Autor Tópico: No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)  (Lida 8666 vezes)

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Offline Cinzu

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #300 Online: 03 de Junho de 2019, 20:52:06 »
Então agora finalmente faz sentido a "conspiração".

Capitalistas são malvadões que só pensam no seu próprio negócio  :x  Deveriam ter mais empatia com seus concorrentes.
"Não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar"

Offline Pedro Reis

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #301 Online: 03 de Junho de 2019, 20:58:07 »
Se há mesmo casos de empresários reduzindo intencionalmente a qualidade de um produto sem que haja compensação no custo de produção é na verdade auto-sabotagem, ou trata-se de mercados monopolistas/carteis.

Considerando um cenário de livre-concorrência, uma fábrica aleatória de um empresário qualquer com market share risível (algo como menos de 1% de participação no mercado, por exemplo) é ilógico pensar que ele irá auto-sabotar o próprio produto. Ele estará na verdade ajudando a concorrência.

E não acho que empresários sejam tão bondosos a ponto de se preocuparem com seus concorrentes e intencionalmente se auto-sabotarem só para que seu rival não tenha que fechar o negócio dele.

Então veja esse caso de ninguém menos que a HP sabotando seus próprios produtos porque calcularam que esta auto-sabotagem proporcionaria maior ganho a empresa ao induzir seus consumidores a usarem cartuchos originais.

Citação de: site Baboo
Impressoras da HP foram pré-programadas com datas para falhas de cartuchos não originais

Milhares de impressoras da empresa começaram a exibir mensagens de erro exatamente na mesma data: 13 de setembro de 2016.

Na data mencionada acima, impressoras da HP com cartuchos não originais começaram a exibir mensagens de erro como esta na imagem abaixo:

Impressoras da HP foram pré-programadas com datas para falhas de cartuchos não originais
Milhares de usuários postaram reclamações no fórum de suporte da HP. O revendedor online de cartuchos 123inkt.nl também recebeu um grande número de reclamações e decidiu investigar o problema.

Depois da investigação de diversos modelos de impressoras, o revendedor online de cartuchos 123inkt.nl constatou que o problema era causado pelo firmware e entrou em contato com a HP para obter mais informações.

Os usuários constataram também que o problema só ocorria em impressoras com cartuchos não originais. Isto fez com que a HP admitisse que o problema era mesmo causado por uma versão atualizada do firmware das impressoras.

O detalhe é que o firmware mais recente foi lançado em março de 2016. Outros modelos com firmwares lançados antes disso também apresentaram problemas com cartuchos não originais, incluindo impressoras sem acesso à internet.

Agora a HP divulgou um comunicado oficial onde confirma que a rejeição dos cartuchos não originais é algo intencional que “visa proteger as impressoras e a comunicação entre os cartuchos e as impressoras”.

Impressoras afetadas continuarão funcionando com cartuchos recarregados desde que eles contenham o chip de segurança da HP. Cartuchos sem este chip serão rejeitados.

Não dá pra dizer que é teoria da conspiração. A "sabotagem" foi admitida pela própria empresa.

Offline Pedro Reis

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #302 Online: 03 de Junho de 2019, 21:01:46 »
É uma inconveniência para o consumidor que favorece o concorrente.

Mas com certeza isso não foi decidido de "orelhada". Os caras devem ter feito um modelo bastante sofisticado e constataram que o ganho compensaria as perdas.

Offline Pedro Reis

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #303 Online: 03 de Junho de 2019, 21:36:40 »
O Mises diz que não existe, mas não dá pra dizer que é teoria da conspiração.

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Apple e Samsung são multadas por 'obsolescência programada'

Prática consiste em reduzir a duração de produtos de forma proposital para que o consumidor adquira novos modelos

24/10/2018 - 09H09 - ATUALIZADA ÀS 09H13 - POR AGÊNCIA ANSA

A autoridade antitruste da Itália multou nesta quarta-feira (24) a Apple em 10 milhões de euros e a Samsung em 5 milhões de euros por "práticas comerciais incorretas", ao terem forçado os consumidores a realizarem atualizações de software que encurtavam a vida útil de celulares.

As duas empresas violaram os artigos 20, 21, 22 e 24 do Código do Consumidor italiano e receberam a primeira sanção no mundo por "obsolescência programada", quando a duração de produtos é reduzida de forma proposital para que o consumidor os troque por novos modelos.


 


Quer produzir sua energia elétrica? Veja por que este é um ótimo momento

Segundo decisão da Autoridade Garantidora da Concorrência e do Mercado, órgão italiano que defende os direitos dos consumidores e investiga práticas antitruste, Apple e Samsung induziram os clientes a instalarem atualizações em dispositivos que não eram capazes de suportá-las.

As empresas bombardearam os usuários com pedidos e alertas para que os softwares fossem atualizados, sem fornecer as informações sobre a capacidade dos aparelhos de suportá-los nem permitir o retorno às versões anteriores.

As pessoas não eram informadas sobre as maiores exigências de energia dos novos sistemas operacionais nem sobre possíveis inconvenientes, como desligamento repentino, redução da velocidade de resposta do aparelho e perda de algumas funcionalidades.

No caso da Samsung, o inquérito se refere ao Galaxy Note 4; no da Apple, ao iPhone 6. A multa da empresa norte-americana é maior porque ela também não informou corretamente seus consumidores sobre a deteriorabilidade e a manutenção de baterias de lítio.

Além da sanção, Apple e Samsung deverão publicar um "mea culpa" em suas páginas em italiano, com uma declaração que informe sobre a decisão do órgão antitruste.

Offline -Huxley-

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #304 Online: 03 de Junho de 2019, 21:58:34 »
Não é "se quisessem", mas "se tivessem condições" e "se se comportassem de maneira a melhor satisfazer seus objetivos racionais."

De outra forma é meio como dizer que a crescente obesidade é só vontade das pessoas.

Não estou nesse fórum para ficar discutindo verbalismo. E eu sei muito bem a diferença de autonomia entre um típico viciado em crack, um típico obeso e um típico consumidor de produtos "tech".

O que acontece é que o marketing dos produtos "tech" pegam carona mais facilmente no nosso viés mental de perceber a mudança, e não o que é estático (como explicado na teoria do prospecto de Kahnemann e Tversky) e nos efeitos de esteira hedônica.

Entretanto, parece que não incorremos na mesma insatisfação tecnológica rotineira com a arte clássica, os móveis antigos - tudo o que não colocamos na categoria de "tech".

A explicação está nas diferenças das preferências reveladas dos consumidores aos capitalistas ofertantes.
« Última modificação: 03 de Junho de 2019, 22:05:47 por -Huxley- »

Offline Buckaroo Banzai

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #305 Online: 03 de Junho de 2019, 22:06:50 »
O Mises diz que não existe, mas não dá pra dizer que é teoria da conspiração.

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Apple e Samsung são multadas por 'obsolescência programada'

Prática consiste em reduzir a duração de produtos de forma proposital para que o consumidor adquira novos modelos
...
O caso das impressoras, por essa segunda citação, parece o que eu havia sugerido, uma tentativa de lock-in com os cartuchos (que subsidiam a produção de impressoras). Sem esse tipo de coisa, não tem mercado de impressora barata.

No caso dos celulares parece nem ser uma tenativa de lock-in, eles se arriscam a só ter os celulares inutilizados/lerdeados descartados e trocados por concorrentes com reputação melhor de durabilidade.

Suspeito que fosse ser mais lucrativo eles terem criado algum filtro que não dá as atualizações inapropriadas para dispositivos ultrapassados, do que arriscar perder compradores/clientes para um concorrente que não tenha essa reputação de vida curta do aparelho, ou de requerer atenção demais para não fazer atualizações que ferram com tudo em vez de melhorar.

Acho que as multas, mais do que corrigir uma prática de "lucros sacanas", nesse caso amplifica uma redução nos lucros que seria natural, mas talvez insuficiente, para práticas que seriam mais favoráveis tanto ao consumidor quanto à empresa.















Não é "se quisessem", mas "se tivessem condições" e "se se comportassem de maneira a melhor satisfazer seus objetivos racionais."

De outra forma é meio como dizer que a crescente obesidade é só vontade das pessoas.

Não estou nesse fórum para ficar discutindo verbalismo. E eu sei muito bem a diferença de autonomia entre um típico viciado em crack, um típico obeso e um típico consumidor de produtos "tech".

O que acontece é que o marketing dos produtos "tech" pegam carona mais facilmente no nosso viés mental de perceber a mudança, e não o que é estático (como explicado na teoria do prospecto de Kahnemann e Tversky) e nos efeitos de esteira hedônica.

Entretanto, parece que não incorremos na mesma insatisfação tecnológica rotineira com a arte clássica, os móveis antigos - tudo o que não colocamos na categoria de "tech".

A explicação está nas diferenças das preferências reveladas dos consumidores aos capitalistas ofertantes.

Existe uma tolerância, a contragosto, de uma longevidade aquém do que as pessoas realmente gostariam, o que é em parte devido ao interesse e até eventual necessidade em funcionalidades adicionais nesses aparelhos.

O mercado não atende às preferências num sentido absoluto, só ao que é mais lucrativo dentre o leque de possibilidades ofertadas.

É um pouco como dizer que os governantes eleitos são a preferência dos eleitores. O mercado "de verdade" é menos imperfeito do que eleições como "mercado", mas ainda não vai entregar para as pessoas suas preferências verdadeiras dentro de todo o espectro de possibilidades.


Offline -Huxley-

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #306 Online: 03 de Junho de 2019, 22:19:09 »
Citar

As pessoas não eram informadas sobre as maiores exigências de energia dos novos sistemas operacionais nem sobre possíveis inconvenientes, como desligamento repentino, redução da velocidade de resposta do aparelho e perda de algumas funcionalidades

Ou seja, no fundo, a obsolência programada só é um problema ético e judicial quando a parte ofertante sabe sobre um defeito do produto e há uma incerteza por parte do consumidor sobre tal defeito. Para combater isso, existem as leis de responsabilidade civil e a common law. Quando as duas partes têm acesso à informação e à disponibilidade da certeza da presença do defeito, então não há justificativa para reclamar judicialmente.

Offline -Huxley-

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #307 Online: 03 de Junho de 2019, 22:41:10 »
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Existe uma tolerância, a contragosto, de uma longevidade aquém do que as pessoas realmente gostariam, o que é em parte devido ao interesse e até eventual necessidade em funcionalidades adicionais nesses aparelhos.

O mercado não atende às preferências num sentido absoluto, só ao que é mais lucrativo dentre o leque de possibilidades ofertadas.

É um pouco como dizer que os governantes eleitos são a preferência dos eleitores. O mercado "de verdade" é menos imperfeito do que eleições como "mercado", mas ainda não vai entregar para as pessoas suas preferências verdadeiras dentro de todo o espectro de possibilidades.

A oferta do capitalista não é um barro perfeitamente maleável às preferências dos consumidores. Existe a coisa óbvia chamada escassez. Para alguns tipos de produtos imagináveis, a quantidade ofertada desejada pelos capitalistas é de poucas unidades vendidas a um determinado preço. Para outros, a quantidade de unidades desejadas de oferta do produto é zero, pois os consumidores não estariam dispostos nem a pagar o preço que cobriria o custo marginal do produto para o capitalista. 
« Última modificação: 03 de Junho de 2019, 22:45:24 por -Huxley- »

Offline Buckaroo Banzai

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #308 Online: 03 de Junho de 2019, 22:55:42 »
Não pretendi sugerir que fosse. O capitalismo sozinho não gera resultados ótimos seja para o atendimento mais imediatista/hedônico ao consumidor, nem para a sociedade em larga escala, mesmo dentro do que seria possível em termos de custos. Na verdade, argumentavelmente aumenta os custos em alguns casos, mesmo que talvez geralmente de maneira indireta (barateando o custo financeiro).

Offline Pedro Reis

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #309 Online: 03 de Junho de 2019, 23:17:17 »

No caso dos celulares parece nem ser uma tenativa de lock-in, eles se arriscam a só ter os celulares inutilizados/lerdeados descartados e trocados por concorrentes com reputação melhor de durabilidade.

Suspeito que fosse ser mais lucrativo eles terem criado algum filtro que não dá as atualizações inapropriadas para dispositivos ultrapassados, do que arriscar perder compradores/clientes para um concorrente que não tenha essa reputação de vida curta do aparelho, ou de requerer atenção demais para não fazer atualizações que ferram com tudo em vez de melhorar.


Eu acho pouco provável que empresas de tecnologia, um negócio por natureza sofisticado não só no que diz respeito ao desenvolvimento de produtos, mas que demanda muita sofisticação gerencial também, tomem esse tipo de decisão sem um processo de avaliação cuidadosa das possíveis vantagens, mas também dos riscos. Incluso riscos judiciais. Não deve ter sido assim que se tornaram e se mantém gigantes em um segmento competitivo.

Mas o ponto na verdade é que casos como este mostram que obsolescência programada existe sim, não é uma fantasia de mentes conspiracionistas. Casos como estes, admitidos pelas próprias empresas, provam que é possível que sob certas circunstâncias uma empresa decida que deve reduzir a qualidade do seu produto. Sem que isso tenha nenhuma relação com a redução do preço de venda e/ou do custo de produção.

Offline -Huxley-

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #310 Online: 04 de Junho de 2019, 00:06:12 »
Não pretendi sugerir que fosse. O capitalismo sozinho não gera resultados ótimos seja para o atendimento mais imediatista/hedônico ao consumidor, nem para a sociedade em larga escala, mesmo dentro do que seria possível em termos de custos. Na verdade, argumentavelmente aumenta os custos em alguns casos, mesmo que talvez geralmente de maneira indireta (barateando o custo financeiro).

O que seria possível em termos de custos depende do oportunismo econômico, não da benevolência. Num sistema concorrencial de mercado com boas leis de responsabilidade civil, dizer que não está sendo feito o possível em termos de custos é quase a mesma coisa de dizer que existe uma oportunidade de lucro não explorada. Portanto, quem não está tendo oportunismo suficiente está aumentando o risco da própria pele numa atividade já arriscada (o investimento em bens de capital visando o lucro).
« Última modificação: 04 de Junho de 2019, 09:18:22 por -Huxley- »

Offline Pedro Reis

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #311 Online: 04 de Junho de 2019, 00:29:29 »
Que engraçado. Quem assistir vai achar que tudo que eu escrevi aqui tirei desse vídeo, mas na verdade nunca tinha ouvido falar apesar de ser de 2007.

Descobri esse Story of Stuff googleando sobre obsolescência programada. Interessante que ela aborda algumas questões da mesma forma como eu fiz. O vídeo, como nos meus posts, também faz uma analogia com a moda para ilustrar a ideia de obsolescência programada e cita um tipo de obsolescência programada, que chama de obsolescência percebida. Assim como eu também argumentei aqui.

Alguns podem dizer que há erros, que há exageros... mas alguém pode negar que esse modelo de sociedade nos direciona para um inevitável colapso?



Offline Buckaroo Banzai

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #312 Online: 04 de Junho de 2019, 17:21:48 »
Não pretendi sugerir que fosse. O capitalismo sozinho não gera resultados ótimos seja para o atendimento mais imediatista/hedônico ao consumidor, nem para a sociedade em larga escala, mesmo dentro do que seria possível em termos de custos. Na verdade, argumentavelmente aumenta os custos em alguns casos, mesmo que talvez geralmente de maneira indireta (barateando o custo financeiro).

O que seria possível em termos de custos depende do oportunismo econômico, não da benevolência. Num sistema concorrencial de mercado com boas leis de responsabilidade civil, dizer que não está sendo feito o possível em termos de custos é quase a mesma coisa de dizer que existe uma oportunidade de lucro não explorada. Portanto, quem não está tendo oportunismo suficiente está aumentando o risco da própria pele numa atividade já arriscada (o investimento em bens de capital visando o lucro).

Só recapitulando que o meu ponto inicial intencionava apontar que a realidade não é nem que "as empresas estão todas conspirando contra o consumidor", assim como também não é bem que "na verdade a iniciativa privada sempre traz o que é ótimo, e tudo que houver de moralmente questionável só pode ser atribuído ao estado." Dizer que "na verdade os produtos são tais como são porque é o que o consumidor realmente quer, o mercado só atende aos desejos das pessoas" é algo que se aproxima dessa última linha.

O oportunismo econômico não irá inerentemente trazer o melhor para o consumidor e para a sociedade em geral, mesmo que este "melhor" seja economicamente viável, pois pode ser menos lucrativo ao menos inicialmente.

Por isso são necessárias legislações impondo certos requerimentos de padrões diversos, e que vão evoluindo com o tempo. Se o mercado livre é algo análogo a evolução biológica, este vai criar mais eficientemente adaptações ótimas, mas na natureza produziu uma maioria de seres que são parasitas. O que é mais adaptativo não é para o "bem da espécie" e nem da ecologia ao todo, e é parecido com o que é mais lucrativo. Algum grau de "seleção artificial" aproveita o que melhor se desenvolveu naturalmente e que mais se adequa ao bem-estar da sociedade.

Para exemplos mais concretos e menos discutíveis, legislação contra CFCs, e agora teoricamente coisas como um "mercado de emissões de CO2." Proibição de chumbo na gasolina e em outros produtos (acho que principalmente tinta) sob risco de absorção por crianças em desenvolvimento. Limitações de agrotóxicos, de gorduras trans, sódio. Requerimentos de critérios e tecnologias de segurança em veículos.

Não são necessariamente coisas só estatais, acho coisas como padrões ISO9000 da vida talvez sejam uma aproximação privada e mais frouxa (dependendo de acato voluntário por vantagem percebida no mercado) desse tipo de coisa.

Mas em algum momento o desenvolvimento tecnológico (ou outro) é tal que fica aparentemente evidente uma ineficiência (no sentido de economia/ecologia/sociedade ao todo, e não para o bem "egoísta" duma empresa) na forma como as coisas tipicamente são feitas, é perceptível a possibilidade de alternativas que atenderiam melhor a população em geral, mesmo produzidas pela iniciativa privada. Então é benéfica alguma exploração em intervenção nesse sentido, tentando chegar a algum "pico adaptativo" mais elevado que é obstruído por um "vale" na topografia adaptativa espontânea da economia. Talvez essa analogia de pico adaptativo não seja tão adequada dentro da ótica de bem-estar social em vez de adaptatividade egoísta/individual, mas acho que deve ser possível pensar em algo assim, uma paisagem adaptativa em termos de bem-estar social coletivo, em vez de lucros de empresas.

Do lado mais liberal vai haver quem questiona isso, tanto dentro dessa ótica de que de alguma forma o estado vai sempre piorar tudo (e que é mais importante a Liberdade de se consumir algo que oferece maior risco à própria saúde, vida, de familiares, e até da coletividade em longo prazo), quanto por negacionismo científico mais específico pertinente.

Offline Pedro Reis

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #313 Online: 04 de Junho de 2019, 18:13:58 »
Em suma: ou civilizamos o "capitalismo selvagem" ou pereceremos.

A humanidade nunca foi tão civilizada. É o que vemos quando comparamos o que já foi aceitável no passado com o que é aceitável agora.

Mas por outro lado o avanço técnico-científico nos possibilita causar imenso auto dano, colossalmente maior do que era possível no passado, o que exige muito mais sensatez do homem. Muito mais do que a atual sociedade foi capaz de adquirir.


Offline Buckaroo Banzai

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #314 Online: 04 de Junho de 2019, 19:23:21 »
Para a maioria das coisas, "pereceremos" é um exagero.

Mas muitas vezes a situação deve ser a de que é possível desenvolver regras que otimizam melhor a aplicação dos recursos do que aquilo que se teria apenas motivado por lucro pessoal sem qualquer critério, ou só com critérios já estabelecidos. Revisões podem evidentemente até implicar em parte em maior liberdade de mercado do que se tem com legislação presente em alguns setores, não é só "quanto mais regulação, melhor".

Talvez fosse melhor que uma arquitetura de processadores tivesse sempre o seu desempenho máximo possível em vez de versões deliberadamente "chaveadas" para menor desempenho (imutável), mesmo que isso eliminasse o mercado de processadores mais baratos, forçando as pessoas a pagarem maiores prestações por algo melhor, ou no mínimo uma arquitetura alternativa não-desacelerada.

Talvez, não sei; só me parece inerentemente um desperdício de material. Se imaginamos que a sociedade se beneficia de maior "poder de processamento," então parece até algo irracional essa auto-sabotagem, mesmo que faça sentido do ponto de vista econômico restrito à empresa e esse consumidor individual. Mas talvez isso no fim das contas seja equivalente a pessoas pagarem mais prestações por processadores "não-sabotados," que totalizariam não só maior poder de processamento para a humanidade (mais para ser aplicado em coisas como o programa folding@home https://en.wikipedia.org/wiki/Folding@home e similares), como também gerariam menos lixo, por valerem mais a pena manter por mais tempo do que o modelo "sabotado". (Em contrapartida, a demanda de energia seria maior).

Talvez isso não seja ainda o total da solução "ótima;" poderia talvez ser em computadores pessoais as pessoas terem uma redução ou relativa estagnação do processamento, que é transferido para servidores de poder maior, através dos quais as empresas talvez pudessem cobrar pelo uso de maneira mais eficiente do que a comercialização de processadores mais potentes para o consumidor final.

Ou pode ser tudo uma grandissíssima besteira e haver alguma outra solução ótima. Mas me custa a aceitar que seja haver essas linhas de capacidade deliberadamente reduzida, mesmo que comercialmente valha a pena. É claro que pode ser que seja. 




Para algo menos controverso (mas também já fugindo praticamente completamente da área de tecnologia), talvez vender só porções menores de comida ajude a prevenir obesidade e os custos sociais resultantes dela.

"Obesity costs the global economy about $2 trillion a year, or 2.8 percent of global GDP, almost the same as smoking or armed conflict, McKinsey Global Institute, the research arm of management consultancy McKinsey & Company, said in a report." https://www.pri.org/stories/2014-11-28/more-people-die-eating-too-much-not-eating-enough


"Portion size is a key environmental driver of energy intake, and larger-than-appropriate portion sizes could increase the risk of weight gain. Multiple acute, well-controlled laboratory studies, supported by data from free-living settings, demonstrated that portion size has a powerful and proportionate effect on the amount of food consumed."
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4224223/





Offline -Huxley-

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Re:No Capitalismo Nem Tudo São Flores: A Obsolescência Programada (Planejada)
« Resposta #315 Online: 04 de Junho de 2019, 23:31:30 »
Não pretendi sugerir que fosse. O capitalismo sozinho não gera resultados ótimos seja para o atendimento mais imediatista/hedônico ao consumidor, nem para a sociedade em larga escala, mesmo dentro do que seria possível em termos de custos. Na verdade, argumentavelmente aumenta os custos em alguns casos, mesmo que talvez geralmente de maneira indireta (barateando o custo financeiro).

O que seria possível em termos de custos depende do oportunismo econômico, não da benevolência. Num sistema concorrencial de mercado com boas leis de responsabilidade civil, dizer que não está sendo feito o possível em termos de custos é quase a mesma coisa de dizer que existe uma oportunidade de lucro não explorada. Portanto, quem não está tendo oportunismo suficiente está aumentando o risco da própria pele numa atividade já arriscada (o investimento em bens de capital visando o lucro).

Só recapitulando que o meu ponto inicial intencionava apontar que a realidade não é nem que "as empresas estão todas conspirando contra o consumidor", assim como também não é bem que "na verdade a iniciativa privada sempre traz o que é ótimo, e tudo que houver de moralmente questionável só pode ser atribuído ao estado." Dizer que "na verdade os produtos são tais como são porque é o que o consumidor realmente quer, o mercado só atende aos desejos das pessoas" é algo que se aproxima dessa última linha.

O oportunismo econômico não irá inerentemente trazer o melhor para o consumidor e para a sociedade em geral, mesmo que este "melhor" seja economicamente viável, pois pode ser menos lucrativo ao menos inicialmente.

Por isso são necessárias legislações impondo certos requerimentos de padrões diversos, e que vão evoluindo com o tempo. Se o mercado livre é algo análogo a evolução biológica, este vai criar mais eficientemente adaptações ótimas, mas na natureza produziu uma maioria de seres que são parasitas. O que é mais adaptativo não é para o "bem da espécie" e nem da ecologia ao todo, e é parecido com o que é mais lucrativo. Algum grau de "seleção artificial" aproveita o que melhor se desenvolveu naturalmente e que mais se adequa ao bem-estar da sociedade.

Para exemplos mais concretos e menos discutíveis, legislação contra CFCs, e agora teoricamente coisas como um "mercado de emissões de CO2." Proibição de chumbo na gasolina e em outros produtos (acho que principalmente tinta) sob risco de absorção por crianças em desenvolvimento. Limitações de agrotóxicos, de gorduras trans, sódio. Requerimentos de critérios e tecnologias de segurança em veículos.

Não são necessariamente coisas só estatais, acho coisas como padrões ISO9000 da vida talvez sejam uma aproximação privada e mais frouxa (dependendo de acato voluntário por vantagem percebida no mercado) desse tipo de coisa.

Mas em algum momento o desenvolvimento tecnológico (ou outro) é tal que fica aparentemente evidente uma ineficiência (no sentido de economia/ecologia/sociedade ao todo, e não para o bem "egoísta" duma empresa) na forma como as coisas tipicamente são feitas, é perceptível a possibilidade de alternativas que atenderiam melhor a população em geral, mesmo produzidas pela iniciativa privada. Então é benéfica alguma exploração em intervenção nesse sentido, tentando chegar a algum "pico adaptativo" mais elevado que é obstruído por um "vale" na topografia adaptativa espontânea da economia. Talvez essa analogia de pico adaptativo não seja tão adequada dentro da ótica de bem-estar social em vez de adaptatividade egoísta/individual, mas acho que deve ser possível pensar em algo assim, uma paisagem adaptativa em termos de bem-estar social coletivo, em vez de lucros de empresas.

Do lado mais liberal vai haver quem questiona isso, tanto dentro dessa ótica de que de alguma forma o estado vai sempre piorar tudo (e que é mais importante a Liberdade de se consumir algo que oferece maior risco à própria saúde, vida, de familiares, e até da coletividade em longo prazo), quanto por negacionismo científico mais específico pertinente.

Em realidade, mercado e Estado são indissociáveis. Não existe economia de mercado sem defesa de propriedade, o qual só é possível com o Estado fazendo o papel de remover a agressão por meio do monopólio da coerção. Sem Estado, é cada um tentando fazer sua própria lei e salve-se quem puder. A defesa da propriedade pode incluir aquilo que se chama de propriedade comum (ar puro, por exemplo). A outra questão diz respeito a proteção contra fraude (que também é uma agressão a propriedade privada), mas existe outra modalidade de infração que pode ser penalizadas pelo Estado... Como quando um ofertante tem certeza do defeito de um produto, mas o consumidor não sabe ou há uma significativa incerteza acerca da presença desse defeito para ele. Uma questão formulada num debate entre dois filósofos estoicos: "Se um homem deliberadamente coloca à venda vinho que está estragando, ele deve contar aos seus clientes?" sugere uma necessidade humana por transparência, não necessariamente por meio de normas e regulamentações, mas também graças às leis de responsabilidade civil e a capacidade de processar por danos o indivíduo que o enganar. Nenhuma pessoa em uma transação deve ter certeza sobre o resultado enquanto outra pessoa tem incerteza, pois tal assimetria informacional equivale a roubo.

A regulamentação deve existir quando não é viável processar para afastar o comportamento antiético. Mas também é possível entender que a proliferação de regulamentos estilo "ditadura do burocrata" torna mais fácil o "comércio de facilidades" entre burocratas e empresários corporativistas. É mais fácil enriquecer desonestamente com muito regulamentos. Isso é notável, por exemplo, quando observamos que as grandes corporações contratam ex-burocratas cuja experiência no trabalho permitiu a perícia em saber o "como driblar a ética na regulamentação da maneira menos ilegal possível".

Em todo caso, mesmo havendo Estado, não é a benevolência que está por traz da eficácia organizativa econômica. Se ela existe de forma ampla, está restrita a pequena comunidade, mas numa sociedade extensa cumpre um papel secundário. Um grupo de idiotas perseguindo interesses idiotas sob o império da lei tendem a gerar cooperação inclusiva mais do que um grupo de utopistas moralizantes tentando fazer a sociedade virtuosa.
« Última modificação: 05 de Junho de 2019, 11:45:28 por -Huxley- »

 

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