Oras, por favor. Jamais negarei que tem gente, alguns, que pegam pesado na ideologia e acabam submetendo os fatos a ela. Mas esta NÃO É a tendência predominante na academia. Talvez um leigo que acompanhe os trabalhos, e não entenda a linguagem rebuscada daquelas pessoas - que, a meu ver, não é demonstração sem-noção de erudição, mas necessidade de deixar os conceitos MUITO claros, o que facilita a vida da pessoa do meio mas dificulta a leitura de quem não tem as manhas - não compreenda direito e ache que é amolecimento, mas, enfim, a gente tenta esclarecer.
Realmente não é a tendência predominante ( e eu não disse o contrário). O que eu disse é que falta em muitos cientistas da área uma falta de gosto pela linguagem clara e direta. Não estou me referindo aos termos técnicos, estou me referindo a uma certa "cultura" do rebuscamento, em que existe a complicação só pela complicação, em que a linguagem rebuscada "enigmática" é considerada por si só sinal de genialidade e erudição, em que se "enche linguiça" ao invés de ir diretamente aos fatos e apresentar de forma clara as idéias e as evidências que as sustentam.
As ciências humanas têm como objeto o homem. Homem não é maquininha. Tem uma coisa chamada ideologia que complica tudo, e que não existe na natureza - é criação nossa. O pesquisador precisa tentar elucidar isso, senão fica positivista burro. Não dá pra ser positivista nas CH - no meu caso, por exemplo, determinar se um documento ou si lá é autêntico, é muito importante, mas não é porque não é autêntico que se joga fora; na verdade, estes são os melhores, porque se alguém forja alguma coisa é porque quer esconder outra, e esta outra pode ser descoberta, e você revela como o poder se faz, então é JÓIA.
Concordo quase que totalmente. O que difere basicamente as ciências naturais das humanas é que o objeto principal desta segunda - o ser humano - não pode ser colocado em um laboratório controlado e ter variáveis relacionadas ao seu comportamento testadas de forma direta e repetível. Não se pode voltar no tempo e rever os fatos históricos. Nem é tanto a ideologia o principal complicador, o principal limitador é a impossibilidade de testes rigorosos e repetíveis com variáveis controladas. Porém isto não libera o cientista da responsabilidade com a objetividade e não se esforce para fazer o melhor possível ao alcance de sua área para tornar sua ciência mais objetiva. Ele deve no mínimo expor claramente suas idéias e todas as evidências que as apoia; deve tentar formular hipóteses com predições que estejam abertas a refutação. Eu sei que a ausência da possibilidade de testes rigorosos dificulte uma maior eliminação de hipóteses, o que faz com que várias hipóteses igualmente compatíveis com os dados convivam. Mas isso não é desculpa para não se esforçar. A tentativa de objetividade não consiste na negação da ideologia e das criações subjetivas, mas da disponibilidade das hipóteses para críticas e refutações por parte dos outros e de novos dados.
Não há maneiras de fazer "leis", queridão. Imagino que todo físico, antes de dormir, ajoelhe e reze pra algum conseguir escrever a teoria unificada. Acho que esta é uma verdade entre nós, também... cada caso é um caso, o modelo se submete ao fato, não tem o que fazer. A pessoa pode escrever: "a vida do camponês do séc IX no condado portucalense era assim", mas não dá, geralmente, pra estender pra todo mundo em todas as épocas. Mesmo o que não deu certo antes pode dar certo agora, porque o objeto de estudo NÃO PÁRA de mudar, então bobeando até dá certo. O RIGOR está nisso, em compreender que mais que isso é teologia.
O fato do objeto ser mutável, como já disse, não implica que o cientista não precise expor suas idéias a crítica e esteja disposto a modificá-la ou abandoná-la frente aos fatos e dados contraditórios. Foi só isso que defendi, nada mais.
E às vezes acho que as pessoas precisam superar esta mania de "pureza" . Acho que chamar as ciências exatas de "duras" é um grande erro. Que elas tenham um objeto mais "passivo" e isso facilite o enunciado de leis, ok.
O que você chama de "mania de pureza" nada mais é que a vontade de conhecer o mais próximo possível da verdade, só isso. A dificuldade de estudar de forma mais rigorosa e objetiva o objeto das ciências humanas não quer dizer que não se deva ter como
objetivo uma compreensão a mais aproximada possível, ao nosso alcance, da realidade de forma a mais precisa possível.
Mas o que determina os objetos a serem pesquisados ou não? Não tem um quezão de influência da ideologia aí? Em que coisa que a gente faz que não existe um quezão de ideologia?
O que faz a ciência exata ser mais ciência que a humana? O Popper?
O contexto social determina o que pesquisar, como pesquisar, e as hipóteses formuladas. Mas não determina o resultado coerente de vários testes controlados realizados de forma independente por diferentes pessoas.
De fato, por uma questão técnica as ciências exatas se aproximam mais do padrão popperiano de ciência empírica, pois permitem maior falseabilidade de hipóteses. Algumas pessoas chegam a afirmar que somente as ciências naturais podem receber o nome de "ciência", o que constitui obviamente um exagero. Acho que os princípios básicos popperianas (como a postura crítica, a "honestidade intelectual", etc) , que visam a uma maior objetividade e progresso do conhecimento também se aplicam às ciências humanas.
As "extravagantes" são chamadas assim porque fogem do padrão. O padrão, muitas vezes, não explica, mas reitera. E é ciência, tem que explicar. As "extravagãncias", portanto, são bem vindas para quebrar paradigmas. A gente vê disso nas exatas também... supercordas, buracos de minhoca, partículas sub-atômicas é coisa que se chama de extravagante também, e não se tira sarro delas.
As "estravagâncias" podem ser bem-vindas quando fornecem previsões testáveis. O que acho chato é, em uma área onde devido às limitações empíricas já mencionadas que possibilitam a existência de várias hipóteses alternativas que se encaixam nos dados achados até o momento, exista por parte de alguns uma pouca valorização da parcimônia e defendam hipóteses extravagantes e complexas quando outras muito mais simples e plausíveis também servem. Esta preferência pelo extravagante é parecida com aquela preferência pela linguagem rebuscada já citada.
Não é possível sequer ENTENDER a produção das CH se não tiver a DINÂMICA em mente: as pessoas mudam, as idéias mudam, os modos de produção mudam, tudo neste mundo muda e a eternidade é um desejo vão.
Conceito numérico é tranqüilo de trabalhar, nunca ninguém vai dizer "veja bem, a raiz de 4 só é número inteiro em cálculo diferencial, em equação de 5o grau ela é dízima" ou sei lá o quê.
Justamente. e devido a essa mesma dinâmica devem nossas idéias estarem sempre abertas à contestação.