De modo geral as pessoas compreendem bem que a "causa" do crime é o criminoso, ou, melhor dizendo, que ele é o culpado, e não a vítima.
Discordo, especificamente no estupro e outros "crimes sexuais" o senso comum é que a vítima procurou tal desfecho pelo seu comportamento
Bem, eu não sei. Você tem algo que comprove essa ser a opinião pública?
Eu acho que a vasta maioria das pessoas não vêem como culpa da vítima (excepcionalmente pode ocorrer), e mais comumente o que há é confusão/interpretação disso com recriminação de comportamento vulternável. Por mais cuidadosa que seja a linguagem, algumas vezes parece que é simplesmente "errado" lembrar desse fato (curioso que os feministas comumente também reclamam de retratações da mulher com falta de "agência", mas aqui calha de ser conveniente), como se a culpa ser do criminoso (óbvio, inegável) fizesse com que as pessoas não precisassem/devessem se preocupar com a própria segurança. Isso é uma aberração, só nesse crime que as pessoas "pensam" assim.
Nunca vamos ver algo como uma "marcha dos otários" com placas "não nos diga para usarmos cadeados, ensinem os homens a não roubarem".
Também não vêem problema em aceitar que diferentes comportamentos das potenciais vítimas podem implicar em diferentes graus de vulnerabilidade a diversos crimes. Mas nesse crime especificamente, por uma mistura de drama emocional e ideologia*, é comum que haja um certo linchamento moral a quem aponta o fato e recomenda evitar comportamentos que a pessoa supõe serem mais vulneráveis. Isso é comumente interpretado como "culpar a vítima", mesmo quando não é o que está se fazendo -- embora possa também ocorrer.
Concordo em parte. Acho que realmente existem os dois cenarios: As criticas ao comportamento incriminando a vítima pelas suas condutas e pessoas que não fazem juízo de valor e sim tentam recomendar evitar comportamentos que favoreçam o ocorrido. O fato é que o primeiro acontece com muita frequência, diria eu ate que é arraigado na nossa cultura machista do dia a dia.
porém concordo com você quando diz que a carga "ideológica" das feministas muitas vezes demonizam ambas as situações.
Eu não sei se é tão comum assim, embora definitivamente exista, bem como aberrações ainda mais extremas, já vi gente até dizer que "estupro é impossível", e coisas como que "toda mulher fantasia em ser estuprada", e até mesmo que as mulheres que mais falam do problema é que estão "fantasiando" por na verdade serem feias e frustradas porque os homens não têm interesse nelas, e daí isso combina a fantasia de interesse com uma condenação raivosa.
* assassinato é tão ou mais emocionalmente dramático, mas não tem o componente ideológico feminista, logo será muito mais raro se ouvir acusação de "culpar a vítima" quando se falar em precauções comportamentais para evitar ser morto, como não se meter em brigas.
Sim, mas quantas vezes você já ouviu "ele tava pedindo para ser morto usando aquelas roupas" X "ela estava pedindo para ser estuprada usando aquelas roupas"
Eu acho que até já ouvi mais do tipo de coisa que seria classificada como "culpar a vítima" de roubo/furto, se fosse ter os mesmos padrões, mas mesmo nesse fraseamento as pessoas não parecem se importar.
Ao mesmo tempo, também acho que dão muita importância a essa linguagem, não tem o "peso" ou misoginia que interpretam. A interpretação é muitas vezes literal/infantil, como se quem dissesse isso estivesse de alguma forma exonerando o estuprador, quando, novamente, é meio como dizer que "largar o portão escancarado/carro ligado com a chave e a porta aberta é convite para os ladrões", o que raramente alguém vai interpretar como se estar "desculpando"/"justificando" os ladrões, que estariam "em pleno direito de roubar".
Acho que as diferenças mais significativas vão ser que as pessoas não vão sugerir que alguém roubado de fato quisesse impulsivamente doar algo e depois tenha se arrependido, e, algo próximo da situação de "portão aberto", que não pode "fingir oferecer" algo que não queira dar -- aqui o mais próximo seria numa situação meio Quico/Chaves e o piruluto, "quer? Então compra!" Não é o tipo de coisa que costuma acontecer*, e o análogo sexual realmente não justifica estupro, obviamente. Além de ter toda a parte subjetiva do que constituiria a "provocação". Mas nesse tipo de coisa tem gente que realmente "exonera" o estupro, meio como se a mulher tivesse "obrigação de terminar o que começou" ou algo assim. Mas ao mesmo tempo também existe a questão de "zona cinzenta" e casos de estupro onde talvez o estuprador nem saiba que estuprou porque do ponto de vista dele mesmo, simplesmente não fez isso, não forçou nada, ao mesmo tempo em que não houve resistência ou um "não" da mulher. Uma vez li algo como que, "nesses tipos de estupro a mulher pode até pedir para mudar de posição durante o sexo e então fugir", e "pode até telefonar para o agressor e marcar um novo encontro e então surpreendê-lo com a polícia", ou algo assim.
Eu geralmente acho estranha a "defesa" do estuprador nesses casos, como se o cara não notasse não estar sendo exatamente "benvindo" e mesmo assim continuasse (mas talvez estando bêbado), mas essa parte das dicas de defesa da vítima também é bem estranha. Parece claro haver um problema de comunicação, se é assim. Algo meio como "estupro culposo".
* totalmente "OT", mas uma vez ouvi alguém defender, e parecia estar embasando mesmo em algo legal (acho que até terminologia em latim tinha), algo meio nas linhas de "achado não é roubado". Acho que a situação do exemplo era algo meio como que não se pode "armar" um flagrante, deixando algo facilmente "furtável"... achei meio esquisito e tenho lá minhas dúvidas de ser assim mesmo... mas sei lá... hoje em dia, que advogados falam em "profissão de ladrão", talvez isso possa ser considerado como "falsidade ideológica", conduzindo o profissional a um engano, uma má avaliação de uma oportunidade profissional...