Você não espera que eu escreva uma dissertação discutindo esse artigo todo, não é? Boa parte do que ele diz é verdade, a propósito, o próprio autor dele, não sei se você percebeu, é ninguém menos que Dan Barker, o cara já foi pastor evangélico e fala grego, ele com certeza sabe do que está falando. Aliás, uma curiosidade: ele é membro da Prometheus Society, uma sociedade de QIzudos que faz a Mensa parecer a APAE (a Mensa aceita uma pessoa em 50, a Prometheus aceita uma em 30 000)...
Sem ousar contradizer totalmente o Dan Barker, vou citar o próprio Barker a meu favor:
Sei que estou tratando o Novo Testamento como se as palavras e feitos de Jesus fossem a verdade literal. Sei que há controvérsias quanto autenticidade de muitas das passagens citadas acimas. O Jesus Seminar, por exemplo, concluiu que em torno de 85% das palavras e ações de Jesus contidas no Novo Testamento não são autênticas. Ele nunca disse ou fez a maior parte delas. Este texto é dirigido aos que acreditam em que o Novo Testamento não contém erros e é inspirado por Deus.
Não é o meu caso. Sou ateu. Para mim Jesus foi no máximo um ser humano. E digo "no máximo" porque sei que ele pode nem ter existido e mesmo tendo existido, muito pode ter sido inventado. Assim sendo, posso reconhecer que, como ser humano, Jesus foi tão falível quanto qualquer outro. Ele disse coisas boas e coisas ruins, cabe a nós ser críticos para saber separar. Meu objetivo com a comunidade não foi o de encher a bola de Jesus qualificando-o como o maior homem que já existiu - eu não acho isso, aliás, dificilmente ele estaria entre meus 20 mais... Meu objetivo é o de encontrar os valores que temos em comum com os cristãos e reforçá-los, em vez brigar pelo que temos de diferente, comungar do que temos de igual.
A “Regra de Ouro” já tinha sido dita muitas vezes por outros líderes religiosos (Confúcio: “Não faça aos outros o que não queres que te façam”). “Dê a outra face” encoraja as vítimas a pedirem mais violência. “Ama teu próximo” só se aplica aos que seguem a mesma crença (nem Jesus nem os judeus mostraram muita simpatia por outras religiões). Algumas das bem-aventuranças (“Bem-aventurados são os que promovem a paz”) são aceitáveis, mas não passam de promessas, de condições para se receber uma recompensa futura, e não baseadas no respeito vida e aos valores morais.
Aqui tenho que contestar Barker. “Não faça aos outros o que não queres que te façam” é a regra de prata, não a regra de ouro. A regra de ouro é "Faz a teu próximo o que queres que ele faça por ti". A diferença é sutil, a regra de prata assume uma posição mais passiva, a de ouro convida à ação. Pela diferença entre as duas ser tão tênue, vou dar o braço a torcer e considerá-las a mesma coisa, mas mesmo assim se alguém enunciou a regra de ouro/prata antes de Jesus, isso o diminui? Não é porque nada do que ele supostamente disse era novo que suas palavras não tiveram valor, até porque, ainda que Confúcio tivesse dito a mesma coisa séculos antes na China, não foi Confúcio que introduziu esse valor no Ocidente, mas Jesus. Não podemos reconhecer que ele teve importância para nossa civilização?
Sobre oferecer a outra face: eu seria um hipócrita se dissesse que gosto de apanhar
Eu não posso dizer que concordo completamente que devemos sempre oferecer a outra face, na verdade, nosso dever moral é o de lutar por justiça, e para isso pode ser necessário revidar. Entretanto, Gandhi não mostrou que a não-violência pode ser em alguns casos uma forma de luta? Gandhi e seus seguidores enfrantaram um império colonial só oferecendo a outra face! Mas também, que escolha eles tinham? A Índia era mais fraca que o Império Britânico. Se lutassem com armas seriam derrotados. No caso dos discípulos de Cristo, que podiam enfrentar a censura e a intolerância, seu conselho foi o mesmo, o de não revidar, o de combater dando o exemplo. Num mundo ideal todas as lutas deveriam ser travadas assim, infelizmente nem sempre isso dá certo... podemos acusar Jesus de ter sido ingênuo demais.
"Ama teu próximo só se aplica aos que seguem a mesma crença" vai contra a parábola do bom samaritano. Pode ser mais uma contradição na Bíblia, talvez em algum lugar, Barker não esclareceu onde, se dê a entender isso, mas a parábola do bom samaritano diz:
Lucas, Capítulo 10:
25. Levantou-se um doutor da lei e, para pô-lo à prova, perguntou: Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna?
26. Disse-lhe Jesus: Que está escrito na lei? Como é que lês?
27. Respondeu ele: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu pensamento (Dt 6,5); e a teu próximo como a ti mesmo (Lv 19,18).
28. Falou-lhe Jesus: Respondeste bem; faze isto e viverás.
29. Mas ele, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo?
30. Jesus então contou: Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de ladrões, que o despojaram; e depois de o terem maltratado com muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o meio morto.
31. Por acaso desceu pelo mesmo caminho um sacerdote, viu-o e passou adiante.
32. Igualmente um levita, chegando àquele lugar, viu-o e passou também adiante.
33. Mas um samaritano que viajava, chegando àquele lugar, viu-o e moveu-se de compaixão.
34. Aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; colocou-o sobre a sua própria montaria e levou-o a uma hospedaria e tratou dele.
35. No dia seguinte, tirou dois denários e deu-os ao hospedeiro, dizendo-lhe: Trata dele e, quanto gastares a mais, na volta to pagarei.
36. Qual destes três parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões?
37. Respondeu o doutor: Aquele que usou de misericórdia para com ele. Então Jesus lhe disse: Vai, e faze tu o mesmo.
Não se faz referência à religião nem do samaritano e nem homem que foi espancado, a eles serem seguidores de Cristo ou não, absolutamente nada. E esse é o exemplo que se dá de como se deve proceder com relação ao próximo, isto é, ter misericórdia para com os desafortunados, independente de quem são.
Quanto à crítica de Barker às bem-aventuranças, ele está absolutamente certo, são somente promessas baseadas em receber recompensas futuras, e não no valor moral. Isso é algo muito criticável no Cristianismo.