Depois que um pastor publicou um texto explicando “onde Deus estava” durante o tiroteio no cinema em Aurora (basicamente, ele diz que Deus nos deu o “livre arbítrio” – a não ser quando ele decide intervir por algum motivo que jamais compreenderemos), um leitor publicou uma resposta nos comentários que traduzirei aqui. Como de hábito, sintam-se livres para reproduzir a tradução abaixo (mas um link para o blog seria gentil).
“Caros cristãos,
aqui é Deus. Decidi tirar um tempo para explicar pessoalmente minha ausência no tiroteio em Aurora. E enquanto faço isso, achei que também poderia explicar minha ausência durante cada assassinato, massacre e crime já ocorridos na história do mundo e em toda guerra, todo lugar atacado pela fome, por secas e inundações.
Sabem, é que eu não existo. Nunca existi. Realmente fazia sentido para vocês que eu pudesse criar um universo inteiro com bilhões e bilhões de planetas e então esperasse cerca de 13.700.000.000 anos até poder me concentrar em alguns judeus da Palestina há cerca de 2.000 anos enquanto ignorava o restante das 200.000.000 de pessoas que existiam no planeta naquela época? Fui eu quem fiz aqueles poucos judeus ou foram eles que me fizeram?
Aliás, vocês realmente acham que eu ficaria sentado sem fazer nada enquanto os nazistas matavam 6 milhões do meu “povo escolhido”, mas acharia importante intervir para transformar água em vinho a fim de evitar que alguns anfitriões não ficassem embaraçados em um casamento em Canaã? Por que eu parecia estar tão ativo no Oriente Médio em um breve período há cerca de 2.000 anos, mas completamente ausente em qualquer outro lugar do planeta e pelo restante do registro histórico do mundo? Fui eu quem fiz os judeus ou foram eles que me fizeram?
Então vocês realmente acham que meus milagres periódicos provam minha existência, é? Então por que não fazer algo inquestionável, sem ambiguidade, como colocar um crucifixo gigantesco no céu ou a minha face na Lua? Por que os crentes têm sempre que construir meus milagres a partir de eventos perfeitamente explicáveis por causas naturais?
Isso acontece todas as vezes em que ocorre uma tragédia ou uma quase tragédia de qualquer tipo – em qualquer lugar do mundo e em todas as culturas. O capitão “Sully” Sullenberger pilota um avião com problemas até pousar com segurança no rio Hudson, em Nova York, sem que qualquer morte ocorra e é um milagre de Deus; uma jovem é encontrada na Índia, completamente aterrorizada, mas viva depois de ter sido raptada e estuprada por uma semana e é um milagre de meu concorrente Rama (ou Vishnu ou Shiva) que ela tenha sido devolvida à família; ou uma família no nordeste do Paquistão sobrevive a um míssil norte-americano perdido e é um milagre de Alá.
O que estas proclamações interesseiras de intervenção milagrosa sempre ignoram é o lado negativo desses incidentes. O fato de que os passageiros e a tripulação do voo 1549 ficaram aterrorizados e o avião foi destruído; que 11 pessoas inocentes morreram em Aurora; que a garota ficou presa por sete dias enquanto era estuprada e sodomizada e que ficará traumatizada para o resto da vida; ou que outros civis inocentes foram mortos pelo míssil.
Claro, pois nenhum destes incidentes foram realmente “milagres”. Quando a totalidade dos fatos é levada em conta, “milagres” se revelam como nada mais do que crentes desesperados por algum tipo de sinal da minha existência e que, para isso, ignoram os aspectos negativos de um grupo de fatos, focando exclusivamente no lado positivo e batizando esse “bem” isolado como um milagre meu ou dos outros contos de fadas. Um CEO poderia também ignorar as perdas de sua empresa e declarar ser um “milagre” que a companhia tenha subitamente dobrado de valor.
Outro hábito irritante dos meus “milagres” é que sempre parecem andar ao lado, mas um pouquinho atrás, da ciência médica – como um irmão caçula irritante que se recusa a se afastar. Até meados dos anos 90, aqueles com AIDS que rezavam por um milagre nunca foram atendidos. A medicina encontra um meio de controlar a doença e de repente eu começo a realizar milagres com pacientes de AIDS. Nenhum paciente de poliomielite jamais foi agraciado com um milagre até a vacina Salk surgir – e eu rotineiramente ignorava pacientes com câncer até que a quimioterapia e a radioterapia foram desenvolvidas. De repente, preces direcionadas a mim por pacientes com câncer começaram a ser regularmente “atendidas”.
Por que eu pareço surdo às preces de pessoas com amputações que desejam seus dedos, braços ou pernas de volta ou de outros que perderam olhos ou orelhas e daqueles que foram vítimas de queimaduras horríveis? E também de outros que sofrem de doenças patentemente visíveis, mas ainda incuráveis? Por que, ao mesmo tempo, sou receptivo às preces daqueles cujas condições são incertas, internas e, assim, vulneráveis a alegações milagrosas?
Tire cinco minutos para fazer duas listas: uma de doenças que irei curar milagrosamente e outra de doenças que não curarei. Você rapidamente descobrirá que elas coincidem perfeitamente com as doenças que a medicina ou o próprio corpo podem curar e aquelas que não podem. Por que acham que isso acontece? É quase como se meus milagres fossem criados a partir da ambiguidade médica, não é?
Não, meus amigos humanos. Receio não existir. Não posso ler suas mentes (ou “ouvir suas preces”, como gostam de dizer) e vocês não alcançarão a imortalidade (ou “a vida eterna”, como gostam de dizer), não importando quantos mandamentos criados na Paletina na Idade do Ferro vocês decidam “manter”. Sigam adiante e aproveitem os poucos anos que têm. Vocês estiveram mortos pelos últimos 13.700.000.000 e não foi tão desconfortável assim, foi?
Deus”
Fonte:
http://www4.cinemaemcena.com.br/diariodebordo/