Um tenta ditar qual o único grande culpado da violência carioca (o consumo e o tráfico de drogas, segundo os idealizadores do filme; o tal PM que fez o livro, cujas "idéias" são expressas em off durante toda a fita; e a grande parte da "imbecilância" popular ). Até aí morreu Neves. Fazer com que essa ignorantada compreenda que os tiroteios nas favelas, que as mortes de viciados com dívidas, que a superlotação nas cadeias, que a vinculação das drogas ao roubo, ao sequestro e a outras agressões a propriedade e a vida são resultado da criminalização das drogas (e de outros muitos fatores), e não delas em sí parece mesmo impossível... Não sei como os holandeses conseguiram...
O poder do narcotráfico , no nível em que se encontra no Rio de Janeiro , com tudo o que ele significa ( áreas urbanas e populações sob seu domínio , corrupção policial e de outras esferas do poder público , tráfico de armas e conexão com roubos e furtos) vem de dois fatores: o consumo das drogas e a omissão de décadas do poder público nas áreas pobres da cidade.
É óbvio que o financiamento do tráfico vem dos usuários : ele é , embora ilegal , uma atividade econômica com suas áreas de produção , distribuição e comércio , está submetido às leis econômicas relacionadas à oferta e procura , como qualquer empresa capitalista tem por objetivo principal maximizar os lucros e garantir sua expansão.Que o faça por métodos criminosos é inerente ao fato de ser ilegal mas a essência capitalista do negócio não muda. Se não houvesse consumidores ou eles estivessem em redução o narcotráfico não teria a capacidade de manter empregados os "trabalhadores" que necessita nem de garantir os insumos básicos para sua manutenção ( aquisição de drogas , armas,meios de transporte , corrupção de autoridades ,etc...). E isto tanto é verdade que a forma mais eficiente de pressionar o tráfico é estrangular o consumo , pelas própias características da atividade ilegal eles dependem de um fluxo regular de suprimentos pela dificuldade de acumular estoques em quantidade. Um exemplo clássico disto foi a forma como o Exército agiu quando do roubo de armas no ECT ( Estabelecimento Central de Transportes): não brincou de Rambo invadindo o Complexo do Alemão mas organizou barreiras para , principalmente , coibir o tráfego dos usuários e dos vapores ; em uma semana as armas foram recuperadas ( deixadas em São Conrado).
Mas este poder só atingiu tal nível no Rio de Janeiro pela forma como o poder pùblico agiu ( e age) com as áreas pobres da cidade há um século:segregando em áreas periféricas , alijando estas áreas dos serviços públicos essenciais e da presença do Estado. Bastava que surgisse uma atividade econômica que pudesse ser baseada na área periférica , garantisse uma lucratividade adequada para que o poder da área fosse assumido de forma eficiente por algum grupo.
Até o final da década de 60 os grupos criminosos que dominavam as favelas e áreas pobres ( "o morro") garantiam seus recursos com roubos e furtos , e portanto dependiam das áreas urbanizadas (" o asfalto"); por serem espoliadores não estabeleciam uma " relação de parceria" com outros setores fora do morro e portanto , eram alvo fácil de eliminação pela repressão do Estado.Os narcotraficantes atuam como empresários e têm o asfalto como seu mercado consumidor , a procura alimenta a oferta , o asfalto sobe o morro e surge a base para um poder mais estável com uma parceria baseada na corrupção e no favorecimento.
Mas assistir um filme que PREGA que a polícia, em nome do combate às drogas deva ter o direito de usar meios como tortura e assassinato. E pior, insinuar que esta polícia é modelo em relação a outra que prefere receber um capinzoinho na mão e deixar a coisa rolar...
Não considero que o filme pregue a tortura e o assassinato como forma de combater a violência , acho que fica claro que a forma de tratar o tráfico leva á corrupção e/ou desvirtuamento de todos os representantes do estado envolvidos ; no caso do BOPE por ser levado a lutar uma guerra em o outro lado faz uso de violência extrema com armamento pesado e seus teóricos aliados ( o restante da corporação) são ou ineficazes ou corruptos acaba pela própia lógica do embate a romper os limites do uso civilizado da violência.
O mais importante ao ver o filme foi o que não vi: nenhuma outra intervenção pública sobre as áreas do tráfico que não fosse a da polícia , seja como receptadora do arrego seja como repressora.
E no final fica a impressão de um combate inútil , sai o Cap Nascimento , entra o Asp Matias , outro assumirá o lugar do Baiano no comando da favela e assim
ad nauseam