Existe um livro curioso que encontrei por acaso na net: God Wants You Dead.
Todo habitante deste planeta deveria ler porque explica muito sobre como nós somos e por quais mecanismos rejeitamos facilmente a realidade quando os fatos entram em choque com nossas ideologias. Porque (o autor tenta demonstrar) as ideologias são como seres vivos que podem inclusive evoluir de ideias menos complexas competindo entre si por recursos finitos, que neste caso seriam as ações humanas. Ideologias poderiam conviver com seus hospedeiros humanos como parasitas, sequestrando nossas vidas e pondo-as a serviço de seus próprios interesses até mesmo quando estes ameaçam a própria vida do hospedeiro.
E o interesse da ideologia é o de qualquer espécie: perpetuação através da reprodução.
Para o autor ideologia é qualquer conjunto articulado de valores e ideias. Portanto coisas como religião, nacionalismo, e até mesmo torcer para um time de futebol, podem ser ideologias.
A teoria pode parecer muito estranha a princípio, mas faz todo sentido. Nós acabamos por nos identificar com nossas ideias e valores, estas se tornam o que "nós somos", são a nossa personalidade, nos enxergamos através destas ideias e valores (nossas ideologias) através das quais construímos nossa auto imagem. Consequentemente quando a ideologia é atacada nos sentimos pessoalmente atacados e fazemos de tudo para defender a ideologia. Para o nosso cérebro não há uma separação clara entre o ser físico, biológico, e o ser abstrato formado pelas ideias e valores que adotamos.
Quem, em uma discussão, nunca usou de um pouquinho de desonestidade intelectual para defender seu
ponto de vista? E quanto mais a discussão se arrasta, maior a tendência da verdade se tornar cada vez menos importante que o próprio debate. Pois o indivíduo, à medida que defende suas ideias, se identifica com estas cada vez mais, a ponto de continuar defendendo-as mesmo se os fatos trazidos à baila demonstrarem que sua ideologia trabalha contra seus próprios reais interesses.
E o quê tudo isso tem a ver com Patrícia Lelis?
É muito curioso constatar como fatos que vieram à tona em certos imbroglios envolvendo a moça deveriam ter arruinado a reputação e a carreira de vários dos personagens envolvidos, inclusive dela própria. Mas na verdade não fizeram a menor diferença porque em meio a algumas intrigas pessoais estiveram em jogo também embates ideológicos como direita x esquerda, conservadorismo x progressismo e até crenças (ideologias) religiosas foram postas na berlinda.
O que se observou o todo o tempo é que os "torcedores" de uma determinada ideologia só conseguiam enxergar os fatos que detratavam as ideologias rivais. Para ambas as partes, fatos que comprometiam seu próprio grupo não eram sequer justificados, eram simplesmente ignorados. Como se as ideologias fossem um filtro que só permitisse ver um pedaço da realidade.
A importância de examinar este curioso fenômeno vem de percebermos que todos nós estamos sujeitos a estes mesmos padrões psicológicos.
Patrícia Lelis era uma jovem filiada ao PSC (Partido Social Cristão), muito atuante como blogueira e vloger, que também viajava pelo país dando palestras onde atacava temas como esquerdismo, feminismo e condenava o aborto enquanto exaltava valores como virgindade e a tradicional família cristã brasileira. Publicamente se portava como uma moça recatada que se vestia pudicamente. Doce e meiga, era mulher pra casar.
Até o dia em que ganha as manchetes acusando o pastor e dublê de deputado, Marcos Feliciano, de nada menos que agressão e estupro. Imediatamente é "adotada" pelas esquerdas que ela tanto condenou e tratada como mártir pelas feministas que ela tantas vezes execrou. O PT coloca advogados à sua disposição. Mas o desenrolar da história vai revelando personagens nada santos, e vamos descobrindo inclusive os esquemas patrocinados por partidos para promover influenciadores midiáticos como a própria Patrícia. Pessoas carismáticas e articuladas, mas capazes de adotar qualquer convicção por conveniência.
Este, isoladamente, já é um dado relevante para se levar em conta quando vemos fulaninho ou sicraninho lacrando no Youtube, defendendo com eloquência ideias que também nos são caras. Será que todos são espontâneos e honestos, ou alguns podem estar sendo... digamos... estimulados? Porque pelo menos a Patrícia Lelis se revelou uma completa fraude.
Os vídeos e áudios divulgados mostravam, pra uns, uma vigarista tentando extorquir o deputado, e pra outros um falso pastor pagando a chantagista para abafar o caso. Dois fatos, mas quem via um não conseguia enxergar o outro.
Mas há um vídeo em que ela e um namorado estão em um saguão de hotel negociando com Talmo Bauer, policial civil e assessor de Feliciano. O áudio está péssimo, mas prestando atenção dá pra entender. É muito estranho como a maior parte dessa conversa pareceu passar desapercebida tanto por quem defendia o Feliciano, quanto por quem defendia a Patrícia.
Estão negociando o pagamento da extorsão, o que por si só já prova que o pastor casado teve pelo menos um caso extraconjugal com a vigarista. O Bauer começa a contar umas historinhas... o pastor e filho do fundador da Deus é Amor, uma dessas igrejas de tomar dinheiro de otário, mas que é uma igreja grande no Brasil, foi certa vez sequestrado e esse Bauer foi o negociador. Nesse processo ficou íntimo da família e provavelmente assim foi parar como assessor do Feliciano, porque esse pastor e o deputado são muito amigos.
Mas olha o que o Bauer conta sobre esse amigo do Marcos Feliciano... o cara é viciado em cocaína, em último grau, e uma vez foi pego com uma quantidade tão grande que seria indiciado por tráfico. Mas ele, Bauer, foi chamado pela família, e parece ter conseguido acertar tudo com os policiais que fizeram a prisão. Gente fina o assessor do Feliciano... Mas o pastor também ficou na merda financeira porque além de gastar com o vício, a mulher ainda tomou uma grana no divórcio. Segundo Bauer porque sabia muitos podres da igreja e dele, então não houve jeito. Uma das coisas que o pastor da IPDA gostava de fazer era arrumar machos pra transar com a esposa e ficar olhando... E ele se diverte contando que os dois, Feliciano e esse cara, são muito amigos, e quando se encontram adoram zombar da bíblia, inventando heresias...
Esse é o Feliciano, adúltero, mulherengo, que tem policial bandido como assessor, que é amigo de cocainômano pervertido e ainda por cima pastor ateu que se diverte dando risada da bíblia. Apesar dessas revelações é o cara que viajou com Bolsonaro pro Texas e continua representando os evanjegues malafaicos nesse governo.
Mas quem parece ter tido a ideia de extorquir Feliciano foi um outro amante da vloger cristã conservadora Lelis, que tinha pelo menos dois. Três contando com o próprio Feliciano. Ela achava que o cara tinha negociado 10 mil com o Bauer e tinha sumido com o dinheiro, mas nessa conversa fica sabendo que ele recebeu 50 mil. Aí ela fica louca e pede pro Bauer matar o sujeito. Como o policial se nega, ela insiste e pede que ele sofra algum tipo de tortura... A patifaria da bandidinha foi toda exposta, mas mesmo assim a Maria do Rosário pega a garota pra posar de vítima, e a petralhada e as feministas ficam morrendo de peninha dela.
É surreal. De fato a era da pós verdade. A realidade não importa mais.