Na verdade eu disse que a coisa não é definida, por isso o melhor é não inventar regras ou obrigar as pessoas a serem o que elas não são. Como é o caso de inventar gêneros. Enquanto você não sabe, calma, apenas discuta.
Agora entendi e concordo plenamente.
Outra, você dá um sentido à verdade de forma absoluta que nem consegue definir com clareza. Uma vez te perguntei. Ao que parece, é a resposta real pra todas as suas perguntas, não sei se te entendi bem.
Um sentido mais restrito e palpável de verdade é aquele onde, um sistema descritivo qualquer (a mecânica de Newton, por exemplo), é capaz de produzir um certo número de verdades observáveis e perfeitamente descritíveis. Entretanto, saindo de uma certa escala, você tem um sistema descritivo mais exato, a Teoria do Eisten, por exemplo. Assim, você pode produzir verdades sim.
No que tange à sistemas que explicam o homem e suas atitudes, eu realmente prefiro as biológicas, ainda que, para o comportamento humano, elas sofram razoáveis alterações de interpretação. Sem contar que essas pesquisas devem sempre ser levadas com um bom nível de ceticismo - e cada vez mais percebo isso. Neste contexto, você tem que incorporar a metamorfose ambulante, mas sou levado a crer que muitas coisas com o passar do tempo vão se assentando como verdades. Um outro problema quando lidando com o comportamento humano é que seus resultados jamais serão absolutos, hão sempre de depender de amostras estatísticas as quais, em geral, resultam em amostras muitas vezes amorfas, não conclusivas...
Eu tenho sim uma definição de Verdade e ela só pode ser uma verdade absoluta, o que não for absoluto não é verdade. Veja, é por isso que não gosto do conceito de verdade, porque se formos ver por seu conceito mesmo, ninguém nunca encontrou uma verdade sequer, o que nós temos são "verdades" com "s", no plural, isso jamais pode ser aquilo que mereça o nome de "Verdade" com "V" maiúsculo que deve ser sempre universal. A verdade deve ser Universal, Clara e Distinta; o que significa que se alguém um dia encontrar uma verdade ninguém poderá deixar de ver essa verdade como tal. Isso Descartes define bem.
Dai você pode perguntar, mas eu posso encontrar uma verdade, tentar explicar para alguém e essa pessoa não conseguir compreender; então nesse caso está provado que você não encontrou verdade alguma, porque se fosse a verdade ela seria tão clara e tão distinta que seria impossível alguém não ver que ela é a verdade, porque como é a verdade ela necessariamente anula qualquer possibilidade de contradição. Quando alguém apresenta UMA verdade, a sua verdade, a minha verdade, a verdade antropológica, a verdade biológica, se alguém discorda já é porque isso não é tão claro, então não é A VERDADE. Ela é apenas uma invenção de alguma pretensa verdade objetiva que funciona sim, e pode ser "provada" dentro de algum sistema e de alguns pressupostos e que só parecerá verdade dentro deste sistema e para quem aceitar os seus pressupostos... É o que acontece com a ciência, ele tem suas regras para "provar" suas "verdades", as regras racionais que usa, primeiro para provar que verdades existem ele já tem que ter a fé de que a verdade existe, depois tem as regras de não-contradição, regra da falseabilidade, enfim, quando ela prova algo, só prova para quem já aceitou todas essas regras e premissas a priori, suas verdades só são verdades dentro do seu sistema e das pessoas que acreditam nele. E como uma igrejinha, suas verdades pressupõe fé nas suas premissas.
Deixa eu ver se consigo explicar melhor dessa vez o que é a VERDADE mesmo. Ela é uma categoria do modelo racional, inventada há uns 2600 anos pelo pensamento socrático-platônico. Antes deles a ideia de verdade não era clara e nem tão necessária, as pessoas se relacionavam como o mundo e o conhecimento através de uma pensamento mitológico, arquitípico, de representação de signos, enfim, era uma visão de mundo mais artística e trágica, segundo Nietzsche. Essa ideia de verdade que hoje nos parece tão natural e da qual não imaginamos como viver sem, ela tem algumas regras inventadas por esse pensamento socrático-platônico:
1- Identidade: "A = A", ou seja, "o que é, é". Ele afirma que uma coisa, seja ela qual for (um ser da Natureza, uma figura geométrica, um ser humano, uma obra de arte, uma ação), só pode ser conhecida e pensada se for percebida e conservada com sua identidade. O princípio da identidade é a condição para que definamos as coisas e possamos conhecê-las a partir de suas definições. É aquilo que faz com que reconheçamos as coisas, com que suas ideias se conservem em nós.
2 - Principio da não-contradição: "A é A e é impossível que seja, ao mesmo tempo e na mesma relação, não-A". Assim, nós já assumimos que ou algo é verdadeiro, ou é falso, ou algo existe ou não existe, ou é ou não é. Aqui já começam os problemas desse modelo. Um copo de leite ou é quente ou é frio? Uma pessoa ou é boa ou é má? Sempre excludentemente entre esses polos? Não, esse modelo racional já começa a não descrever a verdade do mundo, onde as coisas não são tão bipartidas assim. Existem infinitas variações, como os mornos, entre o quente e o frio. Uma pessoa que é boa para alguém, para sua família e aqueles que ama, pode ser um monstro em outras situações. Hitler não era bom para alguém, não havia quem o amasse e ele amasse de volta?
3 - Princípio do terceiro excluído: Se relaciona com o de não contradição, ou algo é verdade ou é falso, ou se está certo ou se está errado, não há uma terceira possibilidade. Aqui, segundo alguns autores, nossa sociedade ao assumir esse modelo começou a criar muitos dos problemas que vemos hoje, os problemas de exclusão em todos os níveis. A exclusão social, e todo tipo de exclusão deriva de um pensamento que diz: "Só alguém pode estar certo, só há uma possibilidade, então se eu acho que tenho a verdade, todos os outros NECESSARIAMENTE por esta regra estão errados, logo muita coisa se justifica para que eu tenta "ensinar" as pessoas da verdade que elas não vêem e eu sim." Nós eliminamos o conflito da vida, eliminamos a contradição, eliminamos tudo aquilo que é diferente categorizando-o como FALSO. Temos assim, um pensamento que tem como base a exclusão e a não aceitação da diferença, já que temos lá a primeiro regra da igualdade, que é só o que presamos. Se esquecendo que se algo é a VERDADE mesmo, todos deveriam ver, afinal ela deveria ser tão clara e tão certa que seria impossível pensar no seu oposto, a verdade por si só eliminaria a contradição. Se é possível se pensar numa oposição a algum enunciado então já não é tão claro, é apenas UMA "verdade" particular. O que não condiz com a necessidade de Universalidade da Verdade.
4 - Princípio da razão suficiente (causalidade): Tudo o que existe e tudo o que acontece tem uma razão (causa ou motivo) para existir ou para acontecer, e que tal razão pode ser conhecida pela nossa razão. O princípio da razão suficiente costuma ser chamado de princípio de causalidade para indicar que a razão afirma a existência de relações ou conexões internas entre as coisas, entre fatos, ou entre ações e acontecimentos. Pode ser enunciado da seguinte maneira: "Dado A, necessariamente se dará B". E também: "Dado B, necessariamente houve A".
Pronto, criamos um outro problema que é a ideia de causalidade como algo natural e inescapável ao pensamento, o que alguns filósofos também questionarão, como David Hume. Ele vai mostrar que a ideia de causalidade é uma crença, que como a fé religiosa não pode ser provada por esse próprio sistema de razão que tem na causalidade um de seus fundamentos. Ou seja, essa ideia de razão pressupõe a causalidade, precisa da causalidade para funciona, mas não pode prová-la. Logo, a razão mesma que se quer universal e portadora da verdade, se sustenta em pilares de fé... Contraditório de tudo para um sistemas que não aceita a contradição e a diferença como dito acima...
Bem, por essas questões todas é que a própria ideia de verdade precisa ser melhor pensada, e nós deveríamos tomar mais cuidado com aquilo em que acreditamos ser verdadeiro. Por essas definições todas que eu dei, você conseguiria me dar UM EXEMPLO que seja de alguma VERDADE que obedeça todas essas regras, que ninguém possa negar ou duvidar, porque sendo verdade está fora de qualquer possibilidade de contradição? Descartes diz que essa unica coisa é o
cogito, o "penso, logo existo", mas mesmo isso já foi muito contestado, então já não serve mais hoje em dia para a filosofia contemporânea, alias, nem para a filosofia moderna mesmo de que ele é o pai.
Agora, quais são as implicações disso? Se ninguém tem a Verdade, e nós precisamos de "verdades" para construir conhecimento porque nosso modelo de pensamento assim exige, então nós caímos numa definição de "verdades uteis". Então, obvio que eu como todo mundo, terei minhas crenças, o ser humano por mais racional que seja é um ser de crenças, crê muito, acha muito e no fundo não pode provar NADA. Por essa visão de mundo caímos em Foucault que vai dizer que todo discurso (inclusive os discursos que se pretendem discursos de verdade como a ciência) não passam de discursos de manipulação e de poder. Se eu, nem ninguém, tem a verdade, quando estamos aqui num fórum tentando convencer os outros de nossa crença estamos fazendo isso porque queremos dominar o outro por nosso discurso. E porque queremos fazer isso, novamente por causa daquelas regras racionais que "compramos" de Platão e que nos diz que para alguém estar certo, necessariamente alguém estará errado. Logo se eu estou aqui me achando correto, vocês para mim estão todos errados...
Nós não temos um sistema que visse colaboração, acréscimo, agregação de conhecimentos e possibilidades, nós criamos um mondo que acredita numa verdade que não pode provar de fato por suas próprias regras, e ainda assim como precisamos sempre de "certos e errados" vamos eleger alguns alguns discursos para assumirem esse papel de portadores da verdade. Esses discursos já foram os religiosos, hoje são os científicos, que é a religião moderna, e nossa forma atual de niilismo e negação da vida e de suas contradições como diz Nietzsche...
PS: Como eu escolho então os discursos que vou defender? Se eu não acredito que ninguém está certo, como eu escolho, por exemplo, entre o pensamento antropológico ou o biológico nestas questões de gênero que é a questão desse tópico. Eu escolho sempre os pensamentos que vou tentar ajudar a divulgar não por sua "verdade" mas por sua utilidade. Se tudo é invenção, se tudo é discurso, eu vou tentar vender aos outros aqueles discursos que me PAREÇAM ser mais uteis para a sociedade e para a maioria das pessoas. Neste sentido, para mim, aprisionar as pessoas por categorias de gênero e sexo, como prisão que é, é menos útil que um pensamento em que todos fossem completamente livres para se expressar como bem entender... Então, pouco importa neste sentido as "verdades" biológicas, ou físicas, ou cientificas, porque eu vejo essas verdades como invenções apenas, se são úteis (para tratar canceres) as aceito se não são não tenho porque aceitar como se a ciência estivesse sempre com a razão e a verdade...