O capitalismo é um sistema baseado no acúmulo de capital
Não. É um sistema baseado na propriedade privada e na liberdade econômica.
Bom, discordo desta caracterização porque liberdade econômica e propiedade privada
não são características exclusivas do modo de produção capitalista.
A característica essencial de um modo de produção ( aliás de qualquer modo de produção) é dada pela forma como se distribui a propiedade dos dois componentes fundamentais de todos eles: os meios de produção e a força de trabalho. No caso do capitalismo , o empresário possui os meios de produção e o trabalhador a força de trabalho , vendendo esta para aquele por um tempo estipulado em troca de um salário.
As características sociais , políticas , ideológicas que este modo de produção assumirá em cada caso específico não mudam o fato de continuar sendo capitalismo.
Quanto a desigualdade social:
Do ponto de vista histórico o surgimento de uma diferenciação social dentro de uma comunidade humana se inicia - até onde os achados arqueológicos e observações etnológicas permitem inferir - a partir da revolução neolítica , com o desenvolvimento da agricultura. Isto representou um enorme avanço para a humanidade: o fato de alguns indivíduos poderem se dedicar `a tarefas específicas ( artesanais , religiosas, etc...) permitiu que a cultura humana se desenvolvesse e se tornasse cada vez mais complexa. Portanto a desigualdade social , ou para falar em outros termos , a divisão da sociedade humana em classes representou um fenômeno histórico altamente progressista. Até este ponto , é a interpretação de Marx ( com a qual concordo).
A questão é que, para Marx , com o modo de produção capitalista atingimos o ápice do que uma sociedade dividida em classes sociais pode atingir ; o seu própio sucesso se torna sua nêmesis e as forças produtivas que conjura se voltam contra ele na forma de crises recorrentes e destruição periódica das própia forças produtivas (1). A produção no capitalismo já é social ( nos conglomerados industriais ) mas a apropiação do sobreproduto gerado continua sendo pelos capitalistas como classe ; esta característica é que levaria às crises sistêmicas periódicas.
A decorrência seria que os trabalhadores , que só tem como propiedade a própia força de trabalho , tornam-se uma classe puramente humana , a primeira classe cujos interesses própios pela primeira vez na história se confundem com os interesses da humanidade ( 2). A passagem da propiedade dos meios de produção para os que já possuiam a força de trabalho criaria uma sociedade de produtores associados , eliminaria a divisão da sociedade em classes (já que todos seriam propietários) e permitiria a manutenção da evolução econômica e social em outro patamar , suprimindo as crises periódicas e o desperdicio do trabalho humano.
As observações de Marx sobre o socialismo são absolutamente genéricas , mas em alguns textos tardios ele se permite imaginar que a sociedade continuaria a ter divisões internas , mas não pela existência de classes e sim por diferenças em concepções de vida e de gestão da sociedade.
Quanto à mais-valia:
Todo mundo - que não é marxista

- taca pedra em Marx por ter postulado a mais-valia como fonte do ganho do capitalista. Sinceramente não vejo porque.
Todo modo de produção tem que ter a criação de mais valor no produto do que aquela que foi investida nos insumos da produção. Se isso não ocorresse teriamos com o comércio ( tirando a hipótese de fraude ou roubo) apenas a circulação de valores mas não a criação de novos , nem desenvolvimento e aumento da complexidade econômica.Ninguém investe para produzir algo para comerciar que não lhe traga um lucro , simples assim.
A nível social é a geração de um valor excedente na produção que vai permitir que a diferenciação social que referi acima surja e se complexifique , uma sociedade que não gerasse sobreproduto permaneceria estagnada , vegetando a nível da subsistência e pereceria ( como talvez muitas na pré história).
A questão é que Marx coloca que - como em todo e qualquer modo de produção - no capitalismo este sobreproduto também é gerado , a despeito do trabalhador receber um salário , já que os produtos que ele cria com seu trabalho tem um valor maior que o dos insumos que foram utilizados ( incluo o salário nos insumos). Se não fosse para ter maior valor nos produtos do que gastou para produzi-los ninguém abriria uma empresa (simples assim II).
Ainda que se instaurasse o socialismo nos moldes aventados por Marx, o trabalhador continuaria a ter parte do valor por ele produzido não pago. Se não fosse assim , como dar conta dos gastos com o desenvolvimento e crescimento da produção , com os gastos em atividades necessárias á sociedade como um todo ( saúde educação , etc...) ? A questão é que , como esta seria uma sociedade de produtores associados . a mais-valia produzida socialmente ( como no capitalismo) seria apropiada também socialmente.
È claro que a concepção de Marx quanto ao socialismo , mesmo na forma genérica que ele faz nos seus escritos , se mostrou problemática. A maior prova disto é que mesmo organizações políticas que tomaram o poder para implantá-lo acabaram por gerar sistemas que simplesmente se tornaram contrários ao que ele propunha.
Agora , quanto às críticas de Marx à forma como o sistema capitalista funciona e às contradições que este funcionamento gera elas permanecem no geral mais atuais que a dos seus contemporãneos ( embora alguns ao criticar Marx esqueçam que ele escreveu sobre o capitalismo de 150 anos atrás).
1- A imagem do capitalista como o aprendiz de feiticeiro que não consegue controlar as forças que conjura é recorrente em Marx , assim como as referências à Fausto.
2- Aqui entra o uso de Marx de categorias hegelianas e mais tarde Lukacs desenvolve esta discussão no
História e Consciência de Classe , ainda não tive oportunidade de estudar esta questão de forma melhor , daí que o resumo que fiz está meio tosco.