Em assuntos onde há uma versão bem estabelecida geralmente o ônus passa, "na prática", para quem a desafia. Por exemplo, dá para argumentar que o dilúvio global do Gênesis não ocorreu com base em evidências geológicas, datação etc.
De qualquer forma, vou dar uma lida nesse texto.
Lakatos, eu sugiro que você comece pesquisando direto na fonte:
http://nsarchive.gwu.edu/NSAEBB/NSAEBB118/index.htmA citação no "post" acima é de um site de direita que se refere ao golpe de 64 como "contra-revolução brasileira de 1964". Nem precisa dizer nada.
O livro e único material de referência mencionado é o livro de uma historiadora
NORTE-AMERICANA publicado em 1977. Mas curiosamente este artigo é publicado quando já se sabia há muito que grande parte dos documentos importantes foram desclassificados depois de 77, alguns somente em 2004. Mas o artigo não faz nenhuma menção a estes documentos.
A operação Brother Sam existiu e está comprovada em documentos oficiais dos Estados Unidos.
O que não ocorreu, e isto todos sabemos, porque não chegou a haver necessidade, foi a intervenção militar norte-americana e a entrega de armas e suprimentos às forças golpistas, (são mencionadas até forças paramilitares) que estava previsto em um plano de contingência revisado pela embaixada americana dias antes do golpe. Boa parte disso seria entregue no litoral de Santos, e obviamente tudo isso vinha sendo articulado já há bastante tempo com os golpistas no Brasil.
Esse plano incluía, além de armas de origem não americana, outros tipos de suprimentos que iam de combustível até gás lacrimogênio para ser usado contra manifestações civis.
O plano existia há meses, talvez anos, conforme está documentado nos próprios documentos oficiais e liberados oficialmente pelo governo americano, em conformidade com leis de acesso à informação que existem neste país. De acordo com o que é mencionado claramente em cabogramas enviados do Lincoln Gordon para Washington, cujos facsimiles estão a disposição para consulta no The National Security Archive.
Nos telegramas de Gordon também são mencionadas ações secretas da CIA
"para ajudar a fortalecer forças de resistência" no Brasil. Isto incluiu
"apoio encoberto para comícios de rua pró-democracia...e encorajamento [de] sentimento democrático e anti-comunista no Congresso, nas forças armadas, entre grupos de trabalhadores e estudantes amigos, igreja e negócios".Sobre isso especificamente pesquise sobre as atividades do Ibad ( fundado já em 1959 ) e Ipês.O Ibad, segundo ficou apurado em uma CPI do congresso, e confirmado no livro insuspeito de um dos líderes do golpe militar, Carlos Lacerda, era financiado por empresas americanas e brasileiras também simpáticas ao golpe. Tentaram, inclusive, financiar o próprio Lacerda, que declinou alegando que ele poderia só aceitar o dinheiro da Shell desde que fosse permitido dizer que o dinheiro vinha da Shell.
Há farto material no site indicado, inclusive gravações de conversas telefônicas do próprio presidente Johnson. No entanto, isto é apenas o que os americanos se dispuseram a disponibilizar, uma imensa maioria de documentos ainda permanece como classificada.
Edição do dia 12/04/2013 12/04/2013 10h22 - Atualizado em 12/04/2013 10h22
Documentário mostra participação americana no golpe militar de 1964
'O dia que durou 21 anos' traz gravações da Casa Branca que revelam preocupação do então presidente americano em relação a João Goulart.
[...]
Para colocar em prática o golpe que derrubou Jango, os militares brasileiros tiveram uma grande ajuda dos Estados Unidos. É o que mostra o documentário ‘O dia que durou 21 anos’, dos jornalistas Flávio Tavares, que foi preso diversas vezes e enviado para o exílio, e Camilo Tavares, que nasceu no Chile. Além de diversos documentos e telegramas oficiais, o filme traz gravações feitas na Casa Branca em abril de 1962, dois ANOS antes do golpe, que mostram o presidente dos Estados Unidos à época, John Kennedy, e o embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, arquitetando a participação americana na ação. “Ninguém sabia dos detalhes profundos e secretos da participação norte-americana, que em 1964 estava soterrada”, aponta Flávio.
[...]
John Kennedy: Será que Goulart vai agir?
Lincoln Gordon: Sim, ele pode agir, como Perón fez na Argentina, um ditador populista.
Kennedy: Podemos fazer algo contra Goulart?
Gordon: Sim, acho que podemos.
Kennedy: Qual será nossa atitude?
Gordon: O fundamental é organizar as forças políticas e MILITARES para reduzir o seu poder e, em um caso extremo, afastá-lo.
[...]
Segundo o diretor Camilo Tavares, Jango era classificado por Kennedy como um potencial Fidel Castro. “O embaixador Gordon, que estava no Brasil e foi figura chave para tudo isso, criava essa paranoia”, afirma. Ele destaca que os Estados Unidos mandaram dinheiro para governadores e parlamentares para armar a conspiração política contra João Goulart. Sem esquecer a responsabilidade de militares brasileiros, membros da sociedade civil e empresários, Camilo diz que o suporte americano para ações violentas foi importantíssimo. “Não só em 1964, depois os Estados Unidos continuam apoiando. Chega o AI-5, em 1968, com todos os direitos constitucionais quebrados, mas a farsa da democracia é o que interessava aos Estados Unidos”, conta o diretor do longa-metragem, que é filho do produtor, Flávio.
O professor de História da UFRJ, Carlos Fico, em 1996 encontrou documentos em Washington
demonstrando em parte como foi a participação americana no golpe. Os documentos detalham
um plano de contingência redigido
3 meses antes do golpe!
Segundo Fico, esse plano norte-americano previa, de maneira muito precisa, aquilo que aconteceu no golpe de 31 de março. Então, sugere que a conspiração foi articulada fortemente com a embaixada norte-americana e os brasileiros.
Paulo Henrique Amorim: Esses documentos nunca haviam sido revelados?
Carlos Fico: O plano de contingência é totalmente inédito, ele nunca havia sido visto até o presente momento.
Paulo Henrique Amorim: E como o senhor o descobriu, ele não estava nos arquivos do Departamento de Estado, no arquivo Nacional americano, onde que estava?
Carlos Fico: Esse documento foi desclassificado, ou seja, deixou se ser secreto e transferido do Departamento de Estado americano para o Arquivo Nacional, em Washington, nas imediações de Washington, fica em College Park, uma instituição na qual eu tenho desenvolvido pesquisa nos últimos três anos.
Paulo Henrique Amorim: Quando ele deixou de ser classificado?
Carlos Fico: Na verdade, é um pouco difícil estabelecer isso, a minha suspeita é que foi em 2004. Essa informação fica do lado externo da caixa e, muitas vezes, os usuários manuseiam e tiram o papel do lugar. Com certeza foi entre 1996 e 2004, e a principal suspeita é que foi em 2004.
Paulo Henrique Amorim: O que esse documento tem de novo, de revelador?
Carlos Fico: O que tem de revelador, em primeiro lugar, é a data. Ele foi redigido com certeza antes de dezembro de 1963. Então, já naquela ocasião o governo norte-americano tinha hipóteses de ação que previam aquilo que efetivamente aconteceu meses depois durante o golpe, e esse é o segundo aspecto, o plano, que é o chamado plano de contingência, que é um plano que os governos em geral fazem para prever a sua ação em situações complicadas. Esse plano norte-americano previa, de maneira muito precisa, aquilo que aconteceu no golpe de 31 de março. Então, sugere que a conspiração foi articulada fortemente com a embaixada norte-americana e os brasileiros.
Paulo Henrique Amorim: Havia, portanto, um plano de articulação entre o embaixador Lincoln Gordon e os conspiradores.
Carlos Fico: Com certeza absoluta.
Paulo Henrique Amorim: O embaixador Lincoln Gordon ou o adido militar?
Carlos Fico: Com todos. A embaixada entrou numa espécie de ação conjugada, como se diria hoje, vestiu a camisa, talvez, dessas idéias que, com certeza, partiram da amizade entre o adido militar Vernon Walter e o presidente Castelo Branco e o embaixador. Mas todos os funcionários da embaixada, inclusive contrariamente a alguns funcionários do ministério, do departamento de Estado, estavam imbuídos da necessidade do golpe. Em vários momentos, em alguns documentos, que também são inéditos, e que eu vou revelar brevemente, funcionários outros do Departamento de Estado dizem: Bom, talvez isso seja um exagero, talvez não tenha ameaça comunista, talvez Gordon esteja exagerando.
Paulo Henrique Amorim: Quem são esses funcionários?
Carlos Fico: São funcionários, por exemplo, do instituto de investigações, instituto de informações, na verdade um escritório de informações e investigações do próprio departamento São outros setores do próprio departamento. Como em qualquer governo, há setores que pensam de um jeito, pensam de outro. Prevaleceu a opinião de Gordon.
Paulo Henrique Amorim: Havia, de alguma maneira, a possibilidade de os americanos fazerem algum tipo de intervenção militar física para ajudar os conspiradores?
Carlos Fico: Vamos dizer com bastante clareza para não confundir quem nos ouve. A possibilidade havia, fisicamente era perfeitamente possível até porque eles mandaram para cá um porta-aviões. A qualquer momento um avião militar com tropas poderia vir para cá, mas isso não está no plano. O que está no plano é a entrega em solo brasileiro através de uma ponte aérea de 110 toneladas de armas e munições.
Paulo Henrique Amorim: Essas 110 toneladas seriam de que tipo de armas?
Carlos Fico: Todo tipo de arma, inclusive gás lacrimogêneo, na verdade o gás chamado CE, que é um gás lacrimogêneo mais poderoso para controle de multidões, protestos. Tudo indica que eles estavam preocupados com a hipótese de haver uma reação do João Goulart seguida de manifestações populares
Paulo Henrique Amorim: Isso seria entregue onde?
Carlos Fico: Em Campinas.
Paulo Henrique Amorim: Por que Campinas?
Carlos Fico: Não sabemos. No plano de contingência e na Operação Brother Sam está definido isso, que esse material seria entregue por via aérea, a partir do porta-aviões Forrestal na cidade de Campinas, provavelmente uma pista de pouso militar que o contato brasileiro que não sabemos quem é teria sugerido, talvez porque Campinas fique numa região central, mas não muito notável, como uma capital, talvez, isso é uma especulação.
Paulo Henrique Amorim: O senhor tentou falar com o embaixador Gordon?
Carlos Fico: Não, não precisa porque ele já deu muitas entrevistas sobre isso.
Paulo Henrique Amorim: E sempre negou…
Carlos Fico: Ele, na verdade, conforme os documentos vão sendo desclassificados, ele vai tendo que adaptar o seu discurso. É preciso não demonizar o embaixador porque ele era o embaixador, ele não poderia jamais dizer o que o seu governo estava fazendo, mesmo que seja condenável. Mas ele, ao longo da vida, foi negando e teve de ir adaptando o seu discurso conforme os documentos vão sendo desclassificados. O ouvinte talvez não saiba aqui, mas os documentos secretos produzidos por qualquer governo vão sendo paulatinamente desclassificados conforme o tempo passa, 10, 20, 30 anos. Por isso, a todo momento, os historiadores têm que voltar a ver essa questão da Operação Brother Sam.
Paulo Henrique Amorim: Então, na sua avaliação, é possível dizer, ou não, que os conspiradores sabiam que teria uma retaguarda americana?
Carlos Fico: Com certeza sabiam.
Paulo Henrique Amorim: Eles embarcaram no golpe sabendo que tinham cobertura americana.
Carlos Fico: Sim, com certeza, isso está documentado porque o próprio Vernon Walters, e outros funcionários, sobretudo o Vernon, que era o adido militar, manda telegramas para o Departamento de Estado e para o Departamento de Defesa, dizendo que há pedidos seguidos dos brasileiros conspiradores pedindo ajuda norte-americana. Mas ele sabe, ele, Vernon Walter, sabe que o embaixador está cuidando disso.
Paulo Henrique Amorim: Não é possível que tenha havido apenas uma coincidência entre as características do golpe e o plano de contingência?
Carlos Fico: Não, eu creio que não porque no plano de contingência se estabelece que pelo menos um Estado-chave, importante, deveria reclamar para si, em estado de beligerância, reclamar para si a legitimidade do governo brasileiro. Isso é um dado muito interessante porque, com você talvez se lembre ou saiba….
Paulo Henrique Amorim: Foi Minas.
Carlos Fico: Foi Minas quem começou o golpe e o governador Magalhães Pinto, era o governador então, ele dias antes nomeia alguns homens notáveis, que inclusive não eram da sua proximidade política….
Paulo Henrique Amorim: O Afonso Arinos.
Carlos Fico: Exato. Afonso Arinos foi nomeado para negociar o reconhecimento internacional, isso ele próprio disse em suas memórias. Então, há muita coincidência entre o plano de contingência e o que de fato aconteceu.
Paulo Henrique Amorim: Professor, o senhor vai escrever um livro?
Carlos Fico: Na verdade eu tenho alguns livros sobre a ditadura militar, então, eu não estou muito ansioso com a escritura do livro. Eu planejo fazer, talvez, alguns artigos jornalísticos porque eu sei do apelo que esse apelo tem.
Paulo Henrique Amorim: Claro, claro
Carlos Fico: E em vez de eu fazer um longo livro acadêmico, e é por isso que eu divulguei para o Fantático, eu talvez faça outras matérias jornalísticas porque eu fotografei cerca de 6 mil páginas, e isso envolve temas os mais diversos, sensíveis ás relações entre Brasil e Estados Unidos e ao longo dos próximos meses eu penso em divulgar esses temas.
Paulo Henrique Amorim: O senhor conseguiu cotejar o que a imprensa brasileira disse logo ante ou logo depois do golpe de 64 com os documentos que o senhor teve acesso?
Carlos Fico: A imprensa apoiou vigorosamente o golpe. Houve esse movimento todo, claro que depois outros jornalistas, os mais corajosos, passaram imediatamente a denunciar, como Carlos Heitor Cony e outros. Mas de início a imprensa apoiou decisivamente o golpe, assim como parcelas muito significativas da sociedade, como a classe média e a própria Igreja Católica.
PS Depois dessa entrevista, o professor Fico conversou por telefone com Paulo Henrique Amorim. E o professor Fico fez um acréscimo interessante:
Por volta dos dias 2 ou 3 de abril, com o golpe já consumado, o Pentágono enviou ao Departamento de Estado um documento para dizer que as despesas com a operação Brother Sam teriam que ser pagas pelo orçamento do Departamento de Estado. E cobrava alguma coisa entre dois e três milhões de dólares.
O Secretário de Estado, Dean Rusk, mandou um telegrama ao embaixador Lincoln Gordon para liberar imediatamente as contas da Brother Sam, porque, se não, o Departamento de Estado teria que pedir ao Brasil para pagar as despesas.
Ou seja, disse o professor Fico, o Brasil é que ia ter que pagar aos Estados Unidos pelas despesas feitas com a operação que ajudou a derrubar o presidente do Brasil …