O Equador, entre a crise e a integração continental *
por: Francisco Carlos Teixeira Da Silva,
Professor Titular de História Contemporânea/UFRJ
Após os episódios envolvendo o Estado equatoriano e empresas brasileiras (Petrobrás, Odebrecht, BNDES) a opinião pública no Brasil ficou com a impressão de que o novo caso somou-se ao contencioso entre Bolívia e Petrobrás e, no horizonte, com o mal-estar gerado pelas criticas da imprensa nacionalista paraguaia contra o Brasil. Neste cenário muitos se perguntam se a idéia de integração regional é, afinal, um bom negócio para os brasileiros.
Dada a sábia diversificação da pauta de negócios do país, ampliada fortemente nos últimos anos, o Brasil possui várias opções de comércio exterior, de investimentos e para a internacionalização de suas empresas. A proposta de uma integração sul-americana está ancorada num projeto maior, de larga duração, de construção de bases sólidas para a projeção internacional do país.
A maré nacionalista e estatizante que avança em países como Venezuela, Bolívia, e Equador não é, por si só, impeditiva a tal projeto. Vejamos: o comércio exterior brasileiro possui nos países da ALADI, o seu segundo destino (depois da União Européia) representando (entre janeiro e setembro de 2008) US$ 32,763 bilhões, enquanto os EUA aparecem em quarto lugar, com US$ 21,506 bilhões. Quando separamos a ALADI do MERCOSUL, este aparece, sozinho, como nosso quinto parceiro comercial, com um volume de comércio de US$ 17 bilhões. Temos saldo favorável com todos no bloco: Argentina, US$ 4 bilhões; Paraguai, US$1,1 bilhão; Uruguai, US$ 500 milhões. Com os países associados o quadro é o mesmo: com a Bolívia temos um saldo de US$ 750 milhões; Chile, US$ 800 milhões; Equador, cerca de US$ 632 milhões e com a Venezuela nosso saldo é de US$ 4,378 milhões. Ora, a acusação de “ideologismos” na pauta de relações exteriores do país é, diante deste quadro, muito difícil de sustentar.
Tais saldos comerciais são geradores de emprego, renda e de absorção de tecnologia no Brasil. Politizar o comércio exterior do Brasil, transformando-o numa batalha ideológica, é um grande equívoco.
É claro, também, que temos problemas. Certos parceiros sofrem uma imensa fragilidade de marcos regulatórios mínimos para investimentos. A Bolívia mal consegue definir o futuro de sua Constituição. O governo do Equador acredita que contratos comerciais podem ser regidos a manu militari.
Com a crise financeira mundial a América do Sul estará perante uma encruzilhada histórica. Ou aprofunda a integração continental, ou tornar-se-á um palco (e secundário) para as disputas das grandes potências. Caso a crise do mercado americano seja muito profunda e as compras do país despenquem, poderíamos ver uma China conjunturalmente ainda mais agressiva em mercados substitutos, em especial na África e na America Latina. Esbarraríamos, então, na concorrência chinesa muito mais ativa e dura em mercados terceiros de interesse do Brasil. Assim, cabe desde logo aprofundar acordos bilaterais e ampliar o MERCOSUL.
Além disso, a crise fará com que alguns países sul-americanos, altamente dependentes de commodities agrícolas e minerais em fase aguda desvalorização no mercado mundial, tenham dificuldades em cumprir uma agenda social intensa.
É neste cenário que caberia aos países como o Equador, por exemplo, considerar a efetivação de seus compromissos de progresso social e de integração continental. Utilizar, em face de qualquer crise interna, o nacionalismo panfletário como forma de manipular o movimento social é um cheque atualmente sem fundos.
Aos poucos um crescente número de formadores de opinião da sociedade brasileira sente-se saturado por ver símbolos de orgulho nacional arrastados para o interior de disputas domésticas de nossos vizinhos. É hora de nossos irmãos no continente entenderem melhor a realidade interna brasileira, avaliarem o ânimo de nossa opinião pública e o risco do Brasil voltar-se para regiões que ofereçam a garantia de um marco regulatório mínimo. Temos compreendido as particularidades e interesses de nossos vizinhos para poder avançar com a integração sul-americana. Cabe agora aos nossos parceiros agir de maneira recíproca.
* Publicado no jornal "O Globo" do dia 21/11/2008, sob o titulo "Governantes panfletários"
Confusão Equatoriana *
por: Daniel Santiago Chaves
Levando-se em conta a ameaça equatoriana de não honrar o crédito contratado junto ao BNDES, é necessário esclarecer que o fato vai além de relações diplomáticas e comerciais entre os dois países. A decisão põe em xeque o Convênio de Créditos e Pagamentos Recíprocos (CCR), fundamental para o comércio exterior dos países da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), principalmente em tempos de escassez de crédito internacional.
Através do convênio, os bancos centrais dos doze países (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai, Venezuela) se comprometem a aceitar, irrevogavelmente, débitos de importação e exportação que são compensados multilateralmente.
Como exemplo, se o Brasil importa US$ 100 milhões da Argentina e exporta US$ 90 milhões e, em seguida, importa US$ 50 milhões do Chile e exporta US$ 70 milhões e, ainda simultaneamente a Argentina importa US$ 70 milhões e exporta US$ 60 milhões para o Chile, após a compensação o Brasil receberá US$ 10 milhões do Chile. De US$ 440 milhões, há transferência de somente US$ 10 milhões, o que nivela as condições de competição com os países desenvolvidos e estimula o comércio intrabloco de produtos e serviços de maior valor agregado, cujo maior provedor é o Brasil.
No setor de infra-estrutura, as construtoras oferecem aos países crédito à exportação para disputar os contratos. No Brasil, os recursos são oriundos do BNDES e do Banco do Brasil/Proex, desembolsados em Reais e destinados exclusivamente a remunerar o que é exportado (mão-de-obra, equipamentos, materiais de construção e tecnologia brasileiros). A aplicação depende da capacidade de endividamento do importador, que terá seu balanço afetado pela dívida e, posteriormente, que devolver integralmente os recursos ao Brasil em Dólares Americanos acrescidos de juros.
O Seguro de Crédito à Exportação (SCE), com participação do Fundo de Garantia à Exportação (FGE), pode ser contratado pelo importador, pelo exportador ou mesmo pelo financiador para cobrir uma série de riscos comerciais e políticos, o que garante que o Banco Central brasileiro não seja afetado.
Não honrar os compromissos com o BNDES significa que o Equador ficaria inadimplente com os 12 países que fazem parte da Aladi. E como está na posição de credor, deixaria de receber os créditos a que tem direito. Mais ainda: significaria a implosão do CCR, o que é particularmente dramático em um período de restrição ao crédito internacional, queda dos preços do barril de petróleo e estreitamento das divisas remetidas pelos que migraram para os países desenvolvidos. A conclusão do imbróglio – espera-se que principalmente para os equatorianos, que tendem a ficar isolados no âmbito da Aladi caso insistam em comprometer o funcionamento de um mecanismo regional estratégico – é a de que o CCR precisa ser fortalecido nos tempos difíceis que se avizinham.
* Daniel Santiago Chaves é pesquisador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Artigo publicado no Jornal "O Globo" de 06/12/2008.