Eu já fui adepto do kardecismo quando era adolescente, depois que li o Livro dos Espíritos e o Gênesis de Kardec. O que me atraía era que a doutrina espírita parecia explicar tudo de maneira lógica, e eu acreditava em tudo aquilo (mediunidade, reencarnação, espíritos inferiores e superiores...) porque o encadeamento lógico das explicações parecia convincente, inclusive parecia algo científico, parecia uma boa racionalização de tudo o que eu queria que fosse verdade.
Mas a principal coisa que me atraia era que o kardecismo instigava minha vaidade ao me fazer acreditar que, seguindo-o, eu me tornaria um "espirito superior", e na próxima encarnação eu viveria num planeta de nível superior. O kardecismo é como qualquer religião: faz-se o bem por vaidade ou por medo e não porque é bom.
Aí fui vendo que a caridade que os kardecistas tanto praticam é muito mais a busca por status ligado à vaidade do que uma busca sincera de melhorar o mundo. Era sempre a idéia de uma troca tácita: eu dou e recebo em pagamento o reconhecimento de minha superioridade tanto pelo grupo quanto por quem recebe a caridade, e também por deus e os espíritos que supostamente sempre observam. Havia sempre a sensação de conseguir ser "um espírito superior" e o medo de não conseguir.
Comecei a compreender a injustiça disso: relações de dependência que se reproduzem sem fim e um tipo de poder ridículo que se sustenta nelas. Isso me levou a ver que essa lógica tácita do "toma lá dá cá" fundamenta a própria idéia de reencarnação, que nada mais é que a idéia de uma série de pagamentos (expiações, como Kardec diz) de uma dívida misteriosa colossal, vi que isso projeta aquelas relações ridículas de dependência e poder para uma escala cósmica.
Depois me interessei por taoismo, e depois, anarquismo kropotkiniano e filosofia (Lucrécio, Hegel, Bertrand Russel, Marx, Adorno, Horkheimer, Sagan...). Em suma, daí em diante eu já era ateu, mas o golpe mortal na crença que eu ainda tinha na sobrevivência da alma ao corpo veio quando meu avô adoeceu e foi mudando a personalidade com a piora da doença, o que provou sem sombra de dúvidas que a "alma" é totalmente o próprio cérebro.