Bom, enfim começou a Pnad. É a coisa mais engraçada... Vou relatar apenas um caso, mas é simbólico:
Aconteceu no meu segundo dia de trabalho. Cheguei a casa de uma entrevistada (ela tinha empregada doméstica), perguntei se ela trabalhava e ela disse que vendia Natura; pergunte quanto tempo ela dedicava ao trabalho e ela disse que não podia precisar; acabou chutando 10 horas por semana; quanto lucrava por mês? em torno de 50 reais;
(chegamos à parte do questionário que trata do trabalho doméstico)
-Quantas horas você dedica às atividades domésticas?
-Ih, moço, eu não paro não, é o dia todo num corre-corre (ela tinha empregada doméstica [e quando eu cheguei ela estava sentada na poltrona vendo "Vale a Pena Ver de Novo" enquanto a empregada passava a roupa])
-Mas dona Fulana...a senhora poderia calcular aproximadamente o tempo gasto efetivamente com as tarefas domésticas: cozinhar, lavar, passar roupa, limpar a casa...
-É como eu tô dizendo meu filho, é o dia todo, eu não paro não... dois filhos pequenos (se não me falha a memória uma tinha 9 e o outro tinha 15), a gente não pode nem descansar...
Chegamos à parte do marido e ela respondeu que ele tinha uma barraca de cachorro-quente, que trabalhava cerca de dez horas por dia, lucrava 1500 por mês; "ajuda nos afazeres domésticos?", pergunto:
-Quem? O beltrano? Não faz nada, chega em casa tira o tênis e fica vendo futebol na televisão?
-Mas ele não faz nenhum tipo de atividade doméstica mesmo? Não troca lâmpada, não carrega as coisas pesadas de um lado para o outro quando a senhora está limpando a casa, não faz os furos na parede quando vai instalar um eletrodoméstico?
-Ah sim, isso sim...
-Então quanto tempo por semana eu posso marcar que ele gasta?
-Ah, põe umas 5 horas
Casas como estas são a regra ABSOLUTA na Pnad, de cada 10 que eu faço 6 ou 7 vão por este caminho. Daqui a um ano o Ibge divulga os resultados e o Jornal Nacional, o Jornal Hoje, as revistas femininas vão lançar mais algumas daquelas matérias com títulos do tipo "Mulheres trabalhadoras ainda respondem por 80% das atividades domésticas" ou "Dupla jornada : mulheres que trabalham e cuidam de afazeres domésticos ainda sofrem como no século passado"
Tudo porque os belíssimos estatísticos do Ibge ainda não entenderam duas coisas tão elementares:
1.Que para que esta conclusão (se há ou não discrepância no tempo gasto por mulheres e homens em atividades domésticas) seja válida é preciso que ela só sejam consideradas (para este efeito) as residências onde a carga horária produtiva de marido e mulher sejam idênticas ou muito próximas; e o percentual de participação no orçamento doméstico, idem.
AS MULHERES QUE TRABALHAM EM ATIVIDADES PRODUTIVAS TRABALHAM MENOS TEMPO [EM MÉDIA] DO QUE OS HOMENS [QUEM DIZ É A PRÓPRIA PNAD] ENTÃO É NATURAL QUE ELAS EXERÇAM MAIS TEMPO DE ATIVIDADES DOMÉSTICAS E ISSO NÃO IMPLICA EM EXPLORAÇÃO MACHISTA E NEM JUSTIFICA A APOSENTADORIA MAIS CEDO.
2.Que homens e mulheres tendem a responder a mesma questão: "Quanto tempo você gasta com os afazeres domésticos?" de modo diferente (e que, em geral, as mulheres respondem a esta mesma questão de modo diferente dependendo de se estão falando por elas mesmas ou em nome do marido; e que na imensa maioria dos casos quem responde ao questionário da Pnad pela casa toda é a mulher e portanto é em tendência delas, mulheres, que a pesquisa é distorcida). Então ou questão tem de ser reformulada ou têm que ser calculadas margens de erros diferentes para um e para outro grupo (margem de erro diferenciada, que que eu tô falando? As pesquisas divulgadas pelo IBGE não apresentam margem de erro nenhuma, quanto mas diferenciadas em função disso ou daquilo, como reza a receita).