Pode ser o "certo a fazer", mas é inteligente não agravar a situação enquanto se tenta descobrir um jeito efetivo de fazer isso.
O mecanismo proposto para isso por alguns dos defensores de cotas (aqueles que crêem que elas teriam esse efeito colateral, em vez de ser apenas uma reparação, forma de compensar a discriminação no outro sentido) é justamente que elas aumentariam a exposição/freqüência de não-homens-brancos em posições importantes/com sucesso profissional, gradualmente reduzindo o estereótipo. Eu acho que faz sentido. Mas, seja com cotas, ou com cargos de confiança, corre-se o risco de ter o efeito contrário se a prioridade de criar essa imagem de não-homens brancos em melhores cargos se dá em detrimento do mesmo nível de competência. Pode acabar ajudando a perpetuar o que estaria se reduzindo mais rapidamente até mesmo se não fosse feito absolutamente nada. Só boas intenções não contam.
Definitivamente, não sou a favor da distribuição de cargos em prol do "politicamente correto", em detrimento da qualidade profissional. Mas o fato é que simplesmente não se sabe o que acontece nos casos citados no início do post. Só boas intenções não contam, mas só suspeitas infundadas também não.
Ao mesmo tempo é interessante se perguntar se essa estratégia não alimenta o preconceito com posições de trabalho de menor status. Há pouco tempo postaram um relato interessante sobre como na Holanda não haveria tanta glamurização de certos trabalhos e percepção de outros como de "ralé". Ou ao menos dentro de uma hierarquia numa mesma empresa.
É uma possibilidade, mas essa é uma questão muito delicada e abrangente. Na Holanda (e em muitos outros países desenvolvidos), não existe tanto essa glamourizacão de altos cargos e preconceito com empregos braçais ou para os quais se exige menos formação acadêmica por um conjunto muito grande de fatores; a diferença salarial não é muito grande (logo, as coisas que as pessoas consomem não são assim tão diferentes), o acesso a educação e saúde não divergem tanto em quantidade e qualidade e já existe uma cultura que faz com que as pessoas não sejam definidas pelo seu trabalho. Nesses países, andando na rua, não é possível apontar com certeza quem faz que tipo de trabalho, quem tem mais ou menos dinheiro. Existem diferenças, é claro, mas bem menos expressivas do que aqui.
Quando estive em Copenhagen, um grupo de dinamarqueses sentou na mesma mesa que eu em um restaurante e começamos a conversar. Quando perguntaram o que eu fazia e eu respondi, de forma automática, a minha profissão, notei um certo estranhamento. Eles esperavam uma resposta na qual o meu trabalho seria apenas uma das atividades... "o que vc faz?" é muito mais amplo para eles, queriam saber se eu tinha algum hobbie, se eu tocava algum instrumento, sobre o que eu gostava de ler, etc. Foi como se só a minha profissão fosse um dado pobre sobre quem eu sou, então eles ficaram me olhando como se esperassem algo mais, antes de me perguntar "o que mais" eu fazia (com um gesto de prossiga). Em Estocolmo, a mesma coisa, talvez ainda de forma mais intensa (possivelmente apenas porque eu fiquei mais tempo lá e meu contato com suecos foi muito maior). Trancar o curso de medicina para passar um tempo trabalhando de caixa em um supermercado, pensando melhor sobre o que quer da vida é uma atitude considerada normal, conheci mais de uma pessoa que fazia algo semelhante e não causava nenhum estranhamento entre família e conhecidos (no Brasil, sabemos que não seria assim. Conciliar uma faculdade com um emprego braçal, tudo bem. Mas largar uma faculdade para fazer isso, só em caso de extrema necessidade, provavelmente, causando muito desconforto). Mas as políticas sociais suecas estão lá, dando a essas pessoas segurança (eles sabem que terão tratamentos médicos quando precisarem, sabem que se quiserem estudar poderão estudar, sabem que se tiverem filhos, seus filhos terão ensino e saúde gratuitos e de qualidade) e, de certa forma, os que desejam podem "se dar ao luxo" de trancar faculdades para pensar em problemas existenciais enquanto entregam jornais, displicentemente. Provavelmente, uma das razões de quem passa a vida inteira em um emprego como esses lá, não se sentir diminuído, seja porque poderia ter feito outra escolha, tendo feito um esforço muito menor do que os brasileiros tem que fazer para mudar sua condição econômica e social. Aqui, as diferenças são muito grandes e as carências muito básicas e isso fomenta o desejo de ascensão social.
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Só uma curiosidade, que aconteceu nessa mesma conversa com os dinamarqueses; eles me perguntaram se no Brasil só existiam negros. Eu disse que não, me dando como um exemplo ilustrativo (por aqui, eu sou considerada branca, rsrs). Eles responderam algo como "tá, mas... você é negra". "E elas?", perguntei, mostrando foto de umas amigas, loiras de olhos azuis, com a certeza de que elas seriam brancas... houve uma dúvida, uma certa discussão, mas veio o veredito; não são brancas, pelo menos não na Dinamarca. A concepção deles sobre o que é "ser branco" é bem mais mais rígida.
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