“O homem passeia sobre a lua, mas não se aproxima de seus semelhantes. Explora as profundezas do oceano e os limites do universo, porém o seu vizinho mais próximo para ele é um desconhecido”.
(Elie Wiesel)
Caro Mutação.
Você descreve algo que faz parte do comportamento humano.
A mente humana está descontrolada e adormecida, por isso ela é frágil, altamente sugestionável e maleável.
Vou contar o que eu descobri sobre a religião.
Eu era ateu e pensava algumas coisas sobre a religião, semelhantes as que você descreve.
Não são raros os filmes que tratam do salvamento de "convertidos" que foram afastados de suas familias após lavagem cerebral com cânticos, comidas sem vitaminas e proteínas, "imersão de amor", etc...
Como ateu eu pensava que conhecia bem a religião, as bobeiras de castigo eterno ou um paraíso eterno após a morte e todo o resto.
Eu simpatizava muito com o pensamento existencialista lendo um livro de Albert Camus, percebi que ele tinha uma idéia diferente da psiquiatria e psicologia, sobre algo que nessas ciências da mente, é considerado como uma doença mental que aflige poucos, mas que pro filósofo era algo que atingia a todos.
Fiquei espantado em perceber que o filósofo estava certo e essas ciências erradas.
Isso me tornou um pouco mais cético e critico ao olhar certas ciências.
Ao mesmo tempo meu interesse por filosofia me levava a chamada filosofia oriental, então li o Tao Te King e fiquei impressionado em saber que aquele ótimo livro fazia parte de uma religião.
Após ler um livro existencialista muito pesado, resolvi ler algo mais "leve", algo mais "zen". Então peguei um livro de um "guru" letrado em diversas religiões e filosofias orientais.
Meu primeiro espanto foi a racionalidade com a qual ele tratava do assunto.
Fiquei também impressionado com o meu completo desconhecimento sobre os temas abordados pela religião.
Depois, me aprofundei um pouco no estudo e li outros textos e livros.
O inferno, por exemplo, não é descrito na maioria das vezes, como tendo a função de castigar almas eternamente, nem o paraíso como um lugar ao qual vamos após a morte.
O inferno é descrito como sendo aqui mesmo na terra e também "dentro" de nós, como um estado mental. O paraíso é descrito como sendo alcançado EM VIDA, e não após a morte.
O paraíso seria um estado mental de paz e iluminação, ao contrario do estado de ignorância, duvida e sofrimento no qual nossa mente se encontra atualmente. Paraíso e inferno são tratados tanto como estados mentais, quanto como locais "físicos" aqui mesmo na terra, são criados pela forma como julgamos o mundo e pela forma como interagimos uns com os outros.
No cristianismo uma parte das pessoas encara o inferno como um lugar de sofrimento eterno, mas a bíblia dá margem a outras interpretações, como dizer que o inferno significa sepultura, a morte.
No cristianismo o inferno pode ser ambíguo, mas o "reino dos céus" não.
O reino dos céus, segundo Cristo, está dentro de nós e também fora de nós, espalhado por todos os lados, mas não podemos vê-lo.
Compare esse reino dos céus com o que as religiões orientais dizem sobre o mesmo tema, vai notar que dizem a mesma coisa. O inferno nessas religiões é o oposto disso, no cristianismo podemos interpretar da mesma forma.
Depois de perceber o meu engano quanto a religião, me tornei mais cético.
Parei de "achar" que sabia o que era a religião, pois percebi que não sabia.
Continuei estudando e cultivando a razão, ao me tornar mais cético, expandi os limites que minha razão tinha na época e, com isso, passei e "questionar" e enxergar melhor certas coisas.
Levei minha razão o mais longe que pude, mas continuei e perceber que ainda existiam coisas reais, que estavam ali, mas que a razão não podia compreender.
Passei a apoiar a razão na investigação com ceticismo legitimo.
Por exemplo, se temos uma caixa fechada, podemos "racionalmente" levantar diversas hipóteses sobre o que tem dentro dessa caixa.
Não importa o quanto se pense, a única forma de saber o que realmente tem na caixa, é investigando. Tem que abrir a caixa e olhar o que está lá dentro, não adianta ficar só pensando e levantando hipóteses.
Como ateu, eu estava acostumado a levantar hipóteses, calculava com base no meu conhecimento científico quais hipóteses eram mais prováveis, e acabava por "acreditar" nessa hipótese, mesmo sem ter falseado a mesma.
Digamos que eu ouvisse um relato de alguém que diz ter ouvido os pensamentos de alguém e sentido o que a pessoal sentiu. Como nos casos de irmãos gêmeos que algumas vezes relatam essas coisas.
Eu pensaria: O que é mais provável segundo o conhecimento científico atual? Ter ocorrido Telepatia real ou apenas uma coincidência?
Então eu passava a acreditar que isso era apenas coincidência e que a telepatia é impossível.
Fiz um julgamento não muito cético segundo o conhecimento que eu tinha na época. Digo não muito cético, por colocar a telepatia como impossível. Eu deveria no mínimo ter deixado a possibilidade em aberto. Mesmo que eu pudesse julgar improvável, era uma possibilidade que não deveria ter sido descartada.
Pois bem, passei a investigar para ampliar os limites da razão.
Com interesse na religião, descobri que eles falavam sobre expandir o limite da razão e da consciência.
Falavam inclusive sobre tornar "consciente" uma parte de nosso "inconsciente".
Assim poderíamos ficar ainda mais conscientes.
Ao invés de apenas calcular a "probabilidade" disso ser real, eu fui investigar.
Eu disse: "Tá, digamos que isso é possível. O que fazer para conseguir isso?"
A religião ensina.
Existe dentro dessas religiões uma coisa chamada Yoga.
Apesar das discussões conceituais e discordâncias sobre o significado dessa palavra, alguns definem Yoga como sendo qualquer técnica que leve a mente da pessoa ao estado de Superconsciência, também conhecido como iluminação ou samadhi.
Pois bem, as praticas que permitem atingir esse estado eram apresentas não só nas religiões que estudei (Cristianismo incluindo os apócrifos, Taoísmo, Budismo e principalmente Hinduísmo), como também eram ensinadas em linhas filosóficas não necessariamente nem originalmente religiosas. Seriam as chamadas linhas de Yoga.
Então eu resolvi TESTAR a funcionalidade dessas práticas.
Eu as coloquei a prova, poderia tanto ter descoberto que não funcionavam, como que funcionavam.
Eu não "acreditei" na "hipótese" de que iriam funcionar ou não, nem acreditei nos "relatos" de religiosos que diziam que funcionava. Eu decidi verificar pessoalmente se funcionavam ou não.
Pois bem, algumas das práticas você cita em seu post.
São coisas como o celibato, jejuns, meditação, ensinamentos como não mentir, não julgar, eliminar os maus pensamentos e cultivar os bons, vigiar os pensamentos e manter a concentração, eliminar os vícios, eliminar os desejos, etc...
Algumas "parecem" ensinamentos morais, mas não são.
A função do não mentir, por exemplo, pode ser compreendida racionalmente.
Ao tentar constante mente não mentir, temos que manter maior atenção na mente, temos que nos vigiar para não mentir.
A principio não conseguimos.
Descobrimos que não temos "liberdade" para não mentir.
Mesmo querendo não mentir, mentimos.
Somo "escravizados" por nossos medos, vergonhas, desejos, julgamentos e inseguranças. Essas coisas nos obrigam a mentir, mesmo que não queiramos faze-lo.
Isso também nos permite "conhecer" os motivos pelos quais mentimos. Descobrimos as nossas fraquezas que nos obrigam a mentir.
Conhecendo essas fraquezas, podemos lutar contra elas, trabalhamos para controla-las, ou invés de sermos controlados por elas.
Isso exige controle dos pensamentos, sentimentos e desejos.
Veja uma pessoa "obesa", por exemplo.
A comida é um vicio.
Ela sofre com isso, quer emagrecer mas não consegue. Sem vem um pensamento na mente dela e diz: "Coma só mais esse pedacinho, amanhã você inicia seu regime".
Ela não consegue controlar e eliminar esse pensamento, então o regime fica sempre pra manhã. (E esse amanhã nunca chega)
Essa pessoa tem um problema com a comida, então deve praticar o jejum.
Eu mesmo, nunca pratiquei o jejum.
Essas práticas não são totalmente "rigidas", podem ser "adaptadas". (mas devem ser praticadas com rigidez).
Entenda, eu não tinha problemas com a comida, então no caso do jejum, eu pude dispensa-lo, mas isso deve ser feito com extremo cuidado, pois podemos acabar dispensando algo que não deveríamos.
Por outro lado, coloquei o celibato em prática.
Eu sabia que o desejo sexual era algo bem forte em mim, coisa que o desejo pela comida nunca foi.
O desejo pela comida eu sempre controlei com facilidade, já o desejo pelo sexo não.
Sendo assim, me vi na necessidade de controla-lo.
Não é só o "ato sexual" que não deve ser praticado, mas o "desejo" que tem que ser controlado.
Então vigio minha mente para não pensar em sexo.
Todas essas práticas estão sempre voltadas para a mente.
É a mente que temos que vigiar e controlar.
Quem tenta fazer isso descobre que nós temos pouco controle sobre nossa mente.
Se não controlamos nossa mente, também não controlamos nossas ações, sendo assim, não somos livres.
Vou dar outro exemplo.
Eu estava praticando o "eliminar os pensamentos ruins e cultivar os bons".
Fui atravessar uma rua e um carro entrou sem dar a seta (ou seja o cara fez algo errado).
O cara apesar de estar errado, ficou bravo e buzinou pra mim, como se eu que estivesse errado e atrapalhando ele.
Na hora eu só acelerei meu passo pra sair da frente do carro, não disse nada.
Só que logo em seguida, como fiquei "bravo" com a folga do cara, eu pensei: "Eu deveria ter gritado: 'De a seta FDP'".
Logo em seguida, me dei conta de que esse era um pensamento ruim.
Primeiro que era um pensamento raivoso, segundo que o cara já tinha ido embora, sendo assim, eu não poderia mais dizer nada e era INÚTIL continuar pensando nisso.
Mandei o pensamento pra fora da mente e coloquei um pensamento bom... Só que não deu 20 segundos e percebo que estou pensando naquilo novamente, pensando no que eu deveria ter feito e dito ao cara do carro.
Mandei o pensamento fora novamente e o mesmo se repetiu, após alguns segundo estava pensando naquilo mais uma vez.
Ou seja, eu não conseguia controlar no que ia pensar ou deixar de pensar.
Isso pra mim era algo novo, eu sempre "achei" que eu escolhia no que eu pensava.
Descobri que não escolhia porcaria nenhum, a droga do pensamento continuava vindo e eu tinha que lutar contra ele.
Nós fazemos quilo que pensamos, se não escolhemos o que pensamos, também não escolhemos o que fazemos.
Cada ensinamento que faz parte dessas práticas, tem a função de nos fazer lutar contra a mente, contra os pensamentos.
Eles nos colocam a atenção em nossa própria mente e nos fazem lutar para ter controle absoluto dela.
Controle sobre cada pensamento, sobre cada desejo e sentimento.
Quando você coloca todos os ensinamentos em pratica, luta constantemente pelo controle da mente.
No inicio é difícil e você não consegue controlar muita coisa, mas com o tempo, você vai aprendendo a controlar tudo cada vez mais facilmente.
Isso te tira de "devaneios", você não deixa mais sua mente vagar em fantasias, em pensamentos sobre o passado ou sobre o futuro. No fim, isso te faz se concentrar no presente, no aqui e no agora.
Quanto mais concentrado, mais lúcido e consciente você fica.
Até que chega a um ponto onde você consegue controlar completamente os pensamentos, que até mesmo sem pensar você consegue ficar.
Isso te coloca em um outro estado mental, onde você se fixa no aqui e no agora com concentração absoluta.
Você "acorda" do sonho e do "transe" que sua mente estava antes.
A mente na vigilia, pensa o tempo todo e os pensamentos "julgam" a realidade e com isso a distorcem.
Com a mente controlada, você para de distorcer a realidade e pode enxerga-la como ela realmente é.
Com a mente controlada você não é "influenciado" por nada, pois alguém só pode te manipular, se explorar seus desejos, medos e fraquezas. Com a mente controlada, você não tem desejos, medos ou fraquezas. Está no controle completo de si próprio.
Eu sei que o texto foi longo, mas foi necessário para explicar a função dos ensinamentos.
A religião pode ser praticada sem a necessidade de "seitas" ou "igrejas".
Eu pratiquei tudo isso, sem colocar os pés em uma igreja, centro ou seita que fosse.
Pratiquei tudo sozinho, sem nenhum "guru", "padre" ou "pastor" para me guiar, influenciar ou me fazer lavagem cerebral.
Hoje, as pessoas entram em conflito comigo, porque elas "agem" influenciadas pelo grupo e eu não.
Como eu tomo atitudes diferentes das pessoas que "agem juntas", como um grupo, elas brigam comigo.
Elas ficam bravas por eu não agir da mesma forma que elas.
Sabe fenômenos tipo "nazismo", onde pessoas comuns agem todas como agiram?
Quem tem a mente controlada não é afetado pela influencia do grupo.
Isso é o que essas práticas permitem, liberdade.