Parece-me que os libertários clássicos (os minarquistas) cometeram um erro terrível. Eles selecionaram a mais importante das instituições — a saber, a proteção dos nossos direitos — e deram-na ao monopolista. Creio que, se fosse possível, seria preferível ter um governo que cuidasse de coisas como entretenimento e banheiros ao invés de um governo que se ocupasse de funções "ligeiramente" mais importantes, como segurança e justiça.
Pois é, essas coisas mais importantes é melhor serem deixadas nas mãos dos mais fortes. "Discorda? Exponha, talvez eu reconsidere. Mas não venha fazer panelaço porque o chumbo vai varar suas panelas."
Mas aí não é questão de melhor serem deixadas nas mãos dos mais fortes. Somos obrigados a deixar nessas mãos.
Sempre seremos, é inevitável, a menos que se seja o mais forte. Apenas calha dos estados serem na maior parte do tempo o ente mais forte, exceto nas situações de falha de estado, muitas vezes rotuladas como anarquia.
Falar de anarquia já coloca seu defensor em desvantagem. Isso porque, diferentemente do socialismo, que foi tentado e fracassou, não se tem referência na era moderna de uma sociedade anarquista (nos moldes anarcocapitalistas) para apresentar quaisquer evidências empíricas.
Vários exemplos colocados como fracasso do livre mercado possuem erros lógicos claros pelo simples fato de estarmos lidando com situações de dentro do estado, com a mão do estado envolvida. Acho que não dá para desconsiderar o intervencionismo nessa equação. (Não entendo muito sobre falácias mas acho que isso se chama espantalho).
Bem, tirando as situações de anarquia prática que os anarquistas não querem ver rotuladas como anarquia, só conhecemos mercados livres dentro do estado (e parcialmente possibilitado por eles), então, toda falha de mercado será também parcialmente falha de estado, uma vez que este não é "onipotente". Mas isso tem praticamente a mesma relevância de dizer que é uma "falha da biologia humana" e defender o trans-humanismo como verdadeira solução.
É extremamente mais falacioso, difícil de crer que alguns realmente fazem, tentar jogar a coisa toda só para falha do estado -- isso tem exatamente a mesma "lógica" de dizer que, qualquer segurança pública, estatal ou privada, por nunca ser 100% perfeita, é a culpada dos crimes que apenas falha em evitar. Ora, sem a segurança, só se tem os "criminosos" e as pessoas para se defender por si sós; o mesmo ocorre sem o estado, só sobram aqueles que responsáveis pelo que o estado não pôde evitar, sem o estado para ao menos tentar. Esse ad hoc de tentar colocar tudo como "culpa do estado" não cola mais do que "culpa da física".
O estado deve sim levar a culpa por ineficiência aquém do que seria razoável esperar, ou crimes diretamente perpetrados. Mas começa a beirar a insanidade dizer que é pior a sociedade se organizar de forma não-comercial para tentar evitar e amenizar problemas decorrentes de conflitos de interesse e etc, que é a "essência" do estado.
Considerar que o estado parece ainda ser o mais efetivo aliado/instrumento quando há conflitos de interesse entre a sociedade em geral e alguém/algo bem posicionado no mercado é a reação lógica para qualquer um. Quem já teve experiência diferente? Quem já recorreu a outra instância (que não existe) para resolver seus conflitos? Imagino que, ao menos aqui, ninguém. Como afirmar com tanta certeza isso se não há a experiência anarquista?
Alternativas empíricas há, como a gangue dominante, em territórios dominados por gangues, por falha/ausência de estado. Mas aí estas se tornam o estado de fato, e tem-se todos os mesmos problemas e mais alguns, com o adicional desse "governo" não ser algo com os mesmos "ideais", a mesma função teórica de servir à sociedade.
Poderão falar que é só teoria e que é utopia. No entanto, tudo o que temos hoje é fruto de idéias de pessoas que pensaram em soluções que não existiam e que, para muitos (principalmente os que não os compreendiam) era loucura impraticável. O tempo cuidou de desmistificar isso infinitas vezes. No entanto, sem a adesão de várias pessoas, as coisas não caminham. Por isso sou tão insistente
A utopia do Estado é vivida na prática: todas as promessas e teorias não se realizam, mas não temos alternativas.
Saudações
O estado não é uma "utopia". É só como se fosse uma mega-empresa (ou mega-gangue) que, em sua "declaração de missão" tem algo como "uma organização sem fins lucrativos, que visa garantir com que os direitos de um acabem onde comecem os direitos dos outros, preservando assim a liberdade do mercado/sociedade".
Como qualquer empreendimento humano sempre foi e será, é falho, e assim precisa ser constantemente policiado, ajustado, modificado. E parece algo problemático de simplesmente se deixar de tentar fazer, ficar só por conta da boa vontade de quem quer que tenha mais poder em qualquer situação.
Ainda que, na prática, já seja o que ocorre, pois é algo inevitável, tautológico. Só calha do maior poder ser o estado, que por sorte, tem uma "declaração de missão" nessas linhas, e é visto como legítimo por aceitação popular.