Bem interessante este texto que siu na revista Época:
POR QUE OS ECONOMISTAS ERRAM TANTO?
Por André Lahóz (editor e economista) Revista EXAME 08-abr-98, p. 104
http://www.amattos.eng.br/CURIOSIDADES/Economia/POR%20QUE%20OS%20ECONOMISTAS%20ERRAM%20TANTO.pdfEles são as grandes estrelas da bilionária indústria de previsões. Mas atenção: se você quer saber sobre o futuro, talvez o mais efi-caz seja jogar a moeda para o alto.
Os economistas são os grandes astros do mercado das previsões. Pena que o futuro insista em não corresponder. Quer um conselho? Entre ouvi-los ou tirar cara ou coroa na hora de decidir, fique com a velha moedinha .
• "As contradições do capitalismo levam inexoravelmente à substituição desse sis-tema pelo socialismo."
"O Japão vai suplantar os Estados Unidos na briga pela supremacia econômica ainda neste século."
• "O real sofrerá um ataque especulativo em três semanas."
Aparentemente, as três frases acima não têm muita coisa em comum, não é mesmo? Engano seu. Em pelo menos três coisas essas frases estão interligadas.
Em primeiro lugar, são previsões do futuro (melhor dizendo, foram previsões do futuro). Em segundo lugar, foram proferidas por economistas. E, por fim, são previsões que de-ram errado. São apenas exemplos dentro de inúmeros outros que também responderi-am a esses pré-requisitos, mas servem para demonstrar uma evidente realidade: os economistas erram muito. Muito mesmo. E parece que não se cansam de errar, pois as tentativas (frustradas) de prever o futuro não param. A cada dia, somos bombardeados por previsões econômicas de todos os tipos, nos jornais, nas revistas, na televisão, nos relatórios de empresas e nas livrarias.
A imensa maioria dessas previsões econômicas não resiste ao tempo.
A revista britânica The Economist publicou em 1995 os resultados de uma pesquisa que ilustram bem esse fato. Dez anos antes, em 1985, a revista pedira a vários grupos de pessoas projeções para a economia britânica da década seguinte. O grupo que mais acertou em suas previsões não foi o de economistas. Tampouco os administradores acertaram.
O primeiro lugar foi um empate entre quatro presidentes de multinacionais e um grupo de lixeiros. É isso mesmo: Lixeiros.

A conclusão é clara: feitas as contas e descontado o discurso mais elegante ou elaborado, os economistas acertam tanto quanto alguém que jogue uma moeda para cima. Como diz ironicamente
Paul Samuelson, prêmio Nobel de Economia, "Os analistas do mercado previram nove das duas últimas recessões".

A crise nos mercados financeiros da Ásia, por exemplo, que afetou as economias do mundo inteiro, pegou os economis-tas totalmente de surpresa. A imensa maioria deles recomendava investimentos nos Tigres Asiáticos até minutos antes do crash.

Considere ainda as três frases acima. Das três previsões, uma já pode ser desconside-rada: o prazo de três semanas para o ataque especulativo contra o real já acabou, uma vez que a frase foi dita em 10 de janeiro pelo economista Albert Fishlow. No caso da briga das duas maiores economias do mundo, teria que acontecer o impossível para que o Japão vencesse a distância de quase 4 trilhões de dólares que separa um PIB do outro.
Quanto à vitória do socialismo, seu autor teve a prudência de não definir uma data para que isso ocorresse. Assim, sempre haverá quem diga que a previsão não deu errado, apenas ainda não houve tempo para que o capitalismo seja enfim derrotado. Afinal, di-rão, não dá para saber o que vem pela frente, pois ninguém conhece o futuro.
Pois bem, talvez essas pessoas errem ao achar que o socialismo virá, mas acertam em cheio ao dizer que ninguém conhece o futuro. Mas todos gostariam que esse des-conhecimento fosse menor. Em primeiro lugar, existe o temor do futuro. Há o medo do desemprego, o medo da volta da inflação ou o medo da morte. Mais informações sobre o futuro podem ajudar a diminuir essas ansiedades. Segundo, conhecer o futuro pode ser muito vantajoso financeiramente. Se desse para saber ao certo qual será o preço
das ações no final do ano, seria a coisa mais fácil do mundo ficar rico. Além disso, quem conhece o futuro toma as decisões da maneira mais perfeita possível. Por e-xemplo, se alguém me garantir que eu tenho só mais dois meses de vida, certamente esta seria a minha última reportagem nesta revista.
NOSTRADAMUS -- Tentar buscar mais conhecimento sobre o futuro, aliás, tem sido uma conduta constante na História. Há registros de 5.000 anos atrás que mostram que as projeções sobre o futuro abundavam no mundo antigo. Por exemplo, entranhas de animais supostamente traziam informações valiosas para quem se dispusesse a pagar por elas. Talvez o caso mais bem-sucedido de toda a história das previsões seja o O-ráculo de Delfos, na Grécia antiga. Suas profecias começaram em cerca de 700 a.C. e duraram até cerca de 300 d.C. -- nada menos que 1.000 anos de previsões.
A prática de prever o futuro é tão antiga que foi chamada de "a segunda profissão mais velha da História" por William Sherden, um consultor internacional e autor do livro Os Mercadores da Sorte -- O Grande Negócio de Vender e Comprar Previsões, ainda iné-dito no Brasil. Extremamente interessante, o livro trata de vários grupos de profissio-nais das previsões: meteorologistas, economistas, futurólogos, gurus de mercado e demógrafos. E fornece inúmeros exemplos de furos incríveis em previsões, parte dos quais ilustra esta reportagem.
Como se vê, há muita gente disposta a pagar para saber o futuro. Isso é válido em qualquer atividade humana -- desde o campo amoroso até o da saúde. Mas, quando o problema bate no bolso -- ou seja, nas questões econômicas --, aí é que há mais gente (e mais empresas) disposta a pagar por uma boa previsão.
Se há uma enorme demanda por essas previsões, também não falta oferta. Sempre há alguém disposto a saciar a sede de informações de tanta gente. Uma classe composta de muitos profissionais da adivinhação: astrólogos, cartomantes, videntes... e econo-mistas? Sim, economistas. A maioria deles faz parte desse imenso mercado de previ-sões sobre o futuro, um mercado avaliado em 200 bilhões de dólares só nos Estados Unidos. Quanto vai crescer o PIB? Qual moeda vai resistir ao furacão asiático? Quais são os setores da economia que despontarão como os mais pujantes no próximo milê-nio? Faça qualquer uma dessas perguntas e você encontrará um batalhão de econo-mistas dispostos a responder convictamente -- mediante uma quantia, é claro.
Esse mercado enorme ajuda a entender por que os economistas erram tanto. Uma primeira explicação é quantitativa: erram muito porque fazem muitas previsões. Como tentar prever o futuro dá muito dinheiro, os economistas opinam quase que diariamente sobre os assuntos em pauta. Ora, quem arrisca muito erra muito. Por exemplo, se você tiver que dizer o resultado de todos os jogos da Copa do Mundo, é certo que haverá muitos erros em suas previsões.
É claro que não é interessante que todos saibam que as suas previsões não se realiza-ram. Por isso, parte do trabalho de um bom economista é lembrar a todos de seus a-certos e fazê-los esquecer de seus erros. Um bom relacionamento com a imprensa certamente é importante para esse economista. Além disso, há outros truques. Por e-xemplo, sempre que possível, seja vago. Diga algo como "Há uma grande probabilida-de de que os setores ligados às novas tecnologias apresentem um comportamento po-
sitivo nas bolsas nos próximos meses". É muito difícil que você não ache algum exem-plo para provar que você estava certo.
É claro que, em algum momento, o economista terá que dar respostas objetivas. Por exemplo, para quanto vão cair os juros na próxima reunião do Conselho de Política Monetária? Bem, se for inevitável, faça a melhor análise que conseguir, ouça os seus concorrentes e arrisque. Caso você erre, é sempre um consolo saber que em alguns meses ninguém se lembrará disso. E saber que os demais economistas muito prova-velmente também estiveram errados.
Um bom exemplo de profecias vagas que ainda fascinam muitos são as de Nostrada-mus, o famoso astrólogo do século XVI. Nostradamus chamava-se na verdade Notre-dame, mas provavelmente (e acertadamente) previu que teria maior sucesso com um nome mais científico e optou por latinizá-lo. Segundo ele mesmo, suas previsões "não podem ser compreendidas até que tenham sido cumpridas". E cada um que fique livre para interpretar o que Nostradamus disse. Por exemplo, "o grande homem será abatido por um raio" significa nada menos que o assassinato do presidente americano John Kennedy. E "a raposa será eleita sem palavras" é a previsão da ascensão de Robespi-erre na França no século XVIII. Só não vê quem não quer.
Mais recentemente, o americano Iben Browning ficou famoso por sua capacidade de prever terremotos e erupções. Em 1989, ele disse que no dia 16 de outubro daquele ano um terremoto iria acontecer ou um vulcão entraria em erupção. Ele admitia, no máximo, dois dias de margem de erro. Exatamente no dia 17 de outubro, um terremoto forte atingiu São Francisco, nos Estados Unidos. Daí em diante, passou a ser conside-rado uma autoridade em terremotos. O que não se disse é que Browning nunca afir-mou onde o terremoto iria ocorrer. Ora, sempre há algum fenômeno desse tipo em al-guma parte do globo. Para sua sorte, daquela vez aconteceu exatamente nos Estados Unidos.
O próprio Browning passou a acreditar em suas previsões e decidiu se tornar mais es-pecífico. Segundo ele, em 3 de dezembro de 1990 um terremoto devastador atingiria a cidade americana de Nova Madri, no estado do Missouri. A profecia causou grande pânico, mas surpreendentemente não se realizou.
A grande quantidade de previsões explica parte dos erros dos economistas, mas isso não conta toda a história. Para além das questões quantitativas, há um motivo qualita-tivo. O mundo é complexo. As sociedades são complexas. O homem é complexo. O que vale hoje pode não ser verdade amanhã. É muito difícil, se não impossível, querer traduzir um mundo tão complexo em poucas equações que permitam projeções. Ou seja, não é que os economistas sejam menos inteligentes do que os lixeiros. Apenas tentam fazer algo que talvez não seja possível. Nas palavras do economista americano Paul Krugman, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), "A economia é mais difícil que a física. Felizmente, não é tão difícil quanto a sociologia". A Física fala de um mundo que, em boa medida, pode ser descrito por equações. O mesmo ocorre em di-versas áreas do conhecimento. Por exemplo, há muito tempo se conhece o comporta-mento de cometas. É possível saber com exatidão quando o cometa Halley voltará a ficar visível da Terra.
MURO DE BERLIM -- É possível saber o comportamento de cometas e planetas, mas ninguém conseguiu prever com exatidão a queda dos regimes comunistas no final da década de 80. Quantas pessoas depararam diariamente com quilos de informações sobre esses países? E ninguém foi capaz de antecipar as mudanças.
Por quê? Por um motivo simples: o homem. Por mais que se tente dar ares de ciência exata à economia, ela permanecerá presa a uma verdade inescapável: os economistas tratam, acima de tudo, do comportamento humano. São pessoas, e não cometas, que se encontram diariamente para trabalhar, comprar ou vender bens. São pessoas que se juntam para votar neste ou naquele governante. São pessoas que vão considerar uma inovação tecnológica extremamente interessante e vão ignorar outras. São pes-soas que comandam as empresas, que, portanto, estão sujeitas a erros de avaliação. Os homens não têm um comportamento definido. Suas reações mudam com o tempo. É por isso mesmo que a história não se repete.
Os próprios atores principais de eventos da História são pegos de surpresa. Como diz o autor William Sherden, "a Revolução Francesa foi totalmente inesperada, Vladimir Lenin pensava que ele jamais viveria para ver a Revolução Russa, e apenas semanas antes de sua volta ao Irã, em 1979, o aiatolá Khomeini duvidava que o regime do xá Pahlevi fosse cair".
Além disso, há muito de irracional no comportamento do homem. Há um clássico e-xemplo disso: o caso das tulipas na Holanda. As tulipas foram levadas da Ásia para a Europa no século XVI e se tornaram uma febre na Holanda. O preço das mudas de flo-res começou a subir alucinadamente, a ponto de muitos proprietários venderem suas fazendas para poder comprar algumas poucas mudas. A bolha especulativa durou um certo tempo, até que as flores passaram a valer tanto quanto uma cebola. Só que mui-tos proprietários estavam quebrados então. Que economista poderia prever algo seme-lhante?
Uma outra explicação para os erros nas previsões é dada pelo economista Owen La-mont, da Universidade de Chicago. Segundo um estudo de Lamont, as pessoas que fazem previsões chegam a resultados diferentes dependendo do estágio em que se encontram em suas carreiras. Os economistas mais novos tendem a ser mais conser-vadores em suas previsões. Conforme o economista avança na carreira, suas previ-sões ficam propensas a se tornar mais radicais e, portanto, mais passíveis de erro.
Por exemplo, imagine que a maioria dos economistas do Brasil ache que o PIB vá crescer 1% em 1998. O que Lamont sugere é que é interessante para um economista já com uma carreira razoavelmente consolidada fugir dessa média, dizendo que a eco-nomia vai crescer 3% ou então que vai cair 1,5%, por exemplo. É muito possível que ele erre, mas, se por acaso acertar, ele vai ser o único (ou um dos únicos) a fazer isso. Portanto, os economistas manipulam os dados para chegar a resultados diferentes de-pendendo do que esteja buscando em suas vidas. Um golpe forte para quem acredita em previsões.
Mesmo para aqueles economistas mais sérios, há muito mais do que uma fria seqüên-cia de equações matemáticas na hora de realizar as previsões. É preciso, em primeiro lugar, construir algumas premissas básicas que os economistas usam para fazer seus cenários.
ERA DOS CASULOS -- Por exemplo, a guru dos negócios Faith Popcorn, chamada de "A Nostradamus do marketing" pela revista Fortune, descreveu vários comportamentos humanos para o futuro. Em seu livro O Relatório Popcorn, ela diz que os homens vão cada vez mais se fechar em suas casas "enquanto o mundo lá fora se torna mais duro e apavorante".
O problema é que essas premissas são, na maioria das vezes, simples intuição. To-memos o exemplo acima. Passados seis anos desde que O Relatório Popcorn foi lan-çado, não há nenhum sinal de que as pessoas estejam se fechando em suas casas. Afinal, o trânsito nas cidades segue insuportável, os restaurantes continuam faturando muito, há filas em cinemas ou teatros e os pacotes turísticos vendem como nunca. É sempre possível dizer que a era dos casulos ainda está por vir.
Mas talvez seja mais simples admitir que Popcorn estivesse errada. E quem se baseou nessa premissa para tomar suas decisões certamente errou. Por exemplo, se o dono de um bom restaurante resolvesse vender o seu negócio porque lera o livro de "uma das mulheres mais entrevistadas do planeta", como a chamou a revista Newsweek, certamente deveria estar arrependido. É claro que Popcorn jamais admitirá seu erro. "Acho que eu teria ainda mais crédito se tivesse errado pelo menos uma vez", declarou em uma entrevista. Seus erros são muitos, como a previsão de que os ônibus passa-rão a ser dirigidos por andróides. Mas não a impedem de seguir vendendo novas pro-jeções.