Na verdade, ele foi o último Iluminista. Levando o racionalismo às últimas conseqüências, acabou tendo que duvidar da própria razão.
Além disso, visto que o cristianismo já ia caducando em seu tempo (como ele mesmo o diz), não haveria mais motivos para o homem crer na moralidade cristã. Em vez de simplesmente partir desse pressuposto e criar uma nova moralidade, primeiro ele aplica o método genealógico (que Heidegger vai amar [destruktion], Foucault vai copiar, e Derrida vai "ferramentar", depois) para destruir os "ídolos", ou as idéias morais e as crenças vigentes, baseando-se em estudos etimológicos, psicológicos e indagações céticas (ver, por exemplo, Além do Bem e do Mal e Genealogia da Moral). Não só isso: volta-se para a Grécia Antiga, uma sociedade em que não existia, até Sócrates (o “primeiro homem teórico”) e Platão (o “primeiro dualista”, “avô do cristianismo”), a visão de mundo influenciada pela cristandade. Com isso, tentou encontrar ideais mais "livres", do "homem forte" que faz a sua própria moral.
A parte profética (não é só uma profecia das entrelinhas) contida em Assim Falava Zaratustra ironiza, em muitas passagens, a bíblia. Se ele se achava ou não um profeta, ou quando ele começou a ficar louco, é algo a se conjecturar. Mas é, também, uma questão de estilo. Ele usou o livro para anunciar uma nova moralidade, e o fez, segundo diz logo no começo de Assim Falava Zaratustra, por “amor aos homens”, para tirar o peso de suas [dos homens] costas.
(Talvez a descrição do sol, que ilumina as trevas todos os dias, seja também uma descrição poetizada da atividade filosófica. Como diria Sócrates, viver uma vida sem exame [sem filosofia, sem "ceticismo"] não vale a pena ser vivida.)
(I) Pois bem: já estou tão enfastiado da minha sabedoria, como a abelha que acumulasse demasiado mel. Necessito mãos que se estendam para mim.
(…)
(II) Zaratustra mudou, Zaratustra tornou-se menino, Zaratustra está acordado. Que vais fazer agora entre os que dormem?
Como no mar vivias, no isolamento, e o mar te levava. Desgraçado! Queres saltar em terra? Desgraçado! Queres tornar a arrastar tu mesmo o teu corpo?”
Zaratustra respondeu: “Amo os homens”.
“Pois por que — disse o santo — vim eu para a solidão? Não foi por amar demasiadamente os homens?
Agora, amo a Deus; não amo os homens.
O homem é, para mim, coisa sobremaneira incompleta. O amor pelo homem matar-me-ia”.
Zaratustra respondeu: “Falei de amor! Trago uma dádiva aos homens”.
(…)
Quando, porém, Zaratustra se viu só, falou assim, ao seu coração: “Será possível que este santo ancião ainda não ouvisse no seu bosque que Deus já morreu?”
Na II parte, ele fala com um velho religioso, o típico santo iluminado que vê pecado nos homens. Zaratustra, pelo contrário, condena a idéia de pecado, por ser uma fraqueza, uma negação do espírito humano. Note, por exemplo, a Primeira Dissertação da Genealogia da Moral: no parágrafo 13 ele fala do corisco e faz uma relação com o homem forte. Ele fala do povo que "distingue o corisco do clarão" como se fosse possível fazer tal coisa, da mesma forma como distinguem a força do homem forte da ação dele, como se a força deste não fosse, em si, a própria ação, emanando da essência dele. Após condenar a ação forte (como pecado), tratam de dizer que o homem é livre para ser fraco, impedindo-o de “ser o que se é”. Isso resume bem o pensamento dele: deseja fazer com que o homem, livre das inversões de sentido promovidas pelos fracos em sua rebelião contra os fortes - rebelião condensada na moralidade e no sentido dado a certas palavras e imputado a certas ações, por exemplo -, possa ser o que ele, absolutamente, é. Ou o que Nietzsche acha que ele deveria ser.

Isso tudo pra poder lhe dizer: não é que as coisas não tenham sentido, para ele. Trata-se de uma análise e destruição de certas idéias, a sugestão de sua substituição, e a investigação dos mecanismo de valoração.
Respondendo à sua pergunta, baseando-me no pouco que eu li dele: se Zaratustra não tivesse "descido da montanha", ficaria lá por ter se
cansando dos homens, ou seja, estaria negando sua própria filosofia. Não passaria, portanto, de um religioso qualquer, vergonhoso de ser homem e condenador das atitudes alheias. Como eu prefiro ler antes de procurar pelas entrelinhas, isso é tudo que tenho a dizer a esse respeito, no momento.