http://tiagonogueira.com.br/?p=1763Em Busca do Jesus HistóricoNo período compreendido entre 1774 a 1778, foi iniciada a procura do Jesus Histórico. Lessing publicou pós-morte as anotações de Hermann Samuel Reimarus. Esse estudioso questionava a tradicional forma de apresentar Jesus na Igreja e no Novo Testamento. Para ele Jesus nunca fizera uma reivindicação messiânica, nunca institui qualquer sacramento, nunca predisse a sua morte e nem ressuscitou dentre os mortos. Dizia que Jesus era um engodo. Essa atitude instigou a busca do Jesus “verdadeiro”. A metodologia racionalista foi a predominante como método de pesquisa dessa busca, peculiar a primeira parte do século XIX. A polêmica desses estudos foi um terreno fértil para nascerem obras pró e contra Jesus.
No intervalo entre a Primeira e a Segunda Grande Guerra Mundial foi à ocasião em que a busca do Jesus histórico foi abandonada, em função da falta de interesse pela procura e pelas dúvidas quanto a sua possibilidade. Entretanto, três fatores foram fundamentais para essa desistência: primeiro – a obra de Albert Schweitzer que revelou a idéia de que o Jesus liberal nunca existiu, pois ele foi criado e baseado nos desejos de liberais, não em fatos verídicos; segundo – a partir da obra de William Wrede e dos críticos da forma, houve o reconhecimento de que os evangelhos não eram meramente biografias objetivas que facilmente poderiam ser pesquisadas à procura de informações historicistas; por fim – Martin Kähler influenciou os estudiosos a reconhecerem que o objeto da fé da igreja no decurso de todos os séculos nunca tinha sido o Jesus histórico do liberalismo teológico, mas o cristo da fé, ou seja, o Cristo sobrenatural proclamado nas Sagradas Letras.
Ernst käsemann, em 1953, reacendeu as chamas da busca do Jesus da história, propalando seu receio de que a lacuna entre o Jesus da história e o Cristo da fé era muito semelhante à heresia docética, que negava a humanidade do Filho de Deus. Como era de se esperar Käsemann decepcionou-se em seus intentos.
O avanço da ciência histórica não tem modificado a opinião universal a cerca do Senhor Jesus. Prova disso é que, desde o mundo antigo à contemporaneidade, encontramos mesmo que em forma diversificada a historicidade da pessoa bendita de Jesus de Nazaré.
Origem:A origem da busca do Jesus histórico baseou-se no pressuposto de que havia uma imensa lacuna entre a figura histórica de Jesus e a interpretação que lhe fora atribuída pela igreja cristã. O “Jesus histórico” que se encontrava no Novo Testamento correspondia à figura de um simples mestre da religião; a figura do “Cristo da fé cristã” não passava, portanto, de uma interpretação equivocada por parte dos escritores da igreja primitiva. Ao retroceder na busca do Jesus histórico, seria possível encontrar uma versão mais crível do cristianismo, despida de todos os tipos de acréscimos dogmáticos desnecessários e inadequados (como a crença da ressurreição ou da divindade de Cristo).
O Jesus históricoO teólogo Paul Tillich diz que os motivos dessa pesquisa eram concomitantemente religiosos e científicos. Em muitos aspectos essa tentativa era corajosa, nobre e extremamente significativa. Suas conseqüências teológicas foram inúmeras e bastante importantes. Mas, se pensarmos em sua intenção básica, a tentativa da crítica histórica de encontrar a verdade empírica sobre Jesus de Nazaré foi um fracasso. O Jesus histórico, isto é, o Jesus que está por trás dos símbolos de sua recepção como o Cristo, não só não apareceu, mas também se distanciou cada vez mais à medida que a avançava a crítica histórica.
Já para o teólogo Rudolf Bultmann considerava que todo este movimento de reconstrução histórica da figura de Jesus era o mesmo que entrar em um beco sem saída. Para ele, a história não era algo de importância fundamental para a cristologia; bastava tão somente que Jesus existisse e que a proclamação cristã (que ele chamava de querigma[kerygma]) estivesse de alguma forma baseada na pessoa de Jesus. Assim, Bultmann reduziu todo o caráter histórico da cristologia a uma única palavra — “que”. Em outras palavras, somente é necessário crer “que” Jesus Cristo é o fundamento da proclamação do evangelho (ou do querigma)
A pesquisa sobre o Jesus histórico se iniciou com os trabalhos de H. S. Reimarus (1694-1768). Reimarus era professor de línguas orientais de Hamburgo e foi durante a vida um pioneiro literário da religião da razão proposta pelo deísmo inglês. No entanto, ele tornou acessível apenas a amigos próximos o fundamento histórico-crítico de suas idéias, Apologia ou escrito de defesa para os adoradores racionais de Deus. Foi o poeta, filósofo e teólogo G. E. Lessing que publicou a obra de Reimarus após a morte deste. Segundo as palavras de Tillich, Lessing “suscitou uma das maiores tempestades na história da teologia protestante, quando na qualidade de bibliotecário de uma pequena cidade alemã, editou uma obra escrita pelo historiador Reimarus.” Após Reimarus vieram outros nomes não menos importantes, como os de F. C. Baur (1792-1869), David Friedrich Strauss (1808-1874), Ernest Renan (1823-1892), H. H. Holtzmann (1832-1910) e Johannes von Weiss (1863-1914). Importante é falarmos também de Albert Schweitzer o qual se tornou um marco na história da pesquisa do Jesus histórico com seu livro A Busca do Jesus Histórico.
Schweitzer desenvolveu a teoria da escatologia coerente. A compreensão do caráter escatológico do reino de Deus parece ter-se constituído num traço familiar da vida de Jesus. Para ele a escatologia passa a ser não apenas a base do esboço biográfico da atuação de Jesus, mas com sua ajuda ele consegue também distinguir dois períodos. A ruptura é constituída pelo envio dos discípulos. Jesus, que se considera o Messias e que esperava ser estabelecido como o Filho do Homem, estaria imbuído de uma intensa expectativa da proximidade do reino de Deus. O segredo do reino de Deus, de que fala Mc 4.11, estaria relacionado com esta expectativa. A rejeição em Nazaré o teria motivado a enviar os discípulos. A sequência das perícopes em Mc 6.1-13 é aqui, como também em outras passagens, considerada por Schweitzer como sendo rigorosamente histórica. Quando Jesus enviou seus discípulos à missão em Israel, estava convencido de que eles não retornariam mais para ele aqui na Terra. Desta maneira adquire importância central a passagem de Mt 10.23.
Kähler questiona, relação existe entre o Jesus histórico e o Cristo da fé? Podemos separá-los? Deveremos aceitar a idéia de que o Cristo só pode ser alcançado pela fé? Podemos reagir de alguma forma em face das dúvidas produzidas pela pesquisa histórica aplicada aos escritos bíblicos? Kähler achava que os dois não podiam se separar: o Jesus histórico é o mesmo Cristo da fé. A certeza a respeito do Cristo da fé independe dos resultados históricos oriundos dos estudos críticos do Novo Testamento. A fé garante o que a pesquisa histórica jamais vai nos dar. De que modo a fé pode ter tanta certeza? Que, realmente, pode garantir? Esse é o problema.
Para Bultmann, embora a cruz e a ressurreição sejam, de fato, fenômenos históricos (pois ocorreram no âmbito da história humana), devem, contudo, ser discernidos pela fé como atos divinos. No querigma, a cruz e a ressurreição estão interligadas como o ato do juízo de Deus e o ato da salvação de Deus. São precisamente estes atos divinos que possuem um significado constante, e não o fenômeno histórico que lhes serviu de suporte. Portanto, o querigma não se preocupa com questões históricas, mas sim em comunicar a necessidade de uma tomada de decisão por parte daqueles que ouvem a proclamação do evangelho, transferindo, assim, o momento escatológico de um passado distante para o aqui e o agora da proclamação em si:
Isto significa que Jesus Cristo nos encontra no querigma e não em outro lugar qualquer, da mesma forma que ele mesmo confrontou Paulo e o levou a uma tomada de decisão. O querigma não é a proclamação de verdades universais ou de conceitos atemporais — quer sejam o conceito de Deus quer sejam o conceito do redentor — mas sim a proclamação de um fato histórico… Portanto, o querigma não atua como um veículo de conceitos atemporais, nem como um mediador de informações históricas: o que é de importância decisiva é o fato de que o querigma é o “que” de Cristo, é seu “aqui e agora”, um “aqui e agora” que se torna presente nas pessoas a quem a proclamação do evangelho se dirige.
Para Tillich a busca do Jesus histórico foi uma tentativa de descobrir um mínimo de fatos confiáveis sobre o ser humano Jesus de Nazaré, para que pudessem proporcionar um fundamento seguro à fé cristã. Essa tentativa fracassou. A pesquisa histórica apenas forneceu probabilidades maiores ou menores sobre Jesus. À base dessas probabilidades, esboçaram-se algumas “Vidas de Jesus”. Mas eram mais romances do que biografias e certamente não podiam conferir um fundamento sólido à fé cristã. O cristianismo não se baseia na aceitação de um romance histórico, mas no testemunho sobre o caráter messiânco de Jesus dado por pessoas que não tinham o menor interesse em uma biografia.
Tillich diz que Bultmann combinava a pesquisa histórica radical com certa tentativa de sistematização. Chamava-a de “desmitologização”. Achava que deveríamos libertar a mensagem bíblica da linguagem mitológica em que se expressava para que o homem moderno que não aceita a visão de mundo da Bíblia possa, honestamente, aceitar a mensagem bíblica.
Para Bultmann, no entanto, tudo que fosse possível ou necessário saber sobre o Jesus histórico era o fato de que ele existiu.