Assepsia... para aliviar a mortandade...
Além de outros hábitos de higiene, como tomar banho periodicamente, lavar as mãos antes de comer, colocar torneiras em jarros dágua, limpar os dentes, etc... Isso seria uma verdadeira revolução.
Mas isso os romanos já faziam. Tomavam banho diariamente (era tão importante que algumas cidade ainda estão associadas ao banho, como Bath, na Inglaterra), lavavam as mãos e limpavam os dentes.
Os banhos eram um evento social e utilizavam um tipo de palito de dentes, o dentiscalpium, feito de ouro, chumbo ou madeira. Possuíam água encanada que era levada a fontes públicas ou em residências dos mais abastados. Possuíam também latrinas públicas, onde os excrementos era levados por um sistema de esgota (que ainda funciona! a Cloaca Máxima). Inventaram urinóis e guardavam a urina (aí sim, era nojento, mas útil) para ser enviada aos cortumes e para branquear as roupas. A parte da limpeza da do, hã, traseiro, é que era o pior mesmo, já que usavam um pincel... comunitário!
Mas, de uma maneira geral, eram bem higiênicos. O problema aconteceu mais tarde, na Idade Média, onde o banho era associado com a doença, porque deixava a pele fraca. Era então comum a pessoa tomar um ou dois banhos... a vida toda! E isso até idos de 1900.
Aqui tem um resumo da vida romana nos banhos:
Os banhos
Mais do que uma mera prática de higiene, para os romanos eram um passatempo.
O estado romano (desde os tempos da república), mas também privados, abriram banhos públicos; os grandes eram obra do estado e denominavam-se termas (thermae). Em ambos os casos pagava-se uma pequena quantia em dinheiro. Em princípio, as termas não eram mistas (havia horas diferentes para as mulheres e para os homens), mas dado que os imperadores estavam sempre a proibir essa situação, é provável que a legislação não fosse respeitada. Como os romanos se levantavam cedo, a meio da tarde estavam livres e poderiam deslocar-se aos banhos.
As dimensões dos banhos variavam, entre algumas poucas salas multiusos (nas províncias e nas mãos de privados) até grandes termas ocupando quarteirões de cidades, com salas especializadas.
Existia uma sala para as pessoas se despirem e guardarem as roupas. Poderiam depois deslocar-se a uma sala, onde seriam untados com óleo e depois praticar exercício (correr, nadar, lutar, etc), conversar ou mesmo ler (as maiores termas tinham bibliotecas). Depois poderia começar o banho propriamente dito. Ser-lhe-ia raspado suor e óleo do corpo numa sala. Ficaria no tepidarium (água e temperatura amena), deslocando-se depois para o caldarium (o nome diz tudo). O cliente poderia voltar se quisesse ao tepidarium antes de se deslocar ao frigidarium. Ainda existiam salas equivalentes à sauna (com massagens inclusive). A partir daí, seria uma questão de matar o tempo, dedicando-se a algumas das actividades já descritas, ou assistir (no caso das thermae) a espectáculos organizados. Até comida era aí vendida. Ao entardecer, os banhos/termas fechavam (em princípio) e toda a gente voltava para casa.
E
aqui também:
Ruínas de termas romanas, espalhadas pela Europa e norte da África, ainda surpreendem pelas dimensões grandiosas e provam que, num dos maiores impérios da Antiguidade, a higiene pública era questão de Estado.
Mens sana in corpore sano - e, poder-se-ia acrescentar, límpido (Mente são em corpo são - e limpo). Para os antigos romanos, o banho era um assunto sério e a higiene da população, uma questão de Estado. Tanto assim que seus engenheiros - os formidáveis engenheiros romanos, cujas obras, aquedutos, estradas e pontes ainda estão em uso em várias partes do mundo que um dia integraram um dos maiores impérios da Antiguidade - desenvolveram toda uma ciência a captação, transporte, manutenção, tratamento e distribuição de água. Onde estiveram, os romanos construíram termas e, assim como aprenderam dos gregos, ensinaram aos habitantes locais as artes do banho. Pois, para os romanos, ir às termas era bem mais do que se banhar em águas quentes, mornas ou frias. Para o cidadão comum, ir às termas, num ambiente em que se apresentavam oradores e poetas, onde se encontravam conhecidos e se sabiam as últimas notícias, era usufruir de prazeres imperiais.
De ruínas imponentes, com as das termas de Caracala, em Roma, com capacidade para até 2.600 banhistas, a estabelecimentos menores, como os de Pompéia, de onde se obteve boa parte das informações disponíveis sobre os banhos romanos - apesar da diferença de escala, os estabelecimentos pompeianos funcionavam como os grandes complexos -, tais construções testemunham que, houvesse uma cidade, havia uma terma. E não só na península itálica, pois os romanos levaram as termas, e sua cultura, aos cantos mais remotos do império, a ponto de algumas cidades européias, como Aix-les-Bains, na França, Bath, na Grã-Bretanha, e Caldas de Malavella, na Espanha, guardarem até no nome vínculos com seus equipamentos termais - séculos depois, continuam a ser importantes balneários. As termas ultrapassaram os limites do mar Mediterrâneo, como o demonstram os completos de Cherchell, a antiga Caesarea, e Timgad, ambas na Argélia, norte da África.

Caracala: hoje utilizado para concertos musicais e montagens operísticas.
Enfim, como o anfiteatro e o fórum, a cidade romana devia comportar uma terma - para alguns, uma espécie de antecessora dos bluces de hoje - embora, a rigor, o mundo moderno não possua nada semelhante. Era uma espécie de shopping center temático, com banheiras, fontes e, logicamente, piscinas, mas também academias de ginástica, salas de jogos e massagens, barbearias, bibliotecas, farmácias e perfumarias, lojas e restaurentes etc. Tudo em meio a colunatas, jardins, pátios, pórticos. As termas eram estabelecimentos públicos porque a maioria das casas não dispunha de instalações de higiene apropriadas - em Roma, nos blocos de apartamentos populares (sim, já existiam), as chamadas insulae, não havia abastecimento de água nos andares superiores. À exceção das necessidades fisiológicas, a higiene corporal era feita em termas, que devido ao afluxo de pessoas - homens e mulheres tinham acomodações distintas, sem uma separação rígida -, transformaram-se em pontos de reunião, com um forte viés social.

Termas de Foro, Roma.
Em sua maioria, as casas não dispunham de termas, mas os mais abastados contavam com esse conforto, disponível em lugar separado. Os cronistas contam como eram luxuosas as termas privadas e sabe-se que um certo Caio Sérgio Orata, por volta de 80 a.C., a partir de estudos para cultivar ostras o ano inteiro, desenvolveu um sistema de aquecimento por fornalhas subterrâneas. Mais tarde, comprava quintas abandonadas, dotando-as de banheiras de água quente e revendendo-as com lucro. O sistema, chamado hypocaustium, o motor das termas, foi adotado pelos estabelecimentos públicos e era operado pelos escravos. No início, porém, nos tempos de Catão e Cipião, na Roma republicana, os banhos consistiam em duas salas, para homens e mulheres, e as pessoas só se lavavam - então, tomava-se banho uma vez por semana. Com o tempo, difundiram-se, e, na Roma imperial, a partir da primeira grande terma, construída por Agripa, cerca de 20 a.C., assumiram dimensões colossais - Agripa era genro de Augusto e construiu mais de 150 banhos na capital.
Testemunhos imponentes, as ruínas das termas romanas comprovam a importância que se dava aos banhos públicos, sobretudo na época imperial. Um exemplo da grandiosidade das termas é o Pantheon, um dos mais festejados monumentos de Roma, uma eterna referência na história da arquitetura, que, originalmente, não passava de um edifício anexo às termas de Agripa. Da mesma forma, o espaço galo-romano do Museu de Cluny, em Paris - a antiga Lutécia dos romanos possuia três banhos para poucos milhares de habitantes -, era o antigo frigidarium, a piscina de água fria. Em Roma, que no século 4º teria cerca de 900 banhos públicos, há exemplos vivos da imponência das termas imperiais. O complexo de Caracala, erguido entre 206 e 217 d.C., hoje utilizado para concertos operísticos - na Copa do Mundo de 1990, foi palco da apresentação dos tenores José Carreras, Placido Domingo e Luciano Pavarotti -, ocupava uma área de 118 mil metros quadrados.
As termas de Diocleciano, construídas entre 298 e 306 d.C., eram ainda maiores, estendiam-se por 130 mil metros quadrados, dispunham de uma piscina de 3.600 metros quadrados e podiam comportar até 3.200 pessoas. Hoje, as dimensões dessas termas podem ser verificadas no Museu Nacional Romano e na igreja de Santa Maria degli Angeli, que ocupam parte de suas dependências. Mas o que tem a ver uma igreja com lugares, que na decadência do império, comportavam também bordéis? Entre 1561 e 1564, ano de sua morte, Michelangelo adaptou áreas das termas e construiu um templo cristão. As proporções do que foram as termas de Diocleciano podem ser avaliadas no transepto, a galeria transversal da igreja. Adornadas com mosaicos - boa parte dos mosaicos romanos existentes provém dos banhos públicos - e demais obras de arte - nas termas de Tito foi encontrado o grupo escultórico "Laocoonte" -, as termas romanas refletem em suas proporções, ainda impressionantes nestes tempos tecnológicos, um uso difundido e intenso.

Termas de Diocleciano: piscina de 3.600 metros
Principalmente nas horas que antecediam as refeições do fim do dia, os romanos acorriam às termas públicas e aí transcorriam horas. De modo geral, abriam no começo da tarde e fechavam à noite, e os banhos propriamente eram feitos entre 14h e 15h. O ritual dos banhos obedecia o seguinte roteiro: o cidadão chegava, pagava uma taxa, a meritoria - as mulheres pagavam mais para entrar, embora houvesse também as termas gratuitas, sustentadas por patrocinadores -, despia-se e deixava as roupas nos vestiários (apodyterium), dirigia-se ao pátio para praticar esportes (sphaeristerium), passava para as salas de água quente (caldarium), depois para as de água morna (tepidarium) e, por fim, com os poros dilatados, para as de água fria (frigidarium), com abertura no teto para a entrada do sol. A ordem não era necessariamente essa e podia ser invertida, saltando-se etapas. Havia também salas de água muito quente (laconicum) e piscinas ao ar livre (natatio).
De águas muito frias a águas muito quentes, em banhos de ducha, imersão e vapor, o usuário percorria uma escala de temperaturas que provocava uma salutar reação circulatória. Para se limpar, untava o corpo com óleto - não havia sabão -, esfregava vigorosamente e, ao retirá-lo, com o auxílio de um ferro arqueado chamado estrígil, saía tanto o óleo quanto a sujeira. As termas romanas eram populares, mas, claro, apenas o cidadão bem situado econômica e socialmente tirava o máximo proveito do complexo. Depois do banho, conversava-se, lia-se ou passeava-se, ouviam-se os versos de um jovem poeta, discutiam-se os assuntos do dia e, veladamente, pode-se dizer, tramavam-se complôs e revoluções. Quem sabe se os fatos dos idos de março de 44 a.C., o assassinato de Júlio César por conspiradores republicanos, não foi planejado numa terma? Sabe-se, de outro lado, que os primeiros cristãos, como São Justino, chegaram a se reunir em termas públicas. Quem não tinha nada a fazer, simplesmente matava o tempo.
À medida que cresciam em importância, cresciam as críticas às termas públicas. De centros para uma vida saudável, transformaram-se em centros para uma vida dissoluta e, com a degeneração dos costumes, algumas se tornaram enormes prostíbulos. No século 1º d.C., o poeta Juvenal atacava os vícios romanos e, em tempos diferentes, os imperadores Adriano, Marco Aurélio e Alexandre Severo baixaram decretos que limitaram a presença de mulheres nos banhos - nada adiantou. No século 3º d.C., Clemente de Alexandria e São Cipriano pregraram contra a corrupção dos costumes nos banhos públicos mistos, e, no século seguinte, no concílio de Laodicéia, a Igreja recomendou que clérigos e fiéis não freqüentassem banhos abertos a ambos os sexos. No século 5º d.C., por fatores como a destruição dos estabelecimentos pelos hunos, o esgotamento dos recursos hídricos ou as restrições da moral cristã, a ida aos banhos foi ficando fora de moda.
Até que veio a Idade Média e a arte do banho - embora as pessoas continuassem, lógico, a se banhar - perdeu o refinamento.
Aqui tem uma imagem de um antigo sanitário público romano, em Éfeso:

Dá para ver a tubulação por onde a água corrente passava.