Ai ai ai, Feynman... faça-me o favor! "Todas menos a primeira"? "O indutivismo, na ciência, já está morto."? ("*na ciência*"??) Isso vindo de você que mostra-se sempre tão prudente me faz pensar que deve ser para mim; para me alfinetar. Mas é claro que NENHUMA delas, com exceção da primeira, com as devidas ressalvas que já expus mais de uma vez aqui. Primeiro, porque ciência não é um mecanismo para ter um modo de funcionamento, para ter um funcionamento descritível. Segundo, porque não é esta a pergunta que tem qualquer valor, mas 'como funciona a mente de um cientista?'. Esta sim é a pergunta válida e que tem alguma boa chance de ser respondida em breve. O fenômeno do pensamento científico e a degeneração linguística tão comum e frequente da filosofia -- o pensamento mágico -- devem ser passíveis de descrição em não muito tempo de agora.
Contudo, Feynman, você é ótimo. Digo-o porque o sei; percebo as pessoas e suas naturezas com facilidade. És um humano díspar, apesar de teres se deixado enredar na teia dos filosofismos vazios. Mas sei que precisaste, sei que era o teu caminho possível, viável e seguiste por ele corretamente, como devias. Agora, tens a chance de olhar em volta. Embora tenha me causado algumas decepções pequenas e uma maior no outro tópico sobre o LHC, não pretendo desistir de você tão fácil. E como valorizo suas avalições, estou certo de que, ao contrário do que sugere o DDV, o Feyerabend não deve ter dito que ciência e mito têm o mesmo valor ou mesma veracidade, confiabilidade, mas que *supostos métodos* tanto para uma quanto para outra coisa têm mesmo valor, a mesma confiabilidade. Porque métodos são doutrinas e doutrinas exigem doutrinados e ciência é ausência de doutrina. Os mitos são a própria doutrina em si, porque além dela nada mais há. E há mitos de que há doutrinas para ciência. Não há nada além desses também, porque ciência não mantém relação alguma com nada disso; ciência é só o que faz o cientista. Eu sei bem que isto não é o bastante para quem quer mais, para quem quer o que não pode obter, o que conduz, invariavelmente, à ilusão (na verdade, a ilusão é prévia nesse processo); como a ilusão do crente que não aceita a morte e inventa alguma utopia para fugir dessa realidade. Mas não há resposta para "como a ciência funciona", lamento. Assim como também não há "vida após a morte".
Toda investigação em "busca" de algo deve culminar, em algum momento, no confronto com a necessidade da aceitação de alguma realidade. E este remate demanda algo que é inerente à natureza do investigador. Não há método para isso, não há método para integridade intelectual, para honestidade. É no porvir após este remate que o humano comum pode ter a chance de discernir, não exatamente a diferença entre ciência e mito, mas entre cientista e místico, pensador científico e pensador mágico, filosófico. Mas há um problema crucial que não pode ser desprezado: infelizmente, o início da "busca" também demanda a mesma característica única. O humano comum jamais torna-se capaz de perceber a diferença entre ciência e mito pois para este esta diferença, em essência, não existe. O que existe para ele são as utilidades e os ídolos, sejam deuses, sacerdotes, cientistas ou inventores, tudo é sempre mágica. Tudo o que importa é saber qual mágica funciona ou funciona melhor e, ainda mais que isso, qual mágico é o melhor. Nesta situação encontram-se também todos os estudantes doutrinados em "ciência" (na verdade, em filosofias espúrias). São doutrinados em o que pensar e não em como pensar, se bem que como pensar jamais é uma doutrina e não sei se pode ser ensinado na nossa presente conjuntura.
Por ora, reitero que não desisti de você Feynman. Meu tempo livre tem sido muito escasso mas acho que você vale um pouco dele. Você me fez ter que tirar do fundo do baú um velho livro de Einstein que tenho aqui em que o próprio faz declarações de muitos dos seus pensamentos. Vou me espremer um pouco em meu tempo para reler e encontrar os trechos que contextualizam corretamente o que ele quis, de fato, dizer com aquela frase que insistes em repetir. E que história é essa de que o programa de Bohr progrediu sobre elementos inconsistentes, Feynman? Ai ai ai mais uma vez, Feynman. Será que VOCÊ já não foi capaz de captar que ele era o realista e não Einstein? De onde provém essa suposta "inconsistência" que reivindicas? Seria de um suposto não realismo, Feynman? Você também ainda acredita que mesmo não havendo variáveis ocultas não há determinismo em escala quântica? Além disso, procurarei prestar outros esclarecimentos. Também darei continuidade aos nossos assuntos atrasados.
Até a próxima.