Alô Buckaroo. Desculpas pela demora em responder. Tentarei simplificar e ser breve.
Acho que temos um problema de definições. Você diz:
“Bem, não sei o que é a tal "teologia sofisticada", mas "desenho inteligente", no meu entender é justamente de anti-acomodacionismo religioso...”.
Entendo o que quer expressar, mas não é isso o que o termo significa. Refiro-me a anti-acomodacionismo como sinônimo do chamado neo-ateísmo (palavra que nunca gostei). O uso do termo acomodacionista começou a ser popularizado após os textos e livros de autores como Sam Harris, Richard Dawkins, P.Z. Mayers, Jerry Coyne e outros mais. Referia-se aos ateus clássicos, por assim dizer. Aqueles que tinham uma espécie de tratado de não agressão com os religiosos sempre que não fossem muito burros. Aos poucos o termo acomodacionista foi sendo ampliado e fica perto do que você comenta na sua definição:
“O que eu entendo por acomodacionismo é a postura de, você ver alguém falar algo como, "é perfeitamente possível alguém crer em deus e aceitar o big bang e a teoria da evolução como são descritos pelos cientistas", e responder então "ok", em vez de "isso é o que você pensa, a crença em deus e esses fatos científicos são coisas irreconciliáveis, e qualquer tentativa no sentido contrário é inevitavelmente patética; os fundamentalistas ao menos conseguem ser mais auto-consistentes.”
Não concordo completamente com estas suas palavras, mas não é importante aqui. O mais importante é que não deve puxar a definição para incluir “antiacomodacionismo religioso”. Esta linha de discurso tem muitas possibilidades de acabar na onda de alguns textos de Chris Hedges, tentando comparar fundamentalismo religioso com o que ele define como fundamentalismo ateu. E um pouco na linha do comentário de Price. Tentarei evitar, no possível, esta discussão. Não seria nem divertida nem apropriada para este fórum.
Já um pouco diferente é a sua outra definição:
“A mim a definição básica seria de que as coisas do "mundo real" são matéria de ciência e a religião não se mete. Religião/"sobrenatural" é campo de idéias fora de possibilidade de teste, no máximo questões de lógica, auto-coerência”.
Isto se refere basicamente ao que Stephen Jay Gould chamou de non-overlapping magisteria (NOMA). A melhor tradução que achei foi: magistérios não-interferentes.
Sou radicalmente contrario a este argumento. Existem muitos problemas, e falácias, nesta tentativa de colocar ciência e religião em compartimentos estancos, apoiados no isolamento e no respeito. Está afirmando que o sobrenatural “realmente” existe? Por que a ciência não pode falar sobre o sobrenatural? Que fazemos com as diferentes versões/religiões do sobrenatural? Votamos pela melhor? Exigimos algum tipo de comprovação? ...
Por outro lado a religião nunca se conformou com deter, simplesmente, o monopólio do sobrenatural. Sempre quis estender, estendeu e estende seu poder sobre a moral, a ética, a metafísica, a filosofia, a ciência e as relações sociais. Muitos princípios e dogmas das religiões teístas estão em claro confronto com a ciência (criacionismo ou evolucionismo teísta, papel do homem e da natureza na ordem natural, quebra das leis físicas, ...). E como sempre, o problema radica nas implicações de “educar” (o melhor manipular?) grande parte de uma sociedade na base dos seus dogmas, colocando a fé cega e inquestionável como uma virtude.
Bom, daria para falar muito sobre isto e de repente poderia até ser criado um tópico sobre NOMA.
“Tudo que já vi sempre me pareceu mais no sentido de defender/"pregar" ateísmo do que fazer uma mera demarcação entre teísmo e deísmo, poupando mais o último. Também penso que o avanço do deísmo sobre o teísmo é bastante positivo, apenas tenho lá minhas dúvidas sobre se a postura anti-acomodacionista ateísta realmente conduz a isso, em vez do contrário”.
Eu também tenho as minhas dúvidas. Fazer uma escolha não quer dizer que se tenha certeza absoluta. O que não pode ser negado é que a tática neo-ateísta (anti-acomodacionista) tem dado uns resultados fantásticos. Autores como Harris, Dawkins, Hitchens, Jerry Coyne, Myers e muitos mais têm colocado o ateísmo, o pensamento secular e a evolução no debate público, num nível nunca conseguido com anterioridade.
O fato de que evolução esteja sendo aprendida é bom. A minha esperança é que daqui a pouco o que vai ser entendido são as suas implicações. E aí vai ser muito bom! No caminho os princípios secularistas estão sendo discutidos. Tal vez com agressividade como você diz, mas acho que a tática está funcionando, principalmente na perda de credibilidade da religião. Os chamados “religiosos progressistas” têm percebido como os seus pedestais, intocados previamente, começam a rachar. Precisam de um esforço intelectual para refutar as críticas e o debate pelo debate já é bom. E não esqueça, a dúvida é como o cupim, vai comendo aos poucos. E esta dúvida está sendo criada.