O videomaker deu um exemplo claro de como tipicamente tentam apenas fazer troça, ridicularizar as explicações científicas, e propor que seja simplesmente mágica, em vez disso.
O materialismo interacionista: esse é provavelmente o materialismo mais popular. Nele, a consciência (experiência subjetiva + auto-consciência) "emerge" dos estados neurais (na verdade, apenas de alguns estados neurais) e é idêntica a eles. É um modelo bonitinho e bem coerente. Mas ele tem, infelizmente, alguns probleminhas...
A primeira questão é, por quê a experiência subjetiva "emerge" de alguns estados neurais e não de todos?
Aqui se vê o desespero da coisa, e os diferentes padrões de aceitação. Qual é a relevância da experiência subjetiva surgir materialmente de uns estados e não de todos? Não me parece nada inesperado, mas ele pergunta como se isso fosse um tipo de problema, como se, por algum motivo que ele se isenta de expor, fosse previsível que todo e qualquer estado mental devesse ser consciente, supondo que os cérebros tenha mesmo as funções que se supõe ter em vez de ser um monte de carne cinzenta inútil que consome uma enorme quantidade de energia sem fazer absolutamente nada.
E como isso é mais favorável para a hipótese de que o cérebro é um lixo inútil, e de que a consciência está numa mente imaterial flutuante? Porque isso preveria a experiência apenas em alguns estados cerebrais, e em outros não?
De quais estados neurais a experiência subjetiva emerge, e de quais ela não emerge, e por quê? Essa primeira questão é tão grave que já se chegou a dizer que o lado direito do cérebro não possui consciência (nas pessoas submetidas à cirurgia de seccionamento do corpo caloso - split brain patients - segundo relatado pelo físico Roger Penrose em "A Mente Nova do Rei", 1989, pg 427). Isso pelo menos até o aparecimento de um paciente cujo lado direito do "cérebro" (do córtex cerebral) dizia querer ser corredor automobilístico, enquanto o lado esquerdo alegava querer ser um "desenhista" ("draftsman" no original - breve relato disponível Neste Link). Qualquer dia vai aparecer alguém cujo cerebelo alega querer ser carpinteiro, a base cerebral alega querer ser violinista, as amígdalas cerebrais alegam querer ser assistente social, e os nervos do dedão do pé alegam querer ser auxiliar de babá em creche... Ou seja, a neurociência cognitiva está mais enrolada do que normalmente se imagina
Enquanto o "imaterialismo cognitivo" está num mar de tranquilidade por ser isento de necessidade de provas...
basta ficar apontando o que se julga ser confusão, ridicularizar as descobertas dos investigadores que fazem de fato um trabalho de investigação, e isso é prova da minha teoria... se eu acho improvável que a Lua seja da composição mineral defendida pelos cientistas, e se há outros cientistas acham que pode ser de outra composição mineral devido a observações que fizeram, eles são uns otários confusos, e é claro que a Lua é de queijo. Parmesão.
e corre o risco de acabar se confundindo com alguma forma de pampsiquismo (de certa forma, os modernos conceitos de "multi-mind" e "society of minds", segundo relatados por Stan Franklin no livro "Artificial Minds" - 1995 -, bem como até mesmo a própria idéia dos memes, segundo Susan Blackmore, são conceitos que remetem a isso, ainda que de modo introdutório e não muito claro).
São coisas
muito diferentes, memes (um tipo de metáfora para cultura) e isso dos hemisférios cerebrais (ou eventualmente subpartes deles) serem mais autônomos ou terem funções específicas.
Um segundo problema do materialismo interacionista é, já que a experiência subjetiva emergiu provavelmente através de processos evolutivos neo-darwinistas, qual a vantagem adaptativa que a experiência subjetiva confere? A primeira impressão é que na verdade a experiência subjetiva não confere absolutamente nenhuma vantagem adaptativa, e os sistemas poderiam viver muito bem sem ela, obrigado. Então por quê essa joça surgiu? Ou seja, aos materialista interacionistas cabe um enorme ônus de identificar e explicar qual a vantagem adaptativa da experiência subjetiva, se é que há alguma. Só aí poderemos falar em subjetividades para todos (uma espécie de Fome Zero materialista)! Se não houver tal vantagem adaptativa, então é bem provável que a experiência subjetiva seja facultativa, e rara, mesmo entre humanos.
Mais pesos e medidas diferentes, bem como um pouquinho de ignorância básica em biologia evolutiva.
Por que a experiência subjetiva "imaterial" se isentaria da necessidade uma explicação evolutiva, para começar? Se isso é proposto, tem um trabalho adicional muito maior pela frente do que simplesmente provar que existe o vago "meio imaterial" como base, para começar.
Em segundo lugar, as coisas não surgem simplesmente por necessidade ou vantagem adaptativa inerentes a elas próprias, mas podem em muitos casos ser subprodutos de coisas distintas que tinham suas próprias vantagens. Esses subprodutos podem também ter as suas vantagens, de qualquer maneira.
Quanto a uma eventual vantagem adaptativa, só posso especular. Suponhamos que ela não existisse em algum grau de desenvolvimento cerebral bem primitivo. E eventalmente, algo a criasse, e desse ao organismo esses "rótulos" perceptivos, os qualia, para as coisas do mundo "lá fora". Isso não é tão inútil como ele quer fazer parecer, é a base de todo nosso meio de vida cotidiano, interagimos com o mundo através desses "rótulos", e é muitíssimo provável que seja similar para seres com cérebros suficientemente similares. Por exemplo, que gatos, também "vejam" e tenham a experiência subjetiva de ver uma presa, e que isso os permita capturá-la. Não se tem conhecimento de seres que tenham cérebros e sejam com 100% de certeza "zumbis filosóficos", desprovidos de experiência subjetiva. Ao mesmo tempo, sabemos que esses rótulos são sim, controlados pelo cérebro, através de anomalias como a sinestesia. Quando, em alguns indivíduos, "rótulos" sensoriais de um sentido são acidentalmente ativados pela percepção de outro sentido; fazem com que cores ativem o sentido do cheiro, música tenha sabor ou cor, etc. Se pensa que isso se deve à adjacência de áreas cerebrais, que um tipo de "mal contato", faz "vazar" o estímulo que iria apenas para a área responsável por criar o rótulo perceptivo de um estímulo sensorial, para a área vizinha, responsável por outro rótulo.
Como se isso não fosse o bastante, há de fato alguns indícios de que a experiência subjetiva não serve para nada, constituindo tais indícios em um terceiro problema para o materialismo interacionista. Me refiro a situações como as relatadas por Susan Blackmore em OBE (out-of-body experiences, experiências fora do corpo), onde por vezes a "consciência" (experiência subjetiva) se percebe "deixando o corpo" mas vê o corpo atuando normalmente (conversando, etc).
Algo similar ao que pode ocorrer nos sonhos, uma criação mental do nosso corpo visto por outro ponto de vista; não é que os olhos não sirvam para nada, e não tenham função ótica; essa visão é uma criação da mente com dados que simulam aqueles fornecidos pelos olhos, tal como ocorre nos sonhos.
E por que isso provaria que a experiência subjetiva não serviria para nada?
Na fenomenologia mediúnica isso também ocorre por vezes. Há também o altamente similar estado de mindfulness, conforme descrito por Benjamin Libet (em Editors' Introduction: The Volitional Brain Towards A Neuroscience of Free Will - Journal of Consciousness Studies, 6, No. 8-9, 1999, pp. ix-xxiii Benjamin Libet, Anthony Freeman and Keith Sutherland). E há também os bizarros e perturbardores fenômenos estudados e relatados pelo próprio Libet (no mesmo artigo acima) implicando na possível não existência de livre arbítrio, ou seja: a experiência subjetiva se percebe desejando, optando, e deflagrando o exercício da opção; mas o corpo já acionou o exercício da opção antes mesmo da "consciência de fato se sentir atuando". Em resumo, a experiência subjetiva não serviria para nada e, conseqüentemente, seria facultativa à luz da hipótese materialista evolutiva (zumbis por todos os lados! Esse Universo é um verdadeiro Quilombo).
Isso apenas supondo que a experiência subjetiva estão de costas para a cortina de onde vem todos os processos cerebrais que determinam todo o comportamento, sem que nada vá da consciência para trás dessa cortina. É uma possibildade, mas também não é de forma alguma uma refutação para a função cerebral da conciência ser algo real.
Esses dados aproximam o materialismo interacionista do materialismo epifenomenalista, e remetem também a possíveis violações da primeira lei da termodinâmica. Costuma-se dizer nos meios céticos mal informados que o espiritualismo viola a primeira lei. Isso é falso. Na verdade, é o materialismo que potencialmene a viola (mas cá para nós; eu não tou nem aí com a primeira lei!).
Eu não faço idéia de como o materialismo da consciência poderia violoar qualquer lei, muito menos o "imaterialismo", que nem suspeito o que poderia ser, para que fosse algo que pudesse violar qualquer lei material. :como:
Mas não acabou ainda. Mesmo que se consiga mostrar uma utilidade evolutiva para a experiência subjetiva, ainda haverá um quarto problema para o materialismo interacionista, que é o que eu costumo chamar dos "Qualia Ocultos" (Hidden Qualia). Aparentemente, além do estado de consciência normal, possuímos vários outros onde inclusive brotam experiências (qualia) absolutamente sem função e/ou vantagem evolutiva (presumivelmente). Libet, no artigo dele citado acima, narra uma esperiência mística desse tipo vivenciada por Krishnamurti. Kenneth Ring comenta sobre pacientes que tiveram NDE (e também pessoas em estado meditativo) onde relatam terem visto em todas as direções ao mesmo tempo (omnidirecional e 360 graus - descrito no livro "Mindsight", 1999, pg. 161-162 - um paciente disse: "Three hundred and sixty degree spherical vision. And not just spherical. Detailed!"). Pra que diabos serve uma coisa dessas dentro do paradigma materialista interacionista?
Isso é mais ou menos se perguntar "para que serve ficar bêbado no paradigma materialista?"
São alterações dos estados normais de consciência, produzindo ilusões, talvez a partir de coleta de dados reais e inferências bem elaboradas, e não provas de que os órgãos sensoriais e o cérebro não servem para nada.
Penrose narra, em "A Mente Nova do Rei", pg. 468, casos de um globalismo de experiência subjetiva extrema, envolvendo criações (ou descobertas) matemáticas de Poincaré e também criações musicais de Mozart. Deveríamos inclusive lembrar o intrigante fato de que muito disso que se encaixa no que eu chamo de Hidden Qualia fornece paralelos justamente com a mecânica quântica, conforme relatado e analisado por Fritjof Capra em "O Tao da Física". Ora, mas uma vivência da mecânica quântica está muito além da nossa experiência de vida conforme o esperado pelo materialismo interacionista evolutivo! Pra que servem então esses Hidden Qualia? Resposta: para nada!
Bem, é difícil de comentar algo, porque está tudo apenas descrito brevemente como se fosse dado certo, apesar do livro citado não ser um periódico científico, mas um livro no qual o autor poderia escrever sobre quaisquer livre-associações entre misticismo e ciência contemporânea e publicar livremente.