As pessoas (e por pessoas, me refiro a supostos intelectuais, além de adolescentes metidos a "profundos") gostam tanto de bater nas novelas da Globo que fico irresistivelmente tentado a assumir o papel de advogado do diabo. Então aqui vai:
As novelas de TV, principalmente as da Globo, são um dos produtos culturais mais revolucionários do Brasil. Porque revolucionário? Porque, entre outras coisas, ajudam a cristalizar uma identidade cultural para o brasileiro. Pode-se argumentar que ela uniformiza o brasileiro, passando por cima de nuances culturais regionais. Eu digo: e daí? Cultura é algo em constante mutação, e se um conjunto de práticas culturais precisa ser "protegida" de alguma forma, então talvez exista alguma coisa de errado com ela. As tramas das novelas acontecem num mundo fictício em que todos usam as mesmas expressões (geralmente falando com um sotaque carioca), ouvem músicas parecidas e possuem referências culturais semelhantes - isso é necessariamente limitador, mas ao mesmo tempo, todos os personagens são brasileiros, e não sudestinos ou maranhenses.[1]
Ao mesmo tempo que cria uma identidade cultural para os brasileiros, as novelas mostram um mundo onde a mudança é possível. O espectador vê as novelas porque ele vê a si mesmo nelas. Ou pelo menos vê algo que gostaria que fosse. As novelas mostram personagens majoritariamente urbanos, de classe média, com acesso a bens de consumo. Mostram uma realidade em mutação (para que haja drama), onde ricos ficam pobres e vice-versa. Isso bate de frente com uma mentalidade conservadora de achar que as coisas sempre continuarão como estão.
As novelas mostram mulheres independentes, que tentam conciliar o trabalho com a criação dos filhos. Mostram conflitos entre patrões e empregados, entre pais e filhos, maridos e esposas. Uma jovem que vive em uma cidade perdida no interior, em um ambiente cultural machista, que determina para a mulher apenas o papel de dona-de-casa, pode ver que existem alternativas a isso ao se deparar com uma personagem que vai à luta no mercado de trabalho na cidade grande.
Um jovem pobre que vive privado de modelos de adultos bem sucedidos, pode ver na telinha exemplos de famílias da nova classe média. Pode ver exemplos de personagens que conseguem se realizar profissionalmente e "subir na vida".
Claro que nem todos os exemplos são positivos, mas o fato é que exemplos positivos existem, e são acompanhados por multidões que não costumam ler nem discutir sobre cultura. Claro também que a qualidade das tramas das novelas costuma deixar a desejar, mas isso também pode ser dito da maioria dos filmes e das peças de teatro. Por isso pergunto às pessoas que reclamam que o espectador poderia ler um bom livro, em vez de ficar grudado na telinha: indique um bom livro, publicado nos últimos 5 anos, de um autor brasileiro, que fale da realidade da classe média urbana atual e que tenha uma trama envolvente? Eu não lembro de nenhum.
Pronto! Cansei de defender a Globo. Agora só se me pagarem.

[1] Sei que estou forçando a barra aqui, mas isso é o que se espera de um
Lewandovski advogado.
