza Midencia: Não, porque é uma casa que tem uns portões muito altos, segurança e eletricidade em volta. E a eletricidade só faltou no dia 21, segunda-feira, das 6h ou 7h da noite até as 7h da manhã. Desde então, todos os serviços estão perfeitos, não houve problema.
UOL Notícias: Desde segunda-feira a senhora continuava em sua casa?
Maritza Midencia: Sim, até agora.
UOL Notícias: E agora?
Maritza Midencia: Estou saindo para passar o fim de semana a casa de minha irmã, porque imagino que vai estar tranquilo hoje de noite ou de manhã. Mas eu não quero ficar movimentando meu veículo para cima e para baixo, porque incomodo os soldados e eu me incomodo que os soldados me perguntem sempre para onde vou e que hora eu volto. Pedir permissão para entrar em minha casa não é o normal. Então vou passar um fim de semana tranquilo.
UOL Notícias: Micheletti disse que Zelaya poderia ficar dez anos na embaixada brasileira se quisesse. Isso evidentemente seria incômodo para a senhora.
Maritza Midencia: Claro que isso me incomodaria, porque se vão mantê-lo vigiado todo esse tempo, vão fechar a rua. Como não me incomodaria perder a liberdade de usar minha casa, meu carro e mover-me à hora que quiser como todas as pessoas podemos, então é claro que isso me incomoda. Mas seu eu posso me locomover, não me importa, que ai fique.
UOL Notícias: A senhora certamente não esperava esse tipo de acontecimento diante da sua porta, não é?
Maritza Midencia: A gente acha que melhor é estar em uma rua onde estão sedes diplomáticas. Não imaginei nunca que ia viver no meio de uma bagunça, de uma festa de uma turba desta natureza. A gente investe para construir uma casa em um lugar que é um dos mais caros de Tegucigalpa esperando que vai viver melhor depois de anos de trabalho. E que venha esse tipo de pessoa arruinar sua tranquilidade não é agradável.
UOL Notícias: A senhora acha que o Brasil tem culpa pelo que está se passando?
Maritza Midencia: Olha, o Brasil é muita gente. O governo é uma coisa [distinta do Brasil como um todo], eu não me atreveria a dizer que Brasil tem culpa. Que os cidadãos tenham vistos ou não, isso não é problema meu. Mas sim me afeta que a política que vocês têm em seu país venha me arruinar a vida.