Já tinha lido sobre a polêmica do caso Battisti e parece que há uma discussão sobre se o processo a que foi submetido na Itália foi ou não isento.
A França inicialmente negou sua extradição para a Itália mas uma corte de apelação no fim deu o sinal verde , foi quando ele fugiu para o México e depois para o Brasil.
Abaixo posto dois textos: um do jornalista Rui Martins , que defende a não extradição e outro do jurista Walter Maierovich , na sua coluna da Carta Capital, a favor da extradição.
Conhecendo as posições do Maierovich , acho que ele está certo.
Publicada em:12/01/2009
GENRO, ENTRE O POLÍTICO E O COMUM
RUI MARTINS
Berna (Suiça) - A revista Época, numa bela matéria, sem a parcialidade da Carta Capital (onde estaria o Mino Carta, na hora de baixar a matéria?), diz que o ministro da Justiça Tarso Genro estuda os prós e contras do caso Cesare Battisti, para decidir ainda esta semana.
Depois da decisão do Conare (Comitê Nacional para Refugiados), por 3 a 2, de rejeitar o pedido de refúgio humanitário feito pelo italiano Cesare Battisti, é com o ministro que fica a resposta ao apêlo feito pelo italiano. Se Tarso Genro concede o refúgio, o assunto está encerrado e Battisti poderá viver no Brasil, pondo fim a uma vida de fugas, de medo, incertezas e ameaças.
A questão principal, que o ministro precisa decidir é a seguinte – Battisti é um foragido político ou de direito comum? Nossa Constituição concede refúgio humanitário só aos que sofrem perseguição por questões políticas. Ora, a Itália, seu atual dirigente Sílvio Berlusconi e os advogados que a embaixada italiana contratou no Brasil, insistem que Battisti cometeu crimes de direito comum.
Por que tanta insistência em punir um homem que vive fugindo, há mais de trinta anos, como um Jean Valjean perseguido por Javert, por ter pertencido, durante apenas dois anos, a um grupo de extrema-esquerda, ainda na juventude ? Para poder exibi-lo como trunfo da vitória da direita sobre a esquerda, para mostrar à juventude italiana que o caminho da corrupção ou da Máfia é mais seguro que o do sonho por um mundo melhor. Spartacus e seus seguidores viraram brochetes expostas ao longo da via Ápia. O mundo de hoje não permite tais excessos, para Berlusconi já será suficiente exibir Battisti nas cadeias de televisão que possui, domina e que o elegeram dono da Itália, como o inimigo vencido de uma época em que os jovens ousavam sonhar. E, a seguir, Battisti será jogado numa prisão para apodrecer ou para ser assassinado.
Berlusconi está frustrado e quer se vingar sobre Battisti, de uma trapaça que lhe fez o francês Nicolas Sarkozy. Estava acertado que, a título de exemplo para a juventude italiana, um casal seria exposto à execração pública – Marina Petrella e Cesare Battisti. Porém, Marina Petrella, já presa para ser extraditada, também trinta anos depois, obrigada a deixar a família, decidiu morrer de desgosto e tristeza. E foi já em estado semi-comatoso de depressão profunda que, graças a intervenção de duas mulheres italianas, a esposa e a cunhada de Sarkozy, Marina Petrella foi poupada e anulada sua extradição.
Sobrou Cesare Battisti, cuja hepatite B agravada com diminuição de esperança de vida não emociona o grande público. Esse tem de ser meu, diz o dono da Itália, que desativou o bom funcionamento da Justiça para evitar que os corruptos sejam perseguidos. Prender Cesare Battisti acabou virando um desafio para a direita italiana, que chegou a ter o apoio de um Romano Prodi agonizante, nas últimas tentativas de sobrevivência política.
Cesare Battisti não era nenhum professor universitário, quando se lembraram dele, vivendo quieto no seu canto, graças ao presidente socialista francês François Mitterrand. Era um simples zelador de prédio, escrevendo livros policiais nos momentos de folga, lutando para sobreviver, com um sorriso irônico como única defesa. Como a extradição poderia demorar, a embaixada italiana em Paris não usou, em 2004, do charme como agora em Brasília, nem da grande imprensa, mas tentou simplesmente sequestrar o antigo militante, que poderia facilmente ser levado na mala de um carro diplomático italiano e assim atravessar a fronteira, já que a Itália é país vizinho.
Não deu certo, e como o drama de Cesare sensibilizou intelectuais e políticos franceses, decidiram seguí-los, vigiá-los, ouvi-los, na esperança de se aproveitarem de um momento de distração para levá-lo à força para a Itália. Foi essa vigilância constante que permitiu a localização de Battisti no Brasil, para onde tinha fugido.
A escritora Fred Vargas, cujos livros policiais são best-seller na França, teve microfones instalados em seu apartamento, seu telefone grampeado, sus idas e vindas seguidas e vigiadas por liderar o comité de defesa do italiano. Por que ? Porque a escritora com seu espírito pesquisador de arqueóloga que é, decidiu checar uma a uma as acusações levantadas contra Cesare Battisti e nisso descobriu que o processo do qual foi vítima, em sua ausência, foi um simulacro de processo, baseado em leis mussolinianas e usadas de forma retroativa. E, assim, as acusações de quatro mortes, que imputadas a Battisti lhe valeram 70 anos de prisão, não têm valor. Foram acusações extirpadas sob tortura ou chantagem de militantes do mesmo grupo de Battisti, alguns deles arrependidos e trocando as acusações por liberdade. Sabendo que Battisti tinha fugido, lançaram sobre ele quatro crimes da organização, mesmo se dois deles ocorreram quase na mesma hora, em lugares distantes que exigiriam a omnipresença de Battisti.
Chegamos, enfim, à questão de saber se Battisti foi condenado por crime político ou crime comum. Battisti sempre negou ter sido o autor dos crimes, mas quando participava do grupo armado, onde cuidava do folheto por eles publicado, assumiu coletivamente a responsabilidade pelos atos. A autoria lhe foi imputada por “arrependidos” em troca de comutação da pena.
Ora, se o grupo ao qual pertencia, Proletarios Armados pelo Comunismo, é evidentemente um grupo político, por que o relator do Conare insistiu em qualificar como crimes comuns os cometidos por um grupo armado político ? Os assaltos a bancos, no Brasil, pelos grupos politicos armados contra a ditadura militar, foram atos políticos ou atos de direito comum ? A imprensa de direita da época qualificava, como faz a Itália e o Conare, os subversivos como bandidos de direito comum. Se o ministro da Justiça qualificar Cesare Battisti como um perseguido de direito comum e não um foragido político, será uma distorção jurídica ao arrepio de uma tradição brasileira.
Mas, há um fato que corrobora e prova ser uma questão política e não de direito comum, a que envolve Cesare Battisti. Entre as acusações feitas a Battisti, está a de ter ferido a bala um dos filhos adotivos do joalheiro Luigi Pietro Torregiani, que morreu no choque. Ora, Alberto Torregiani, que ficou paralítico, foi ferido por uma bala perdida disparada por seu próprio pai adotivo, isso ficou provado.
Durante muitos anos, Alberto Torregiani tentou obter da justiça italiana uma pensão do governo por ter sido vítima de um atentado político. Ora, há quatro anos, Torregiani obteve, enfim, essa pensão do Estado, que não é concedida no caso de crime comum.
E isso responde de maneira definitiva à pergunta – foram crimes políticos aqueles imputados a Cesare Battisti ? Sim, mesmo se Cesare Battisti nega ter sido o autor, ele foi condenado por crimes políticos que lhe foram atribuídos. A pensão concedida a Alberto Torregiani é a prova mais evidente, e basta isso para justificar, dentro da lei brasileira, a concessão do estatuto de refugiado humanitário a Cesare Battisti.
Que assim decida em plena e justa consciência nosso ministro Tarso Genro.
http://www.diretodaredacao.com/
Um noir para o Judiciário
27/06/2008 13:06:54
Wálter Fanganiello Maierovitch
Quando já estava com as malas prontas para deixar o cargo de primeiro-ministro da Itália, o professor Romano Prodi, que havia liderado uma coalizão de centro-esquerda, escreveu uma carta ao presidente Lula. Ele pedia a atenção, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), ao pedido de extradição de Cesare Battisti, autor de quatro crimes comuns de qualificados homicídios. Todos eles consumados entre 1977 e 1979, com vítimas atacadas de surpresa.
Nos próximos dias e perante o STF, deverá ocorrer o julgamento do pedido de extradição de Cesare Battisti, preso em Copacabana em 18 de março de 2007.
Battisti conseguiu fugir de um presídio italiano em 1981. Nos anos 1990, logrou homiziar-se na França. Lá permaneceu até ter sido deferida, pela Justiça francesa, a sua extradição. Com falso passaporte, trocou Paris pelo Rio de Janeiro.
Num acurado parecer ilustrado por citações de jurisprudência remansosa no STF, a Procuradoria-Geral da República pronunciou-se favoravelmente à extradição, com uma restrição de praxe: pena de prisão perpétua imposta na Itália adequada à de custódia pelo prazo de 30 anos, máximo permitido pela nossa Constituição.
O procurador-geral, Antonio Fernando de Souza, deixou claro não ser possível uma reavaliação da prova, a fim de se concluir se a Justiça italiana acertou ou não ao condenar Battisti. No parecer, frisou que os crimes não estão prescritos e os processos italianos não estavam maculados por nulidades.
No interrogatório judicial realizado no Brasil, o extraditando negou a participação nos crimes. Na sua defesa, ressuscitou a tese de julgamento à revelia, sem ampla defesa, já afastada pela Corte Européia de Direitos Humanos. Battisti contou haver sido acusado de crimes políticos e de ter suportado perseguições pelo apoio dado a Ségolène Royal, candidata socialista derrotada na última eleição presidencial na França. Certa vez, um jornalista do L’Unità, uma publicação diária da esquerda italiana, fez uma pergunta que não me sai da memória. O jornalista queria saber por que Battisti, que se apresentava como membro da organização revolucionária denominada Proletários Armados para o Comunismo (PAC), participara dos assassinatos de um açougueiro pobre e de um modesto joalheiro de periferia.
No dia 6 de junho de 1978, por volta das 16h50, Battisti e o parceiro Diego Giacomini, com barba e bigodes falsos, entraram no açougue de Lino Sabbadin. Perguntaram para a vítima se ela era Lino e, depois de um sim, mataram-no com quatro tiros.
Pouco antes, por volta das 15 horas e na cidade de Milão, Battisti idealizara outra execução, a do joalheiro de periferia Pierluigi Torrigiani. Quando a vítima abria a porta da joalheria, houve o surpreendente ataque a tiros. A vítima, depois de atingida, conseguiu puxar a sua arma. Ao cair no chão, a arma disparou e um projétil atingiu o filho adotivo Alberto Torrigiani, que ficou hemiplégico e utiliza uma cadeira de rodas. O joalheiro Torrigiani, como o açougueiro, não era militante político. Nos dois assassinatos não houve qualquer motivação político-ideológica. Torrigiani, certa ocasião, estava jantando num restaurante de nome Transatlântico e participou da reação a um assalto, que resultou na morte dos dois assaltantes. Não sabia que eram ligados a Battisti, que, em represália, urdiu e participou do projeto covarde de assassinato de Torrigiani.
Por puro terrorismo, Battisti, em 6 de junho de 1978, matou com tiros pelas costas o maresciallo (equivalente a sargento da polícia civil) Antonio Santoro, chefe dos agentes penitenciários do cárcere da cidade de Udine. Em abril de 1979, em um bairro periférico de Milão, saiu detrás de um carro para disparar cinco tiros e matar o distraído policial civil Andrea Campagna, que conversava com a noiva e o futuro sogro.
Na França, Battisti escreveu 12 livros no estilo noir e passou a ser tutelado por intelectuais do Partido Verde. Um detalhe, no entanto, fora esquecido. Na França, os revolucionários derrubaram a monarquia para introduzir o regime republicano. Na Itália, ao tempo de Battisti, vivia-se num Estado Democrático de Direito, sob um regime republicano e com os eurocomunistas bem próximos da conquista do poder, pelo voto livre.
Da Corte de Direitos Humanos da União Européia, o reclamante Battisti recebeu uma contundente resposta: a sua opção pela fuga tinha sido a causa única de audiências e sessões de julgamentos sem a sua presença.
Com base na chamada doutrina François Mitterrand, nunca escrita ou convertida em lei, Battisti conseguiu permanecer por anos na França. Mitterrand garantia a não-extradição de quem afirmasse perseguição política e se comprometesse a abandonar a luta armada. Battisti, que acaba de lançar um livro no Brasil, aguarda que o STF acredite no seu “noir Judiciário”.