Texto do Paulo Ghiraldelli, que pode ser acessado
aqui.
Votar em quem nas próximas eleições?As pessoas pensam que é fácil ser social-democrata no Brasil. Mas não é.
O PDT nasceu assim, mas não conseguiu se firmar. Transformou-se logo na legenda de um homem, como não poderia deixar de ser. Brizola era o PDT. Toda aquela inicial divisão entre economistas mais liberais (César Maia, nos tempos de jovem digno) e pensadores social-democratas (Mangabeira Unger, então menos maluco), que seria então mediada por um renovado Leonel, distante de ser “o cunhado de Jango”, caiu por água abaixo no calor do Rio de Janeiro. Eis aí uma cidade onde tudo que nasce prometendo coisa boa morre cedo.
O PSDB foi o segundo passo. Montoro achava que poderia fazer do que fez no governo de São Paulo. Ou seja, pensou tirar daí a experiência para um partido de linha social-democrata. Com FHC, Covas, Serra, João Sayad e outros, abandonou Ulisses Guimarães – que o avisou para não fazer isso – em favor de um partido menos populista, e menos à direita que o de Quércia e, depois, o do homem que mandou invadir o Carandiru. Deu no que deu. Esses dias Ciro Gomes falou tudo: o PSDB virou um lixo neoliberal. E olha que ele mesmo se encantou com tal projeto. Chegou até mesmo a chamar de público Quércia de “boiola”, para brigar no PMDB e criar o PSDB. Nas mãos de Aécio, hoje, o PSDB nem mesmo é uma caricatura de uma paródia social-democrata. Tornou-se até mais conservador que o conglomerado chamado PMDB. E eis ainda nãos mãos do garoto que faz aeroporto nas fazendas do finado Tancredo Neves na razão inversa da miséria que paga aos professores de Minas Gerais.
O PT nunca se disse social-democrata. Queria ser um partido de esquerda diferente dos partidos comunistas e diferente da via “reformista” social-democrata. Mas, em determinado momento, definiu-se sim por práticas tipicamente social-democratas, junto com outras práticas que até Deus, que já viu de tudo, ficou corado ao olhar pelo buraco da fechadura. Mas, enfim, políticas desse tipo, social-democrata, vivem no PT e no governo. Ao mesmo tempo, por razões eleitorais óbvias, o próprio Lula adquiriu hábitos de “tiozão” meio que social-democrata, uma espécie de Miterrand em terceiro mandato, temperado pelo jeito Brizola e pela tenacidade de um operário do torno que se tornou operário da política. O PT vive então essa tensão entre políticas que são social-democratas e que, feitas no Brasil, não podem jogar fora o varguismo, muito menos a corrupção, justamente porque a direita não joga fora o lacerdismo – que vive do ódio aos pobres e da denúncia da corrupção, da que existe e da que não existe. Isso sem contar quando não vive, em termos ideológicos, dos fricotes de um Pondé na Casa do Saber, lutando contra o Marx que nunca leu.
É assim que os programas do PT de “transferência direta de renda”, caso os olhemos com bons olhos, fazem o papel meio que keynesiano de aquecimento do mercado e de possibilidade de pleno emprego, num mundo em crise. Mas, ao mesmo tempo, recolhem a herança de uma nação de pobres (e ricos também) que mesmo não conhecendo Vargas, sabe bem que o estado como “pai dos pobres” lhe deve uma paternidade prometida e negada – negada aos pobres, não aos ricos quando declaram falência em seus bancos. Há pobre de todo tipo! Há rico de um tipo só.
Às vezes essa mistura entre populismo e social democracia é tão forte que os petistas, ao defenderem suas políticas, eles próprios as confundem e falam em defesa da “ajuda ao pobres”, de uma maneira populista mesmo, e com isso confirmam a crítica da direita. Nem eles sabem que há sim, virtuosamente, um veio social-democrata, técnico, nada populista, que tem pé nessas políticas. O populismo de esquerda se confunde com o populismo de direita. Às vezes um Jango não de distingue de um Jânio na consciência popular. E se o inimigo comum eleito propositalmente é a Rede Globo, então mais ainda isso confunde a militância da esquerda e da direita que gostam do populismo.
Assim, a política de cotas não é populista, ela é social-democrata, mas de origem antes americana que europeia. Visa não exclusivamente a “ajuda aos negros”, mas a integração racial, o convívio étnico e, portanto, uma aceleração na diminuição do preconceito (uma política educacional é outra coisa, é a do favorecimento da escola pública). A direita ataca essa política dizendo, erradamente, que ela é racista, pois quebra a igualdade perante a lei. Mas ela não é política educacional, ela é política étnica, e não diz que negro é pior que branco ou melhor que branco. Diz apenas que o Brasil precisa escurecer um pouco certos ambientes, para ficarem mais próximos com os índices de negritude dado pelo IBGE, de modo que lugares postos não criem barreiras que ampliam o preconceito. Seria tolo achar que isso é política para ajudar historicamente negros vítimas da herança da escravidão. Nenhum negro aceitaria tão pouco por tamanha desgraça. Seria uma indenização ofensiva.
Assim também são as formas de bolsa-família e dezenas de outros incentivos aos pobres. Pode ajudar todos os mais pobres, mas não é forma de criar preguiça, pois ninguém vive com tão pouco dinheiro, mas é sim uma pequena alavanca para que o miserável possa comprar a primeira roupa da fila do emprego. Deu certo. A taxa de desemprego caiu assustadoramente e a economia aqueceu enquanto no mundo todo (fora a China, claro!) as coisas foram de mal a pior. Essa política, diferente do que a esposa do empresário que mora nos Jardins paulistano pensa, e que é o que o seu marido não pensa, não é ruim para ela, é o que garante a empresa do seu marido vendendo alguma coisa.
Todavia, essas duas políticas podem realmente, em época de eleição, virar moeda de troca como os coronéis faziam no passado. Ou como se faz em lugares muito pobres hoje, por qualquer partido. É assim mesmo. E o próprio PT, mesmo que tivesse um social-democrata do tipo Ciro Gomes à frente, titubearia nessa prática, e ao fim e ao cabo acabaria usando tal política no estilo do velho populismo. É preciso ter um país de classe média (em termos renda) e bem escolarizado para que o populismo vá embora e abra espaço para a social democracia autêntica – se é que ela é um valor em si, como vários pensam que é.
Muita gente boa vota em Dilma por conta disso: vamos aos trancos e barrancos em direção da melhoria econômica da população, mas vamos, e isso é o que importa. No futuro, então, damos um jeito na educação e na saúde e na infra-estrutura, na mentalidade política etc.
Mas há muita gente que não é propriamente de direita, não é boneca da revista Veja, mas que não aguenta mais gente como o Nassif & Cia fazendo o papel de Gregório & Cia. É gente que não é conservadora a ponto de achar que um Reinaldo de Azevedo vale o que come, mas que prefere arriscar perder o que se ganhou do que continuar achando que Zé Dirceu, lá da prisão, ainda governa. Esse pessoal pode arriscar um voto em Marina ou Aécio. No Brasil de hoje podemos escolher sim, como não? Podemos escolher em que armadilha cair!
Claro que fora disso, para um futuro, poderíamos pensar de modo mais amplo. Poderíamos introduzir princípios do solidarismo timótico, que Sloterdijk defende, e que eu acho que tem uma cara de liberalismo avançado dos Estados Unidos, aquele que Dewey louvou e aquele que fazia Rorty votar em Clinton. Isso mesclaria o bem-viver com o orgulho por proteger instituições necessárias (mas não todas), como aquilo que é feito pelos ricos americanos com o aparato universitário, inclusive as universidades públicas. Mas isso seria viver num estágio bem avançado, onde PT e PSDB já não existiriam mais, felizmente. Nesse estágio, poder econômico dominando as eleições seria algo menor, e o caciquismo não poderia existir. Nem haveria ainda tanta pobreza mesclada a um ensino que paga tão mal aos professores que permite que gente escolarizada ainda esteja nos templos religiosos não para orar, mas para pedir milagres e falar mal da vida alheia.
Nesse futuro eu vou estar lá, votando.
Paulo Ghiraldelli, 56, filósofo.