Souto, acho que são três os pontos, ambos bem reprisados aqui, mas nos quais você não tocou. Concordo com as suas colocações e acho que ninguém está discordando, mas, os pontos chave são:
1. Os desvios psiquiátricos que você afirma existirem e que levam a grandes cargas de suicídio, surtos depressivos, etc... são resultado ou causa da sensação de se ter nascido no corpo errado? Se verdadeira a segunda hipótese (como me parece) não é o caso de se tratar "psiquiatricamente"?
2. Insatisfações em relação a outros aspectos naturais; como com o tamanho do pênis ou com o tamanho dos seios ou com as linhas faciais (feiura) ou com o fato de se ter nascido com face de gente e não de porco não podem levar a crises depressivas, com potencial aumento dos casos de suicídio, violência familiar, etc? Se sim (e me parece muito óbvio, mesmo não sendo médico, que sim) então deveriam ser oferecidas sessões de peeling, botox e body modification na rede SUS?
3. Considerando que não estamos deixando o boi colocar o açougueiro a venda. Levando em conta a hipótese de o mal dos transexuais seja realmente terem nascido num corpo errado e não o de terem desenvolvido um delírio psicótico. Não é um contrasenso que o SUS, que não trata de doenças tão mais simples de serem tratadas e tão mais maléficas ao organismo, ao psique e ao convívio social (como a cárie dentária) passe a bancar tais cirurgias?
Dionísio , o SUS tem por finalidade e obrigação oferecer tratamento para toda a população tendo como um dos princípios a integralidade , definida como "conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema". Isso significa que , seja o tratamento de uma micose de pele ou um transplante cardíaco , se uma patologia tem tratamento definido ( ou , o que é mais comum, várias opções de tratamento) é direito do cidadão que ele seja oferecido pelo SUS.
A definição de quais tratamentos têm embasamento em evidências científicas para serem oferecidos à população é responsabilidade dos orgãos de gerência técnica do SUS , entre os quais se inclui a ANVISA , a partir dos consensos e diretrizes das diversas sociedades de especialidades ; existem câmaras técnicas do SUS para a análise dos tratamentos a serem oferecidos nas diversas modalidades.
Portanto para que um tratamento médico possa ser ministrado ( seja pelo SUS ou não) ele tem que ter evidências científicas suficientes de sua eficácia ou então ele é proibido; exemplo é a auto-hemoterapia que foi condenada pelo Conselho Federal de Medicina a partir de parecer de sua câmara técnica de Hematologia , estando o profissional que a praticar sujeito a processo por transgressão ética.*
Então vamos separar as duas questões distintas que estão misturadas: o direito a um tratamento pelo SUS e a capacidade do SUS de fornecer tal tratamento.
Se a cirurgia de troca de sexo é um tratamento para o distúrbio da transexualidade com embasamento na melhor evidência científica disponível então , pelo que está disposto na Lei 8080 o SUS deve oferecê-lo. A indicação de quais indivíduos são elegíveis para realizar tal cirurgia deverá atender aos critérios da câmara técnica específica ( que no caso é a de Psiquiatria)
Agora se o SUS tem capacidade para cumprir a sua função de universalidade e integralidade do atendimento da saúde (e sabemos que não) é outra discussão , que envolve a gestão e alocação dos recursos.
Então quando o ministro declara que o SUS oferecerá a cirurgia de troca de sexo aos que tenham indicação para tal ele reconhece o direito destas pessoas ao tratamento ; quanto de recursos serão alocados para isso , que centros irão realizar a cirurgia ,etc...são questões técnicas a serem submetidas a análises posteriores.
Não tenha ilusão que será fácil para um transexual fazer tal cirurgia , possivelmente a fila de espera será longa...
* Antes que alguém lembre , lembro eu: sim ,a Homeopatia é uma aberração no critério de definição de tratamentos aceitáveis.