Quem diz que no passado era mais fácil encontrar um amor sincero com certeza nunca leu Machado de Assis ou Eça de Queirós. Não existe isso de que há 50 ou a 500 anos atrás o amor fosse mais sincero, mais puro, isso é um mito, e a história e literatura estão aí para derrubá-lo. Haviam casamentos por conveniência - assim como hoje, havia traição - assim como hoje, havia sexo sem amor - assim como hoje.
Vamos falar sobre sexo sem amor:
Alguém assistiu a O Nome da Rosa, onde um padre troca carne por sexo com uma jovem pobre? Alguém assistiu Os Contos Proibidos do Marquês de Sade, que tem bastante sexo informal, e inclusive uma cena de dupla penetração (e por incrível que pareça não é filme pornô)? Alguém já assitiu O Libetino, sobre a vida do iluminista Denis Diderot, pai da enciclopédia, e que também está no limite da pornografia? E que tal a história clássica? Os bacanais, as paredes das casas de banho de Pompéia cheias de desenhos de sacanagem, as festas da aristocracia romana onde ninguém era de ninguém... Alguém já assistiu Calígula? Esse aí eu acho que é pornô mesmo! Aliás, as trepadas mais célebres da história provavelmente aconteceram durante o domínio de Roma e a protaganista de todas eleas foi Cleópatra, rainha do Egito, que usava o sexo como forma de salvar seu reino da conquista romana, deu certo com César, deu certo com Marco Antônio, mas não deu direito para Otávio Augusto e ele resolveu conquistar o Egito.
Agora vamos falar de traição:
O clássico dos clássicos que deu origem à literatura Ocidental é a Ilíada de Homero. A guerra de Tróia começou por causa de uma traição, Helena era casada com Menelau, rei de Esparta, mas se apaixonou por Páris e fugiu com ele. Outro clássico da literatura, Otelo, de William Shakespeare, que prova que o autor de Romeu e Julieta não era nenhum tolo romântico, trata do par de chifres com que Iago e Desdêmona enfeitaram a testa do personagem que dá nome ao livro. Um caso célebre de traição na história brasileira era a relação extra-conjugal entre Dom Pedro I e a Marquesa de Santos. Depois veio a literatura do realismo e do naturalismo, onde traição virou clichê, está em quase toda a obra de Machado de Assis, está em o Primo Basílio de Eça de Queirós, está em O Cortiço, de Álvares de Azevedo, está na obra inaugural do gênero, Madame Bovary de Flaubert. Curiosamente o realismo vem depois do romantismo cronologicamente. É que os romances românticos terminavam na hora em que os protagonistas se casavam e "viviam felizes para sempre". Os realistas começavam com os protagnistas já casados e mostravam que as coisas não eram bem assim...
Casamentos por conveniência
Nossa, esses são muitos! Eram tão comuns que aparecem até na literatura do romantismo, quando os pais da mocinha queriam que ela casasse com alguém rico, mas ela preferia se casar com um pobre a quem amava. Até na novela das 6 tem o partido das que casam por amor e o partido das que casam por dinheiro. Mas os casos de casamento por conveniência que a história registrou foram os da realeza: desde o Egito antigo dos faraós, os membros das famílias reais eram obrigados a casar ou com parentes ou com membros da realeza de outras nações; casos de contos de fadas, como o da Princesa Diana com o Príncipe Charles são excessão - e todo mundo sabe como essa história acabou. Um rei quase sempre casa com uma duquesa ou uma condessa ou uma marquesa... Tudo parente! Ou então casa com alguma -esa de um reino vizinho.
E por que achamos que no passado o amor era mais sincero, as pessoas eram mais puras e tudo era mais verdadeiro?
Uma das culpadas é a própria literatura. A literatura romântica, por exemplo, se baseava em heróis, em grandes feitos, em amor verdadeiro e em uma divisão clara entre o bem e o mal. Antes do romatismo tínhamos a poesia árcade, com as belas poesias de amor de Marília de Dirceu ou neoclássica, com os sonetos de Camões. Mas sabem o que é que tem de irônico nisso? É que as próprias literaturas romântica e neoclássica tinham como característica falarem do passado! Neoclássico o nome já diz, é uma reedição do passado clássico, árcade é uma referência à Arcádia, região da Grécia Antiga. Já o romantismo gostava de retomar histórias de cavalaria e histórias ambientadas no passado medieval. Como o Brasil não teve passado medieval, seus protagonistas eram índios, os bons selvagens, bravos e puros, como o índio Peri ou índias virgens com lábios de mel como Iracema. Sabem por que os românticos e os neoclássicos gostavam tanto de falar sobre o passado? Pelo mesmo motivo que nós! Por que eles acreditavam viver em períodos de corrupção moral e perda dos valores, e tinham essa mesma idealização escapista do passado, acreditando que houveram tempos mais puros, mais bonitos e mais verdadeiros. Isso desde o século XVII! O que me leva a crer que não são os tempos que estão mudando, muito pelo contrário, tudo continua na mesma. Os Homo sapiens de hoje são idênticos aos de séculos atrás, nossos sentimentos são idênticos aos sentimentos deles, amamos como eles e odiamos como eles. E o instinto sexual que a natureza nos deu é tão forte quanto o deles. E outro sentiemnto que também compartilhamos com o passado é esses sentimento de nostalgia, de melancolia, essa sensação de que vivemos em um mundo em decadência, de um mundo que já foi melhor - esse mesmo sentimento é o que faz os idosos de hoje lembrarem com tanta saudade de suas pipas e piões e criticarem a juventude com seus videogames, dizendo que os jovens estão se perdendo. Bobagem. Esse é só o sentimento de que nós mesmos estamos envelhecendo, nossa vida ficando mais complicada ao mesmo tempo que se aproximando da morte e quando começamos a sentir falta daqueles tempos mais simples, muitos anos atrás quando éramos só crianças sem preocupações. Sentimos que o mundo mudou. É a nostalgia, na verdade, nós é que mudamos. Ninguém melhor do que um poeta romântico para desvendar o segredo e resolver o enigma do passado sem data puro e inocente: "Ai que saudade da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais..."