Cara, eu estou muito, muito puto!
Eu estou fazendo uma disciplina de laboratório na faculdade e estou em um grupo com mais quatro pessoas, um homem e três mulheres - vou chamá-los de Ana, Bia e Cris e Dé. Esses meus quatro colegas formam uma panelinha antiga e eu sou meio que um intruso em meio a eles, só ganhei a duvidosa honra de ser convidado para entrar na equipe porque fui parceiro de laboratório da Ana e da Bia em outra matéria - e não por acaso é somente com essas duas que eu me dou bem.
Todo mundo que já fez um trabalho em grupo em algum momento durante sua vida acadêmica sabe que todo grupo tem uma metade que trabalha e outra que só parasita, não faz nada, mas tem seus nomes devidamente escritos nos relatórios. Em nosso caso os encostados são a Bia e o Dé, eu e as outras duas meninas fazemos o trabalho todo (se bem que a parte mais pesada dos relatórios fica sempre comigo). Mas na complexa dinâmica social do grupo quem trabalha mais ou menos é um mero detalhe - como eu disse, só me dou bem com a Ana e a Bia, pois elas se dão bem com todo mundo, são meninas simpáticas. Por outro lado vivo brigando com a Cris e o Dé.
Minha relação com eles é meio tensa, a Cris é muito estressada, a todo momento ela me critica com tanta veemência que tenho impressão que ela vai gritar comigo ou me xingar. Por isso mesmo fico muito nervoso perto dela, às vezes tenho dificuldade em expressar minhas idéias e meus raciocínios e isso só reforça sua idéia de que eu sou um idiota. Já o Dé, apesar de a todo momento fingir que quer ser meu amigo não perde uma chance de tentar me humilhar ou me ridicularizar, especialmente em frente a outras pessoas - certamente ele sente seu posto de macho alfa ameaçado e quer mostrar quem é que é o dono do harém. Apesar de os dois estarem unidos em me odiar, não se dão tão bem assim um com o outro - das três meninas é a que menos baba o ovo do Dé e não perde a oportunidade falar mal dele e da Bia pelas costas, principalmente pelo fato de eles não ajudarem o grupo.
Introduzidos os personagens, vamos aos acontecimentos: Esta semana estávamos todos na biblioteca tentando fazer o tratamento dos dados de nosso último experimento, exceto a Ana, que precisou faltar. Infelizmente esse experimento tratava de uma parte da matéria que eu não tinha visto em aula, e por isso eu estava meio perdido. Meus colegas, porém, não sabiam muito mais sobre o assunto do que eu e o resultado é que ninguém sabia ao certo o que fazer. Enquanto os meus esforçados companheiros estudavam com afinco seus próprios perfis no Orkut e os de outras pessoas, eu aproveitei a minha localização geográfica privilegiada para procurar livros. Peguei uma penca deles e consegui fazer com que a Cris me ajudasse a pesquisar enquanto os dois encostados morcegavam.
Finalmente a Cris encontrou algo interessante e me passou para eu ler. Eu li, achei que aquilo se aplicava ao nosso caso, e propus que trabalhássemos de acordo com o método proposto no livro, mas então o Dé olhou o título do capítulo e disse que aquilo não servia pelo motivo X. Parece que a Cris se esqueceu de que ela mesma é que tinha encontrado aquilo e ela imediatamente deu ouvidos àquela vozinha que sussura em sua cabeça dizendo que eu estou sempre errado. Eu contestei os dois dizendo que era verdade que X, mas estávamos fazendo uma consideração Y e por isso podia ser que aquilo servisse, mas que como eu não tinha visto aquele conteúdo podia estar errado - eles insistiram no motivo X, e bateram o pé, então eu propus que eu fosse procurar o professor para tirar a dúvida.
Fiz isso. Deixei eles voltarem ao Orkut e fui até o departamento procurar o professor. Chegando lá ele me deu razão, disse que havia o motivo X, mas que a consideração Y permitia que usássemos aquele procedimento e ainda me explicou várias outras coisas que eu não sabia. Muito bem, voltei à cabine em que estávamos na biblioteca e além dos meus colegas de grupo ainda haviam mais outras duas meninas - e eu tenho um certo interesse especial por uma delas. Cumprimentei as duas e então me voltei para o Dé e a Cris para repassar o que o professor tinha me dito.
Mal pude começar a explicar, foi só eu dizer "O professor disse que haviao motivo X..." nesse momento a Cris e o Dé começaram a gargalhar juntos. Eu, a Bia e as duas outras meninas não entendemos nada; depois de a Bia perguntar qual era a piada e de a Cris recuperar o fôlego a Cris disse "Mas é isso que o Dé está tentando explicar ao uiliníli a horas!" Eu fiquei constrangido e furioso. As meninas de fora do grupo me olharam com um olhar de pena, depois baixaram a cabeça e disseram que era melhor elas irem embora. Eu me senti completamente humilhado, desrespeitado em público e em frente a uma pessoa de que gostava, cheguei a sentir meus olhos se encherem de lágrimas, mas consegui manter a minha fleuma e continuei explicando porque o professor me deu razão. Infelizmente naquela hora as duas já tinham saído e por isso não consigo tirar da cabeça que o que elas devem ter entendido que eu estava errado. Que estava errado e era burro, pois só eu não entendia o motivo X.
Depois disso eu desabei em minha cadeira completamente detonado. Por dentro estava muito irritado e completamente atônito pelo que tinha se passado... eu poderia reagir melhor se alguém me batesse ou se me xingado, mas uma coisa para a qual eu não estava preparado era para reagir a rirem de mim, eu nunca imaginei que isso fosse acontecer e que eu pudesse me sentir tão humilhado.
A Cris percebeu como eu estava com raiva e parece ter se arrependido de ter pegado tão pesado, tanto que passou o resto da tarde me tratando com delicadeza. Ela chegou até a perguntar na hora se eu estava bravo, mas obviamente eu menti, disse que estava tudo bem. O Dé, por outro lado, é homem; não tem a mesma sensibilidade que as mulheres têm para perceber esses nuances de humor e eu estava me esforçando para me manter calmo e - acima de tudo - manter minhas mãos longe dos pescoços alheios. Perguntou como eu pretendia implementar aquilo no Excel e eu fiz uma sugestão que a mim me parecia óbvia - e foi só por isso que a fiz, afinal eu ainda estava tão nervoso que não podia pensar direito. Ele me ofereceu o notebook para eu fazer o que tinha em mente, mas eu não consegui desenvolver nada, não estava em meu equilíbrio perfeito, me sentia pressionado e o fato é que não consegui ir em frente. E pude sentir o prazer dele ao ver que eu tinha fracassado, ele torcera contra o tempo todo. Então ele resolveu tentar a sua própria idéia, com a qual a Cris concordava, mas ela estava se esforçando para não me provocar mais e por isso me poupou de críticas. Eu nem olhei para a tela, fiquei encarando o vazio por alguns momentos, mas não posso negar o prazer que senti ao ser avisado de que o Dé também não teve sucesso com a sua idéia.
Tentamos por mais ou menos uma hora identificar o que estávamos fazendo errado, mas não encontramos e decidimos ir embora todos desanimados, pois havíamos perdido uma tarde sem fazer nenhum progresso no trabalho. Estavam todos cansados, mas eu, além de cansado estava com o orgulho ferido. Avisei que ia continuar trabalhando em outro lugar, apesar de todos os demais estarem indo embora. Dito e feito, fui continuar o trabalho sozinho, mas dessa vez motivado pela minha indignação. Eu queria provar mais do que tudo que eu estava certo e que eu dava conta de resolver aquilo tudo, eu queria ter o prazer de esfregar na cara deles que quem levava o grupo nas costas era eu - isso aliás, mexeu muito comigo, pois o Dé é um completo vagabundo, ele nunca fez nada por nossos trabalhos que um macaco amestrado não conseguisse fazer também. Ser ridicularizado justo por ele foi o cúmulo do absurdo.
Felizmente minha revolta valeu a pena, pois consegui fazer o tratamento dos dados, com facilidade até. Era um procedimento fácil que eu tinha realizado várias vezes e só não conseguira antes por causa do elevado stress e da carga emocional que estava suportando. Não satisfeito adiantei uma grande parte do trabalho, propositalmente eu fiz toda a parte "fácil" do relatório, justamente para deixar o restante da parte difícil em cima dos ombros de meus colegas. Simplesmente para mostrar que eles precisam de mim e que por isso devem me respeitar. Será minha vingança.
Desculpem pelo loooooongo desabafo, mas eu realmente passei hoje o dia inteiro estressado com isso, apesar de os acontecimentos que mencionei terem sido ontem. Eu entendo que o significado de equipe é um grupo de pessoas que se apóiam e se ajudam. Isso porque em uma equipe o sucesso e o fracasso são compartilhados. Gostemos ou não uns dos outros, nossa nota será a mesma. Sendo assim que sentido há em torcer para o seu parceiro errar? Não posso compreender a não ser lembrando o quanto o ser humano é irracional. Temos uma tendência atávica à auto-destruição, pois parece que preferimos prejudicar a nós mesmos - desde que assim prejudiquemos em intensidade maior os nossos inimigos - do que cooperarmos com eles e os vermos tão felizes quanto nós mesmos.