Felipe, "juro" (melhor, dou minha palavra se ela serve de alguma coisa) que da primeira vez que deparei com esse tipo de problema o entendi exatamente como é sem nem mesmo pensar a respeito. Simplesmente "vi" o processo como ele é. Talvez a minha tentativa de explicação abaixo esclareça para você o porquê disso. Não importa, na verdade, se somos grandes matemáticos com mentes treinadas. Mentes treinadas podem enxergar com maior clareza que antes do treino aquilo em que foram treinadas. Mas, para o desconhecido, a mente mais preparada é a que aceita com facilidade as coisas como elas são. Lamentavelmente, eu digo a você que sua insistência em apostar na trascendência (sobre)natural do eu irá fazer nada mais que dificultar suas análises da realidade. A medida do quanto se enxerga as coisas com clareza é inversamente proporcional a quanto o indivíduo descarta-se a si mesmo como algo real. A razão não pode ser outra: não somos reais.
Pelo que vi, o uiliníli desenhou o melhor mapa para o tesouro. Mas faltou em ensinar como "usar" o mapa, ou melhor, como o mapa funciona; para uma mente humana típica, "por que" ele funciona?
É muito simples: porque a distribuição é deterministicamente obrigatória!
Independentemente de quaisquer outros fatores, suas chances de acertar aumentam a cada vez cumulativa que você tenta. Ocorre que é necessário haver uma realimentação que apresente algum resultado para sua escolha (de qualquer forma que seja) para que tentar de novo "faça sentido". O que ocorre aqui (a abertura de uma das portas sem prêmio) é apenas um pretexto para o participante fazer duas tentativas. Não é essencialmente diferente, em termos de probabilidades, de permitir que se tente duas vezes, abrindo, a cada vez, a porta escolhida. Apenas garante um pouco mais de emoção ao programa no caso do prêmio estar na primeira porta escolhida.
Mas... por que é realmente assim? Por que isso acontece assim? Porque nós não existimos, só acontecemos!
Acho que isto apresentará uma questão mais visível ainda. Fazer a pergunta (mais) certa. Se, em lugar de fazer, inicialmente (ou a qualquer tempo, no caso da "escolha interna" que não é exigida desde o início), a decisão por duas "escolhas" ou uma só, você for perguntado se deseja uma ou duas bolinhas para lançar num dispositivo condutor "aleatório" de ramificação tripla com cada uma das saídas coduzindo a cada porta, quantas você escolheria? Fica mais claro assim? As bolinhas têm tanto poder de acertar quanto você. Nossas "escolhas" não são mais que bolinhas que caem "aleatoriamente". Quantas mais, melhor. Só não pode haver o reembaralhamento, que equivale, aqui, a nenhuma informação sobre o resultado de cada "escolha"/tentativa. Essa informação altera o espaço da segunda tentativa, acumulando chances, ou seja, junto com o espaço da primeira tentativa.
Não é que a primeira escolha seja melhor ou pior que a segunda. É que duas são melhores que uma. E a *crença* de que pode ser melhor ou indiferente a permanência na única "escolha" (assim como a de que, na segunda "escolha", a probabilidade é de 50%) é a mesma crença de que existe um "eu" com alguma capacidade sobrenaturalóide-transcendentóide-metafisicóide-insondavelóide de saber atrás de qual porta se encontra o prêmio. Eu percebo que isto não é percebido diretamente pela esmagadora maioria; fica como algo difuso, subliminar; mas está lá, como o "peso a mais" da união metafísica de graves em queda.
E, Feynman, é a mesma *crença* de que existe um "eu" teorizador prévio a qualquer experiência (MESMO COM O ACÚMULO DE TODAS AS EXPERIÊNCIAS ANTERIORES QUE JAMAIS COMPÕEM ALGO COMO UM "EU" "REAL"). Como eu já disse repetidas vezes, um pensador científico, *sistematicamente*, muda suas perguntas de acordo com as respostas que encontra (esta é sua plasticidade e, quanto maior ela for, isto é, quanto menos importar e for significativo o que ele já tem, mais científico será seu raciocínio) e, de modo algum, busca respostas para suas perguntas, como fazem pensadores não-científicos (esses têm pouco dessa plasticidade, suas mentes são muito inerciais, acreditam que existe um 'princípio' neles que constrói algum conhecimento objetivo, alguma ciência); só a experiência, a interação *que altera a estrutura da máquina cognitiva* constrói ciência e as próprias facetas do "eu" ilusório; intrinsecamente, não existe nenhum "eu" para teorizar nada.
Não existe escolha alguma aí; apenas distribuição de tentativas.
O extraordinário da estatística é que ela evidencia, de um ponto de vista amplo, que não há aleatoriedade na natureza mas, tão só, ignorância por parte dos observadores interagentes que somos. Isto, para mim, reitera a conclusão de que não existo além da estrita funcionalidade física.
É de produzir sensação de mágica observar como "eventos aleatórios" tomados em conjunto crescente passam a oferecer determinística previsibilidade. Tão aparentemente mágico que custa ao menos atento perceber que, simplesmente, por haver dois lances, a previsibilidade aumenta. No primeiro lance, você, simplesmente, tem mais chance de estar errado que no segundo. Se você permanece nele, continua com apenas um lance (você não existe, nem em ilusão, quando não age) e nada muda com relação às suas chances iniciais. Mas, se faz outro lance (que seja cumulativo), suas chances aumentam. Só existimos enquanto acontecemos, ou seja, não mudar uma escolha não é, externamente, fazer uma outra escolha. Temos que fazer novos lances para que tenhamos maiores chances e, de fato, as temos aumentadas quando os fazemos, independentemente de quaisquer outros fatores! Na segunda escolha, mesmo as alternativas tendo-se reduzido a duas, ainda permanece aquele resíduo "mágico" da primeira escolha, alterando o resultado probabilístico se for feita uma segunda escolha efetiva (diferente/"independente" da primeira, ainda que não necessariamente outra, ou seja, *cumulativa*; pode parecer complicado, mas quem pensar bem e for capaz, talvez não nessa ordem, vai captar).
O que ocorre é que quando muitas tentativas são executadas, tende-se ao determinismo *analisável* e distancía-se da "aleatoriedade" que apenas *parece* caótica, isto é, da ignorância da incompletude (mais ou menos aquela de Gödel mesmo). Um resultado só existe em conjunto com todos os outros; ele não "se prova a si mesmo" sozinho. Mas todos "acontecem"/existem, inexoravelmente, no espaço, no tempo, em qualquer matriz dimensional, e provam-se uns aos outros. O que problematiza tanto a coisa para muitos é a ilusão de potenciais ramificações de eventos ensejada por uma dimensão como o tempo. Quando o tempo "passa", nenhuma dúvida fica a não ser a da mesma ilusão de que "poderia ter sido diferente", tão improvável quanto o "futuro" mas não tão negável quanto. Eu não disse?
E pode ser comprovado na prática, o que reevidencia, pela googlésima vez, que a indução é a única via possível para um iludido sem chances! Então, quando tudo mais falhar, experiência objetiva. Você pode experimentar e descobrir se obterá mais acertos na segunda escolha, mudando-a e não mudando-a. Mas tudo é estatístico e você só perceberá isso com um número relativamente grande de ensaios e dados; nada te dará garantia de acertar, numa única sequência, mudando sua segunda escolha. Foi aí que até Einstein empacou, entendo eu, recusando-se a aceitar que a realidade física não está, necessariamente, submissa à sua visão "realista". Na verdade, Bohr foi mais realista que ele. Mas isso é uma outra história... (talvez...)
P.S.: Acho que deve ter ficado óbvio porque coloquei "escolha(s)" sempre entre aspas. Não existem escolhas, só acontecimentos.