E, de quebra, a imprensa americana já está atacando sem parar a idéia
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Lógica maluca Isso é que é simetria assustadora! Enquanto a América se agitava em torno de falso urânio, o Irã agitava urânio de verdade.
Obcecado em ir à guerra contra um país do Oriente Médio que não tinha armas nucleares, a administração Bush perdeu seu foco e sua influência sobre um país do Oriente Médio que se aproxima rapidamente de possuir uma arma nuclear.
Isso foi depois de a equipe de Bush ter perdido o foco e a influência sobre um país asiático que afirma já ter produzido todo um arsenal de armas nucleares.
Parafraseando Raymond Chandler, se o cérebro fosse um elástico, esse pessoal não teria o suficiente para fazer suspensórios para um periquito.
O Irã, extático, acaba de dar as boas-vindas a ele mesmo no clube nuclear, cuspindo no olho dos EUA e das Nações Unidas.
Discursando diante de um mural de pombas brancas, o presidente Mahmoud Ahmadinejad gabou-se de que seus cientistas já produziram urânio enriquecido. Agora eles poderão produzir combustível nuclear a todo vapor.
Eles vão produzir uma bomba? Nada disso, eles não têm a menor intenção de fazê-lo, afirmou o presidente iraniano.
Nós vamos bombardeá-los antes que eles consigam produzir uma bomba? Nada disso, não temos a menor intenção de fazê-lo, declarou o presidente americano.
O anúncio diante das pombas nucleares foi embaraçoso para Bush, que dissera na segunda-feira que estava determinado a impedir o Irã de obter o know-how necessário para enriquecer urânio. Mas não há como discordar da lógica persa. Se você faz de conta que tem uma arma de destruição em massa, os EUA podem vir lhe pegar. Pergunte a Saddam. Se você realmente tem uma arma de destruição em massa, você é à prova de balas. Pergunte ao norte-coreano Kim Jong Il.
Aposto que o louco varrido Ahmadinejad mal consegue acreditar na própria sorte. A administração Bush, afundada na toca de coelho em que ela própria mergulhou, está atolada no Iraque, ajudando a criar uma teocracia amigável ao Irã, ao mesmo tempo em que deixa o Irã fazer o que bem entender com relação a armas de destruição em massa.
Na "New Yorker" desta semana, Seymour Hersh escreve que o Pentágono estaria planejando um possível ataque aos malucos "xiitas apocalípticos", como o ex-agente da CIA Robert Baer descreve o negacionista do Holocausto Ahmadinejad e seu coro de clérigos.
Hersh cita uma fonte próxima ao Pentágono que teria dito que Bush acredita que "salvar o Irã será seu legado". O que faz sentido, de uma maneira inversamente distorcida, já que salvar o Iraque não será seu legado.
Os falcões de Bush, que já se comprovaram idiotas culturais no Iraque, ainda parecem estar muito longe da política externa humilde que prometeram.
Um ex-funcionário da Defesa disse a Hersh que o plano se baseia na crença da administração em que "uma campanha sustentada de bombardeios no Irã vá humilhar a liderança religiosa e levar o público a revoltar-se e derrubar o governo". A reação do funcionário em questão: "O que será que eles andam fumando?".
Assim como Rummy, em agosto de 2002, fez pouco caso de perguntas sobre uma possível invasão do Iraque, qualificando-as como "frenesi" da mídia -num momento em que os planos para a invasão já estavam adiantados-, o chefe da Defesa fez pouco caso do artigo da "New Yorker", dizendo algo como "uau bacalhau, o céu está caindo!".
Observando que o presidente está "seguindo um caminho diplomático", Rumsfeld, aquele que deveria ser demitido, disse que, embora W. obviamente esteja preocupado com o Irã, na medida em que esse país apóia terroristas e quer uma arma de destruição em massa, "não é útil enveredar pelo terreno da fantasia".
Sim, a comunidade de jornalistas ancorados na realidade deve permanecer fora do terreno da fantasia, que já está superlotado de Bushes sofrendo de alucinações.
W. defendeu o fato de ter autorizado um vazamento para rebater alegações de que a administração havia inflado uma história sobre o Níger vender urânio a Saddam. "Eu queria que as pessoas enxergassem a verdade", disse o presidente.
É claro: para ajudar as pessoas a enxergar a verdade, de vez em quando é preciso lhes contar uma mentira das grossas.
O vazamento sobre os esforços de Saddam para obter urânio já tinha sido denunciado como falso no momento em que ele ocorreu. Colin Powell já tinha dito que as agências de inteligência "já não enxergavam [a informação] como digna de crédito" no início de 2003, quando o secretário de Estado se preparava para apresentar às Nações Unidas os argumentos contra o Iraque. Apenas Dick Cheney se dispôs a utilizar uma informação de inteligência equivocada para defender sua trapaça de guerra.
No caso de Watergate, os repórteres seguiram a trilha do dinheiro. Com Monica Lewinsky, o promotor Ken Starr seguiu a trilha da mancha. Com W., o promotor Patrick Fitzgerald está seguindo a trilha do urânio. Ele só precisa de um contador Geiger.
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