a acessibilidade da cultura adquiriu outro significado na última década. tornou-se acessível em um sentido que não era antes. eu me refiro, claro, à internet, a que hoje quase qualquer um tem acesso. há bibliotecas inteiras disponíveis, gratuitamente, pelo que somente se exige em troca uma coisa: interesse. e aí tenho de concordar com você que a cultura ainda é inacessível a muita gente, que sem esta preciosa chave só se abre o orkut. então temos de um lado toda a cultura, deitada numa mesa como que pronta pra ser comida, e um monte de gente na outra sala que nunca pensou em ver o que tem do outro lado da porta. basta que alguém vá e abra a porta, certo? se fosse tão simples...
a escolha pelo 'caminho intelectual' é individual, mas é claro que há influência do ambiente. entretanto, o professor está longe de ser autoridade (de fato, parece que é algum tipo de autoridade reversa, a que se obedece ao contrário) e os pais cada vez mais perdem a autoridade deles também. boto a culpa em um século de iconoclastia.
jogar a batata pro estado é inócuo; já temos décadas de atividade do "estado cultural" e deu pra ver que não adiantou muita coisa. e por algum motivo dá pra intuir que por mais que a atividade se intensifique em dez vezes, nada vai mudar.
Yap, num ponto você tá certo: há também o fator "interesse pessoal". Ele ajuda a explicar, por exemplo, o porquê de algumas pessoas que estudaram no Notre Dame, no PH, no Colégio Militar se amarrarem no pancadão da Furacão 2000 e nos filmecos produzidos em Los Angeles. Ajuda também a entender os motivos que levavam um moleque favelado (
moi) que até por volta de dois anos atrás se sustentava vendendo doces e refrigerantes nos ônibus do Rio a se enfurnar em bibliotecas públicas pra ficar lendo Ferreira Gullar e Bertold Brecht (hábito que o ajudou a ser classificado em todos os vestibulares que prestou -e não foram pra Pedagogia nem pra Enfermagem: foram pra Direito na Unirio e Jornalismo na Uerj entre outros- e, no final das contas, em um concurso público que lhe tirou, senão da pobreza, pelo menos da pobreza extrema).
Sim, há outros fatores: ambiente, como você disse, certamente é um deles. Nada disso nega a importância dos fatores estímulo e acesso. Sabe porque eu citei o CCBB lá atrás? Porque além de este ser o patrimônio cultural mais
cult, chic, in, da hora e et cetera do Rio de Janeiro foi lá que eu lí quase toda a obra de Ferreira Gullar, foi lá que eu li Sartre pela primeira vez, foi lá que eu assistí palestras sobre comunicação social ministradas por gente como Gabeira e Marcelo Taz... Tudo bancado (ao menos em parte) pelo Estado. Contrariando o que foi dito pelo Herf (sobre não se ver gente das classes C e D) e reforçando o que foi dito por mim (sobre, se o Estado não bancasse, o acesso ficaria muito mais restrito do que já é) : quando eu estava no Ensino Médio íamos sempre em um grupo de três (Eu, Anderson e Rodrigo) para visitar as exposições e gastar umas horas na biblioteca. Ao final do curso três dum universo de 35 alunos tinham conseguido vaga em pelo menos uma pública. Eu e o Anderson éramos dois deles. Se não houvesse um CCBB (e o MNBA, e a Biblioteca Nacional e a Biblioteca Estadual que não são tão bacanas, mas que nós visitávamos de vez em quando também) bancado pelo estado, com serviços gratuitos ou a preços módicos, provavelmente o nosso interesse não teria sido suficiente.
Só para termo de comparação quanto à diferença que patrimônios como este dão à possibilidade de acesso: o ingresso às salas de exposição do CCBB é franco, ao Centro Cultural Caixa também, ao Paço Imperial idem , ao MNBA é de 4 reais inteira, 1 real para estudantes e gratuito para estudantes de escola pública e para o público em geral aos domingos. O acesso ao MAM (o único grande museu privado daqui) custa 16 reais inteira, 8 reais para grupos agendados e 5 reais aos domingos.
Em relação à internet. Eu acho mesmo que ela deve servir como uma ferramenta de democratização do acesso ao saber (embora ela não substitua por inteiro as outras ferramentas; você há de convir, por exemplo, que ler e-books na tela do computador é uma tarefa quase impossível). Há de convir também que as discussões estéticas e ideológicas numa sala de exposição valem muito mais do que a mera observação da obra exposta, e isso é difícil de obter na internet. Mas a internet realmente facilita o acesso ao saber e muita gente joga no lixo esta facilidade. O único problema é que em nenhum momento eu levei em conta os que poderiam ter acesso e não têm porque não querem ou porque não estão aptos. Eu estou em pé exatamente do outro lado desta linha Rodion. Do lado dos que têm aptidão e/ou interesse mas que não teriam acesso a este produto de luxo (porém nem um pouco supérfluo) que a cultura de qualidade representa.