Vocês estão levando a questão muito para o lado puramente abstrato do termo "mérito".
Dizer que mérito é um complexo paramétrico da máquina é "levar para o abstrato"???
Estamos falando de mérito no âmbito de meritocracia.
Eu não, e nem poderia. Falo de meritocracia no "âmbito do mérito". Meritocracia existe porque (e não pode deixar de existir exatamente porque) mérito existe, não o contrário.
Então está afirmando que mérito existe independente e antes de existir uma consciência que o determine, mesmo que seja a consciência de macacos ou de hominídeos pré-históricos? Não seria somente um conceito, mas um sistema físico da realidade, como a gravidade ou o eletromagnetismo?
E meritocracia é um arranjo social para o estabelecimento de hierarquias, em teoria, de forma mais justa. E a consequência prática do estabelecimento de hierarquias é a diferenciação no acesso aos recursos, que são coisas tangíveis que estabelecem não só nossa sobrevivência como também a qualidade da vida que temos, portanto não sendo pouco relevantes como parâmetro de avaliação.
Meritocracia não é uma criação deliberada humana, especialmente não criada por humanos "malvados, ávidos ou inconsequentes".
Estou falando de meritocracia no sentido prático de acesso aos recursos. Algo deliberadamente acordado em sociedade, ao estabelecer que professores tem que ganhar X, policiais Y e médicos Z, baseando-se em conceitos mercadológicos subjetivos do que seria mais importante. Nota-se o absurdo destes conceitos nos quais o mercado se baseia para estabelecer o nível de mérito ao considerar, por exemplo, que é convencionado que um jogador de futebol habilidoso merece muito mais acesso aos recursos do que um médico também habilidoso, que desempenha uma função muito mais importante do ponto de vista prático e lógico. E este mérito de acesso a recursos é determinado de forma consciente, não automaticamente por alguma lei natural, ou mão invisível.
Meritocracia é uma criação humana que se fez necessária e inescapável diante da realidade em que foi criada e usada, a de escassez. Natural que num ambiente de falta de recursos básicos, vou ter que estabelecer critérios de acesso. Ocorre que a tecnologia atualmente já nos proporciona a possibilidade do fim da escassez dos recursos básicos para a vida, como água, comida, moradia, energia, transporte, informação. Podemos estabelecer inclusive uma abundância relativa de minérios apenas mudando valores sociais, ao usarmos o acesso estratégico em vez de propriedade universal, e acabarmos com protocolos industriais ecocidas como a obsolescência programada, entre outras coisas tecnicamente possíveis. Ou seja, atualmente nada mais nos obriga materialmente a usar a meritocracia, que é algo tecnicamente ineficiente por depender de competição para funcionar, como já foi postado por mim e outro forista. O que nos impede de fazer uma transição para algo, agora possível, muito mais eficiente e lógico, são apenas valores culturais subjetivos, baseados em tradição e contextos ambientais e tecnológicos já ultrapassados.
Uma pessoa, pela lógica (não pela lógica de mercado), não deveria ser recompensada com mais acesso a recursos, ou desmerecida com menos acessos, simplesmente por ser quem é.
Só um princípio arbitrário desconectado da realidade.
Não, isto implica coisas práticas e tangíveis, como maior eficiência técnica, além de menor desigualdade social, que leva à diminuição da violência e de epidemias de doenças.
Não é lógico nem justo que alguém desfrute menos do acesso
Até aqui, nada mais que julgamento arbitrário do que "deve(ria) ser", conflitante com a realidade.
O porquê de ser lógico eu já falei. E justo/injusto de fato é um conceito mais abstrato, mas não deixa também de ser o caso diante da realidade.
aos recursos naturais
Aqui é o ponto chave. Recursos naturais é o que menos se deseja.
Então está querendo me dizer que acesso a alimento e água, ou a minérios, ou a energia não são amplamente desejáveis?
Os bens cobiçados não são majoritariamente naturais, são produtos de habilidades específicas detidas por alguns, recursos humanos específicos. Se se considerar o produto da genialidade de alguém, após cair em domínio público, um "recurso natural" "justa e logicamente" compartilhável por todos, está-se na contradição de reduzir pessoas a recursos naturais, portanto sem direitos especiais maiores que os de água e pedras.
E por que não considerar conhecimento humano técnico como recurso natural, visto ser produzido por criaturas que nada mais são do que parte da natureza? Mas podemos até ignorar esta questão, pois sobre o compartilhamento de conhecimento o importante a se discutir não é se é ou não recurso natural, mas a questão da propriedade.
É muito interessante pensar sobre o que o conhecimento significa, como é gerado e como é estranho alguém reivindicar racionalmente "propriedade" sobre uma ideia ou invenção. Em nenhum momento da história humana qualquer indivíduo por si mesmo chegou a uma ideia que não tivesse sido gerada em série por muitos antes dele. A culminação histórica do conhecimento é um processo social e, portanto, qualquer reivindicação de propriedade de uma ideia por pessoa ou corporação é intrinsecamente defeituosa. O termo semieconômico usual usado hoje é "usufruto", que significa "o direito legal de usar e aproveitar os frutos ou benfeitorias de algo que pertence a outrem". [313] Na realidade, porém, todos os atributos de cada ideia em existência hoje, no passado, e para sempre no futuro, têm, sem exceção, um ponto de origem distintamente social e não pessoal.
Torna-se óbvio que a noção de propriedade intelectual, ou seja, a posse de meros pensamentos e ideias, manifestou-se a partir do período da história humana em que a criatividade de uma pessoa se tornou atada a sua sobrevivência pessoal. Em um sistema econômico onde as ideias das pessoas têm a capacidade de gerar renda para elas, a noção desse tipo de propriedade torna-se relevante. Afinal, se você "inventar" algo no sistema moderno que possa gerar vendas e, consequentemente, ajudar na sua sobrevivência econômica, seria extremamente ineficiente, do ponto de vista do mercado, permitir que a ideia seja "open-source", uma vez que os outros, buscando a própria sobrevivência, provavelmente se aproveitariam rapidamente da invenção de modo a explorá-la financeiramente.
Também é fácil notar como o fenômeno do "ego" se manifesta na ideia de propriedade intelectual, uma vez que a base de recompensa em tal sistema tem, invariavelmente, um laço psicológico com o senso de autoestima pessoal. Se uma pessoa "inventa" algo, transforma-o numa propriedade intelectual, explora-o por lucro e, em seguida, compra uma casa grande e uma extensa propriedade, o seu "status" como ser humano é tradicionalmente elevado na medida das normas estabelecidas pela cultura - essa pessoa é considerada um "sucesso".
No entanto, se pararmos para pensar sobre isso de um modo geral, o compartilhamento de conhecimento não tem um resultado negativo fora da premissa econômica de propriedade para fins de exploração por lucro. Não há nada a perder e, sem dúvida, muito a ganhar socialmente através da partilha de informação.
só por que não possui correspondente genético nem ambiental àqueles dos que são escolhidos, ou merecidos ter. É o mesmo que dizer que alguém merece mais por ser branco ou por ser europeu.
Dois "médicos que se formam" não são dois equimeritizados. Um assume uma profissão de rotina, sem brilho e qualidade. Outro, pode revolucionar a medicina, mesmo tendo se formado em muito mais desvantajosas condições. A deriva de mérito é inevitável.
O mérito aí já é subjetivo. Claro que alguém vai ter mais destaque na sociedade. Mas isto não implica ser necessário que tenha mais acesso a recursos do que outros, nem mesmo que é necessário que ele tenha esta promessa de mais acesso para poder dar sua contribuição de genialidade.
Em termos práticos da lógica de mercado, de fato faz sentido o estabelecimento de mérito dada a necessidade de grande hierarquização social neste sistema. Mas será que realmente é obrigatório existir hierarquias, ou tanta hierarquia, para que a sociedade funcione?
Depende do que você define/entende como "obrigatório". É "obrigatório" energia para uma máquina funcionar?
Se sim, então, sim, é a resposta.
Como já disse antes, foi obrigatório até o contexto tecnológico e ambiental ter mudado. Hoje não se faz mais obrigatório, não passando apenas de mais uma opção tecnicamente inferior.