Algumas considerações:
A União Europeia era o único... Estado?... Império?... Coisa... em expansão territorial na virada do século XX para o XXI. Expansão, aliás, obtida por adesão e com baixa resistência (se pensarmos em resistência física/armada, não houve nenhuma que eu me lembre).
Pela primeira vez houve uma resistência. Yanukovych resistiu e pagou caro por isso. A UE e os EUA (apesar das desavenças - lembram do "fuck EU"?) fizeram pacto com o diabo, mas derrubaram Yanukovych - parte do problema deles é esse, o novo governo ucraniano fede muito (não que o anterior fosse cheiroso, mas o atual une a antiga cleptocracia com o fascismo).
A Rússia, ou Putin e os seus, sonham em recuperar a antiga grandeza dos czares e temem que a expansão da UE e da OTAN barrem esse sonho (ou devaneio). Era preciso traçar um limite. Agarrar-se à Crimeia é a tentativa de traçar esse limite. Fico me perguntando como ficarão a Ossétia do Sul e outros enclaves russos em países da antiga URSS, balões de ensaio anteriores para a mesma tentativa de traçar um limite à UE e à OTAN.
Para a UE, a incorporação da Ucrânia teria mais valor político que econômico - o Leste já sobrecarrega o Oeste, assim, a expansão pesaria ainda mais sobre os cofres da UE. Será que eles estão mesmo a fim de enfrentar o urso russo por tão pouco?
Há relações fortes entre empresas russas e europeias - o maior acionista individual da Pirelli é russo, por exemplo; sem falar na dependência do gás e do petróleo russo. A integração da Rússia à economia ocidental é grande, com vantagens para russos e europeus. Não creio que nenhum dos lados queira um afastamento.
Falar em guerra fria é um erro. O que temos é o esgotamento do modelo de governança mundial que tinha os EUA como única potência inconteste, com a UE submetendo-se mas comendo pelas beiradas. As incursões européias na África, tanto quanto servirem para aliviar o fardo dos ianques, serviam para botar na rua o bloco do velho imperialismo europeu. Mas o lento renascimento do imperialismo europeu ainda não ameaçava o poder global ianque. A Rússia, politicamente, não tenta firmar-se como alternativa, tenta apenas traçar um limite. A ausência, por parte da Rússia, da pretensão de se colocar como um poder concorrente, parece-me que justifica não se usar a expressão 'guerra fria'. Ainda estamos numa fase anterior, de resistência ao poder global ianque, e não na fase de se colocar como alternativa. Aliás, não estamos nem mesmo numa fase em que a Rússia ou qualquer outro país possa se definir como "dona" de uma grande zona territorial global - os EUA ainda são 'A' grande potência mundial.
O grande problema é que os EUA já rosnaram muito e se não morderem, ficará feio. Vai dar a impressão que não mandam mais tanto assim no mundo. Daí a vantagem de Putin, pois ele tem mais cartas na manga que os ianques, já que sanções realmente graves seriam ruins pra Rússia e pra UE ao mesmo tempo. Será que os EUA conseguiriam bancar os prejuízos da UE?