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Após ler os argumentos deste tópico, o que você acha do antinatalismo?

Discordo. Acredito na perpetuação da vida em detrimento do sofrimento de uma minoria (não contando o sofrimento animal). Felicidade de muitos > tristeza de poucos.
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Autor Tópico: As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?  (Lida 5774 vezes)

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Offline Buckaroo Banzai

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #25 Online: 08 de Dezembro de 2016, 16:05:35 »
Irônico nessas coisas e levando em consideração suicídio como uma espécie de indicador, as pessoas de países mais "bem de vida" se suicidam mais do que os mais ferrados, e acho que o mesmo ocorre mesmo dentro de uma mesma cultura.

Mas não sei se nesse tipo de comparação eles conseguem de alguma forma descontar matematicamente algo como "suicidas que morreram de outras causas, associadas à pior qualidade de vida, antes que pudessem ter se matado".

David Lester, professor de psicologia no Richard Schockton College em Nova Jersey, provavelmente pensou mais tempo, com mais profundidade e dos mais diferentes ângulos sobre o suicídio que qualquer outro ser humano. Em mais de 2.500 publicações acadêmicas, ele explorou a relação entre o suicídio e, entre outras coisas, abuso de drogas, depressão, felicidade, tipos de personalidade, doenças mentais, enxaquecas, etc. Ele tem uma teoria do suicídio que poderia ser chamada de "não posso botar a culpa em ninguém". No livro Pense Como Um Freak de Steven Levitt e Stephen Dubner, tem uma citação dele muito interessante sobre esse assunto:

"Quando uma pessoa está infeliz e pode culpar alguém ou alguma coisa - o governo, a economia ou algo mais -, fica mais ou menos imunizada contra o suicídio. É quando a pessoa não tem nenhuma causa externa para culpar pela própria infelicidade que o suicídio se torna mais provável. Tenho usado essa ideia para explicar por que as taxas de suicídio entre os afro-americanos são mais baixas, por que os cegos que recuperam a visão muitas vezes se tornam suicidas e porque as taxas de suicídio de adolescentes com frequência aumentam à medida que sua qualidade de vida melhoram."



http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/05/crescem-as-mortes-em-acidentes-de-transito-homicidios-e-suicidios-4511668.html


http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/paises+mais+felizes+tem+maiores+taxas+de+suicidio+diz+estudo/n1300104734990.html

Citar
Países mais 'felizes' têm maiores taxas de suicídio, diz estudo

Segundo pesquisadores, infelicidade de um indivíduo tende a piorar em ambiente onde maior parte da pessoas se sente bem


Países em que as pessoas se sentem mais felizes tendem a apresentar índices mais altos de suicídio, segundo pesquisadores britânicos e americanos.

Os especialistas sugerem que a explicação para o fenômeno estaria na tendência dos seres humanos de se comparar uns aos outros. Sentir-se infeliz em um ambiente onde a maioria das pessoas se sente feliz aumenta a sensação de infelicidade e a probabilidade de que a pessoa infeliz recorra ao suicídio, a equipe concluiu.

[...]

 

(Seria melhor se essas barras fossem proporcionais ao número absoluto)


Acho que esse segundo fenômeno citado deve talvez ser a explicação por pessoas deprês muitas vezes gostarem de músicas deprês também, algo que sempre me pareceu contra-intuitivo. "Não sou só eu, então".

Offline 859601175

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #26 Online: 17 de Dezembro de 2016, 06:58:31 »
A natureza simplesmente é, não precisa fazer sentido para nós. E talvez o nosso sofrimento advenha dessa necessidade incessante de encontrar sentidos e propósitos além da compreensão, em vez de simplesmente aceitar a vida exatamente como ela é.
Penso que essa constatação de que a natureza "simplesmente é" advém de nossa observação de que nada acontece por um motivo em específico, e que numa escala macro, nada realmente possui sentido. Eu poderia concordar com você nesse quesito, porém a "essência humana" não está satisfeita somente com isso. Isto é, dizer que a natureza não precisa fazer sentido para nós é insuficiente para aplacar a sede de conhecimento e as perguntas que o ser humano possui.

Mas o fato de alguns sofrerem justificaria o fim da existência de tudo e de todas as coisas ditas boas? É mais ou menos como se você pensasse que se as coisas não forem totalmente e milimetricamente perfeitas elas não valem a pena sob nenhum aspecto. E valer ou não valer a pena é uma ponderação muito pessoal, tanto que pessoas em situações piores às vezes estão mais felizes do que aqueles que têm tudo que se pode considerar bom na vida.
Na visão antinatalista, sim. Isto é feito através da constatação de que não temos uma obrigação moral de criar pessoas felizes, porém temos sim uma obrigação moral de não criar pessoas infelizes. Trazer uma pessoa ao mundo é um ato puramente egoísta e que nunca diz nada a respeito à prole, que nada pode fazer para se defender diante desse ato. Reproduzir é, em muitos casos, condenar alguém a doenças, sofrimento e inclusive à morte. Se podemos evitar esse sofrimento que advém de nossas experiências subjetivas, então somos moralmente obrigados a não procriar.

O sofrimento e/ou desordem cerebral que leva centenas de milhares de pessoas a se suicidarem todo ano justificaria a perda de sentido e a desistência da existência para todo o resto? Eu diria que não.
Sob visão antinatalista, sim, pois todo esse sofrimento poderia ser evitado caso os humanos parassem de reproduzir. Aliás, eu reconheço que a depressão é uma desordem cerebral que por conseguinte causa a tristeza do indivíduo, porém eu me refiro  a qualquer tipo de dor.

"Most people do not regret their very existence. Many are happy to have come into being because they enjoy their lives. But these appraisals are mistaken... The fact that one enjoys one’s life does not make one’s existence better than non-existence, because if one had not come into existence there would have been nobody to have missed the joy of leading that life and thus the absence of joy would not be bad. Notice, by contrast, that it makes sense to regret having come into existence if one does not enjoy one’s life. In this case, if one had not come into existence then no being would have suffered the life one leads. That is good, even though there would be nobody who would have enjoyed that good."
- David Benatar, Better Never To Have Been: The Harm of Coming Into Existence.


Sim, como eu disse, tudo é uma questão de ponto de vista.
E nesse processo de formação da visão de mundo, a comparação é inevitável, não só com outras pessoas mas até mesmo com situações hipotéticas.
Pensar que poderia ser pior não resolve um problema, mas sempre ajuda a aceitá-lo melhor, traz uma sensação de alívio. É como tirar o bode da sala. rs
Você não pode escolher tudo que vai te acontecer na vida, mas você tem total liberdade de escolher a maneira como vai encarar/lidar com o acontecimento.

A depressão é uma desordem que atrapalha a lucidez do pensamento, nubla a racionalidade, faz brotar sentimentos torturantes que são fruto de um desequilíbrio químico e que não se reequilibra, na maioria das vezes, com um simples exercício de racionalidade. A depressão afeta diretamente a visão de vida e a ponderação pessoal que cada um faz sobre a validade da mesma, que pode acabar restando equivocada por não ser uma ponderação plenamente consciente e livre da influência desse desequilíbrio químico.
E se, por acaso, você quiser/precisar conversar no privado estarei à sua disposição. Ok? :ok:
A comparação não melhora nossa situação objetivamente, é como uma máscara que nos induz a ter um viés positivo mediante a vida de outrem. Porém, nem sempre isso funciona. Dizem que deveríamos ser felizes e gratos por termos visão, uma vez que existem pessoas que não a possuem. Porém, não é o que vemos na realidade; pessoas ainda continuam infelizes e frustradas, mesmo possuindo uma boa visão e/ou boas condições para viver.

Não gosto de pensar que "tudo é uma questão de ponto de vista", à la pirronismo. Penso que verdades absolutas deveriam (ou devem) ser possíveis de adquirir, ou pelo menos uma visão muito próxima disso. Muitas das questões mais profundas da humanidade até agora nunca foram respondidas de uma maneira satisfatória (existe um sentido para a vida? Por que estamos aqui? Por que há algo ao invés do nada? Etc...), mas eu acho que, se baseando em evidências e discussões, podemos no mínimo chegar num consenso (ou não?) eu espero...

"And even when humanity somehow overcomes Resource depletion, overpopulation, growing religiosity and stupidity and irrationality (not very likely), it still wouldn't redeem any individuals experience of deprivation, suffering and alienation in the world. And even if we all lived in the best of all possible worlds instead of the worst as we do, there would still remain questions like why a self-conscious animal must exist at all, when it feels compelled to justify its own existence with imaginary notions of morality, values, ethics, all of which are totally meaningless in an indifferent mechanistic universe, where life is merely ‘chemical scum on a moderate-sized planet' (Hawking)".

Você está corretíssima quanto a depressão. Se você digitou isso porque pensou que eu estava passando por esse tipo de problema, está correta, e fico muito grato pelas palavras. Porém, ainda consigo separar racionalidade e pessimismo, de modo que prefiro chegar a ter uma postura inteligente do que uma que afirma que a vida será um constante ciclo de dor.


Como já participei de uma discussão antinatalista, deixarei aqui a linha de argumento que uso para expressar minha não-aceitação dessa postura:

Esse argumento moral (na verdade, um dos pressupostos dele) possui aspectos empíricos e faz previsões - sendo a vida humana um mar de sofrimento e dor e nós, seres condenados ora ao tédio ,oras ao sofrimento, como entidades racionais deveríamos:

a) Não desejar estender a duração de suas vidas.
b) Tentar terminar sua existência (a causa do sofrimento, de acordo com seu argumento) o mais rapidamente possível.
c) Não apenas tentar terminar sua existência, mas realizar isso da forma mais letal possível.

Dado que o que tem ocorrido é o oposto (A maioria dos indivíduos deseja estender suas vidas, a prática de suicídio é consideravelmente rara e mesmo dentre aqueles que realizam tentativas disso, uma quantidade substancial não consegue chegar a termo pois faz uso de métodos nitidamente não efetivos), como você explica isso?

Não acho que a vida é um mar de sofrimento. Assumir isso é tomar um pessimismo total como verdade absoluta, o que eu acho muita presunção, visto a subjetividade da natureza humana. Não obstante, eu vejo a vida como um constante ciclo de desejo e tédio, como a analogia do pêndulo de Schopenhauer descreve. É exatamente como Sísifo, que constantemente levanta uma pedra até o topo da montanha (portanto, um desejo), só para depois vê-la cair (tédio) e começar novamente (novo desejo); fazendo assim até o fim dos tempos, sem chegar a lugar algum. Porém, eu acredito que existem vidas mais felizes que outras, assim como existem vidas onde o sujeito preferiria nunca ter nascido. De fato, a maioria dos indivíduos desejam estender suas vidas, e inclusive procriar, mas não acho que costuma-se parar para pensar se procriar é uma atitude moralmente aceitável.

http://i789.photobucket.com/albums/yy172/FrancoisTremblay/Blog%20images/benatar-asymmetry15122011eh.png
Com essa assimetria, tem-se que num estado de não-existência, estar livre do sofrimento é bom, mesmo que nenhum ser realmente exista aproveitar este bem. Também tem-se que prazer é bom; porém como ninguém seria privado disso, não conta realmente como um ponto negativo (caso você realmente insista, terá de admitir que todos os seres que nunca existiram sofrem devido nunca terem nascido). Por outro lado, num estado de existência, sofrimento é algo ruim, portanto um ponto negativo, e prazer é algo bom, portanto um ponto positivo.

Logo, é claro que há um ponto positivo em direção a não-existência. Em contrapartida, na existência, o prazer e o sofrimento "se anulariam" (embora Benatar não argumente exatamente nesse sentido).


Você gosta de sofrer ?  Você gostaria de passar um ano sofrendo bastante ? Você gostaria de passar fome durante um ano (só comendo o mínimo necessário para não morrer ) ?  Você gostaria de ficar o próximo ano acamado doente em cima de uma cama sofrendo dores e febres ? 

Se alguém dissesse que você deveria morar o próximo ano inteiro de 2017 na rua (na Índia ou num país bem pobre da África), dependendo de esmolas para comer (ou de catar restos de comida), e tendo apenas alguns trapos para vestir  ( e com as outras privações normais de um excluído indiano que vive nas ruas, e sem assistência de orgãos governamentais do tipo que existem no Brasil),  e que em 2018 você iria voltar mais feliz para a sua vida (normal), você acharia que isto seria uma experiência  que deveria ser feita ?

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Bom, claro que eu não gostaria de passar por essas situações hipotéticas descritas por você, e tenho dúvidas sobre como eu poderia voltar "mais feliz" depois dessa experiência. Ao mesmo tempo, nenhum sofrimento deste tipo ocorreria num estado de não-existência.

Isso me lembrou uma citação de Schopenhauer:
"Quanto mais claro é o conhecimento do homem – quanto mais inteligente ele é – mais sofrimento ele tem; o homem que é dotado de gênio sofre mais do que todos."

Nos países mais pobres, onde a população é mais explorada e leva uma vida de gado, as pessoas não têm tempo para refletir sobre a existência e tampouco tiveram acesso a uma educação de qualidade. Não lembro quem, mas alguém disse que o universo de cada um é do tamanho do seu conhecimento, então quanto menor for universo dessas pessoas, menor a sua noção da realidade (que não é lá muito animadora). Sendo assim, poderíamos pensar que quanto mais alienada a pessoa fosse, mais feliz seria. Será?

No Butão, país que mede a felicidade interna bruta, eles dizem que o segredo da felicidade é pensar sobre a morte diariamente a fim de aceitá-la como algo natural que faz parte da vida, o que de fato o é. Embora seja um país budista reencarnacionista, percebo que no fundo as pessoas não têm tanta fé assim nas suas crenças, pois do contrário, se realmente acreditassem que a vida segue e que reencarnar é como trocar de roupa, não precisariam pensar tanto na morte a fim de se acostumarem com a ideia e assim espantar o pavor que ela causa.

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/05/150504_vert_tra_butao_felicidade_ml
Sim. "A ignorância é uma benção". Não tenho muito a acrescentar no momento fora você ter dito que tempo e educação podem levar o indivíduo a uma reflexão mais aprofundada da vida e, portanto, escapar de todo o misticismo e conforto que a religião confere, assim dando espaço a uma visão de mundo mais pessimista/vazia (e talvez a realidade, de fato, aproxime o indivíduo a ser melancólico? Eu creio que sim).
« Última modificação: 17 de Dezembro de 2016, 07:07:59 por Sirhu »

Offline El Elyon

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #27 Online: 18 de Dezembro de 2016, 01:25:50 »
Citação de: 859601175
Porém, eu acredito que existem vidas mais felizes que outras, assim como existem vidas onde o sujeito preferiria nunca ter nascido.

Certo, eu reconheço isso - mas a questão é - o número de vidas onde alguém preferia não existir é grande o suficiente para justificar o argumento generalizado contra a natalidade? Isso não é apenas uma questão moral, é uma questão empírica - e nenhum antinatalista que lidei consegue evidenciar isso.

Citação de: 859601175
De fato, a maioria dos indivíduos desejam estender suas vidas, e inclusive procriar, mas não acho que costuma-se parar para pensar se procriar é uma atitude moralmente aceitável.

Note - eu não estou defendendo a postura natalista - eu contesto a validade da postura antinatalista quando a imoralidade da procriação. Para mim a atribuição do nascimento como uma causa do sofrimento futuro é argumento falacioso do tipo post hoc ergo propter hoc.

Citação de: 859601175
Com essa assimetria, tem-se que num estado de não-existência, estar livre do sofrimento é bom, mesmo que nenhum ser realmente exista aproveitar este bem. Também tem-se que prazer é bom; porém como ninguém seria privado disso, não conta realmente como um ponto negativo (caso você realmente insista, terá de admitir que todos os seres que nunca existiram sofrem devido nunca terem nascido). Por outro lado, num estado de existência, sofrimento é algo ruim, portanto um ponto negativo, e prazer é algo bom, portanto um ponto positivo.

Eu discordo da assimetria de Benatar, porque ela confunde relações causais - o que não existe não tem preferências, isso é algo que apenas o que existe pode ter.  Atribuir preferências de seres inexistente é tão sem sentido quanto atribuir sexo das rochas (sexo é uma propriedade de certos tipos de seres vivos, o que uma rocha não é).
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 16:59:47 por Geotecton »
"As long as the Colossus stands, Rome will stand, when the Colossus falls, Rome will also fall, when Rome falls, so falls the world."

São Beda.

Offline JJ

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #28 Online: 18 de Dezembro de 2016, 07:20:10 »
Mas o fato de alguns sofrerem justificaria o fim da existência de tudo e de todas as coisas ditas boas? É mais ou menos como se você pensasse que se as coisas não forem totalmente e milimetricamente perfeitas elas não valem a pena sob nenhum aspecto. E valer ou não valer a pena é uma ponderação muito pessoal, tanto que pessoas em situações piores às vezes estão mais felizes do que aqueles que têm tudo que se pode considerar bom na vida.
Na visão antinatalista, sim. Isto é feito através da constatação de que não temos uma obrigação moral de criar pessoas felizes, porém temos sim uma obrigação moral de não criar pessoas infelizes.



A coisa vai bem mais além, pois a  própria ideia de obrigação só faz sentido se houver alguma coisa  (independente de você)  que te FORÇA (ou seja que te obriga)  a fazer alguma coisa.  Não existindo tal coisa, então não existirá nenhuma obrigação moral (ou de outro tipo). 




« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:00:04 por Geotecton »

Offline 859601175

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #29 Online: 18 de Dezembro de 2016, 10:27:40 »
Certo, eu reconheço isso - mas a questão é - o número de vidas onde alguém preferia não existir é grande o suficiente para justificar o argumento generalizado contra a natalidade? Isso não é apenas uma questão moral, é uma questão empírica - e nenhum antinatalista que lidei consegue evidenciar isso.
Este tipo de argumento é geralmente falacioso, por razões óbvias. Eu acho que é provavelmente falacioso em seu uso dele, também. A maioria não está necessariamente correta sobre qualquer coisa só porque é a maioria. É preciso compreender primeiro que o ato de procriar é totalmente egoísta e desnecessário do ponto de vista da prole. Crianças são ferramentas para para o nossos próprios desejos e necessidades, um "presente" para nós mesmos. Tanto é, que ninguém manifesta emoções a respeito de um ente que não havia nascido meses atrás.

O mundo é um lugar difícil de viver, e para alguns pode ser um horror total. Pior ainda, ninguém tem o poder de prever como uma vida qualquer pode acabar. E para quê? Somente para retornarem ao vazio de não-existência? O mesmo vazio que foram "puxados" para viver? Ninguém sai daqui vivo, mas todos sofrem. Não vejo motivos para passar isso para mais uma geração de crianças que nem sequer tiveram escolha alguma.

Note - eu não estou defendendo a postura natalista - eu contesto a validade da postura antinatalista quando a imoralidade da procriação. Para mim a atribuição do nascimento como uma causa do sofrimento futuro é argumento falacioso do tipo post hoc ergo propter hoc.

Eu discordo da assimetria de Benatar, porque ela confunde relações causais - o que não existe não tem preferências, isso é algo que apenas o que existe pode ter.  Atribuir preferências de seres inexistente é tão sem sentido quanto atribuir sexo das rochas (sexo é uma propriedade de certos tipos de seres vivos, o que uma rocha não é).
Concordo. algo que não existe não deseja (e nem precisa desejar) coisa alguma. Porém, ainda é preferível evitar sofrimento caso possível. Se você pensar através de seres potenciais que podem existir, faz todo sentido. Ao trazer uma nova vida para a existência, criamos uma nova máquina de desejos, um novo ser que vai experimentar sofrimento, e isso é totalmente desnecessário.

A coisa vai bem mais além, pois a  própria ideia de obrigação só faz sentido se houver alguma coisa  (independente de você)  que te FORÇA (ou seja que te obriga)  a fazer alguma coisa.  Não existindo tal coisa, então não existirá nenhuma obrigação moral (ou de outro tipo).
O que me "obriga" a agir de um determinado modo (e não de outro), não é uma coisa independente de mim, como uma divindade. Mas sim, minha própria capacidade de sentir empatia pelo outro (que é natural).

Offline JJ

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #30 Online: 18 de Dezembro de 2016, 10:44:18 »

A coisa vai bem mais além, pois a  própria ideia de obrigação só faz sentido se houver alguma coisa  (independente de você)  que te FORÇA (ou seja que te obriga)  a fazer alguma coisa.  Não existindo tal coisa, então não existirá nenhuma obrigação moral (ou de outro tipo).
O que me "obriga" a agir de um determinado modo (e não de outro), não é uma coisa independente de mim, como uma divindade. Mas sim, minha própria capacidade de sentir empatia pelo outro (que é natural).


Parece que ao usar aspas no verbo obrigar  você concordou  que não é uma expressão apropriada.  E também me parece que neste caso  a palavra mais adequada seria motivar ao invés de obrigar.

Para confirmarmos isso podemos conferir o seu significado num dicionário:

o·bri·gar - Conjugar
verbo transitivo

1. Impor obrigação a.

2. Constranger; forçar.

3. Levar (outrem) a fazer, a se decidir, etc.

4. Impelir.

5. Sujeitar; comprometer.

6. Hipotecar.

7. Cativar (por meio de finezas, etc.).
verbo intransitivo

8. Impor obrigações; exigir cumprimento.

"obrigar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/obrigar [consultado em 18-12-2016].
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:00:18 por Geotecton »

Offline 859601175

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #31 Online: 18 de Dezembro de 2016, 12:19:04 »

A coisa vai bem mais além, pois a  própria ideia de obrigação só faz sentido se houver alguma coisa  (independente de você)  que te FORÇA (ou seja que te obriga)  a fazer alguma coisa.  Não existindo tal coisa, então não existirá nenhuma obrigação moral (ou de outro tipo).
O que me "obriga" a agir de um determinado modo (e não de outro), não é uma coisa independente de mim, como uma divindade. Mas sim, minha própria capacidade de sentir empatia pelo outro (que é natural).


Parece que ao usar aspas no verbo obrigar  você concordou  que não é uma expressão apropriada.  E também me parece que neste caso  a palavra mais adequada seria motivar ao invés de obrigar.

Para confirmarmos isso podemos conferir o seu significado num dicionário:

o·bri·gar - Conjugar
verbo transitivo

1. Impor obrigação a.

2. Constranger; forçar.

3. Levar (outrem) a fazer, a se decidir, etc.

4. Impelir.

5. Sujeitar; comprometer.

6. Hipotecar.

7. Cativar (por meio de finezas, etc.).
verbo intransitivo

8. Impor obrigações; exigir cumprimento.

"obrigar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/obrigar [consultado em 18-12-2016].
Sim, não foi o termo adequado. Motivar ou incentivar, seriam mais apropriados. Quis dizer somente que, há um consenso para não criar seres infelizes, mas normalmente nada se diz a respeito de criar seres felizes.
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:00:37 por Geotecton »

Offline AlienígenA

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #32 Online: 18 de Dezembro de 2016, 12:20:53 »
Certo, eu reconheço isso - mas a questão é - o número de vidas onde alguém preferia não existir é grande o suficiente para justificar o argumento generalizado contra a natalidade? Isso não é apenas uma questão moral, é uma questão empírica - e nenhum antinatalista que lidei consegue evidenciar isso.
Este tipo de argumento é geralmente falacioso, por razões óbvias. Eu acho que é provavelmente falacioso em seu uso dele, também. A maioria não está necessariamente correta sobre qualquer coisa só porque é a maioria. É preciso compreender primeiro que o ato de procriar é totalmente egoísta e desnecessário do ponto de vista da prole. Crianças são ferramentas para para o nossos próprios desejos e necessidades, um "presente" para nós mesmos. Tanto é, que ninguém manifesta emoções a respeito de um ente que não havia nascido meses atrás.

Discordo. O ato de procriar é egoísta também, mas não apenas. Envolve muita renúncia. Pode ser visto também como um ato de gratidão, dar a alguém a oportunidade de existir, experimentar a vida com todos os seus bônus, apesar dos ônus. E mesmo como um ato altruísta, abrir mão do seu tempo e conforto, tranquilidade, disponibilidade, projetos, dinheiro, vida social, para se dedicar por um longo tempo a outra pessoa. E sim, muitas pessoas, a maioria delas, manifesta emoções a respeito de um ente antes do seu nascimento, durante a gestação e mesmo antes disso, ao planejar ter um filho.   

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O mundo é um lugar difícil de viver, e para alguns pode ser um horror total. Pior ainda, ninguém tem o poder de prever como uma vida qualquer pode acabar. E para quê? Somente para retornarem ao vazio de não-existência? O mesmo vazio que foram "puxados" para viver? Ninguém sai daqui vivo, mas todos sofrem. Não vejo motivos para passar isso para mais uma geração de crianças que nem sequer tiveram escolha alguma.

E é também um lugar fantástico, podendo ser, frequentemente é, uma experiência tão gratificante, talvez justamente por ser finita, dizem alguns, que vale toda a pena. Ninguém sai daqui vivo, mas muitos, talvez a maioria, gostariam - do que se conclui que deve haver bons motivos para experimentar.

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Note - eu não estou defendendo a postura natalista - eu contesto a validade da postura antinatalista quando a imoralidade da procriação. Para mim a atribuição do nascimento como uma causa do sofrimento futuro é argumento falacioso do tipo post hoc ergo propter hoc.

Eu discordo da assimetria de Benatar, porque ela confunde relações causais - o que não existe não tem preferências, isso é algo que apenas o que existe pode ter.  Atribuir preferências de seres inexistente é tão sem sentido quanto atribuir sexo das rochas (sexo é uma propriedade de certos tipos de seres vivos, o que uma rocha não é).
Concordo. algo que não existe não deseja (e nem precisa desejar) coisa alguma. Porém, ainda é preferível evitar sofrimento caso possível. Se você pensar através de seres potenciais que podem existir, faz todo sentido. Ao trazer uma nova vida para a existência, criamos uma nova máquina de desejos, um novo ser que vai experimentar sofrimento, e isso é totalmente desnecessário.

Se me fosse dado a oportunidade de assistir um filme da minha vida até aqui, eu escolheria viver, quantas vezes me fosse dada a opção de escolher. Viveria de novo minha vida eternamente, com todo o sofrimento, todos os erros e arrependimentos, sem mudar nada. Então, talvez não exista uma regra geral, mas seja uma questão de ponto de vista. Na soma geral, eu apostaria que a visão otimista ganha de lavada da pessimista. Se isso for verdade, pelas estatísticas, a aposta na existência faz mais sentido que na não existência.
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:00:55 por Geotecton »

Offline 859601175

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #33 Online: 18 de Dezembro de 2016, 13:38:01 »
Discordo. O ato de procriar é egoísta também, mas não apenas. Envolve muita renúncia. Pode ser visto também como um ato de gratidão, dar a alguém a oportunidade de existir, experimentar a vida com todos os seus bônus, apesar dos ônus. E mesmo como um ato altruísta, abrir mão do seu tempo e conforto, tranquilidade, disponibilidade, projetos, dinheiro, vida social, para se dedicar por um longo tempo a outra pessoa. E sim, muitas pessoas, a maioria delas, manifesta emoções a respeito de um ente antes do seu nascimento, durante a gestação e mesmo antes disso, ao planejar ter um filho.   
Mas o problema é, ninguém sabe como uma vida vai acabar. Portanto, ao trazer uma criança para o mundo, os pais estão apostando com o bem-estar de outra pessoa. Não o bem-estar deles próprios, mas de outra pessoa. Isso não é repreensível? Ou você gostaria que alguém apostasse com o seu bem-estar? Os dados podem cair em seu favor, mas você gostaria de uma aposta? Como para qualquer feto, não há necessidade de tal aposta. E enquanto as pessoas continuarem gerando filhos, haverá dor e sofrimento terríveis neste mundo. Como é que aqueles que procriam não são moralmente responsáveis por esse sofrimento (ao menos parcialmente)? Por tudo o que eles sabem, o filho que eles geraram poderia ter resultado em um daqueles que estão em dor horrível, e talvez desejasse que nunca tivesse nascido.

Manifestar emoções a respeito de um dos milhões de possíveis seres que poderiam estar no lugar daquele feto em específico? Sinceramente, acho isso bobagem que não passa de idealização romântica a respeito de um ser (para frisar, sem nenhuma personalidade ainda) que você aposta com a sua existência, além de saber que ele irá sofrer independente de qualquer coisa.

E é também um lugar fantástico, podendo ser, frequentemente é, uma experiência tão gratificante, talvez justamente por ser finita, dizem alguns, que vale toda a pena. Ninguém sai daqui vivo, mas muitos, talvez a maioria, gostariam - do que se conclui que deve haver bons motivos para experimentar.

Se me fosse dado a oportunidade de assistir um filme da minha vida até aqui, eu escolheria viver, quantas vezes me fosse dada a opção de escolher. Viveria de novo minha vida eternamente, com todo o sofrimento, todos os erros e arrependimentos, sem mudar nada. Então, talvez não exista uma regra geral, mas seja uma questão de ponto de vista. Na soma geral, eu apostaria que a visão otimista ganha de lavada da pessimista. Se isso for verdade, pelas estatísticas, a aposta na existência faz mais sentido que na não existência.
Não sei a maioria é de fato feliz. Seria interessante uma fonte sobre. Mas independente disso, os adjetivos que você invocou apontando sobre uma visão boa da vida podem ser igualmente contrários para alguém como Junko Furuta, por exemplo, que experimentou um sofrimento tão alto que implorava para morrer. Se estamos aqui, ótimo, vamos viver nossas vidas da melhor forma que for possível. Porém, não vejo motivo para impor essa existência a outros indivíduos só para nos satisfazer, além de condenar um ser que não precisaria estar aqui ao sofrimento. Além do mais, ninguém será privado de nenhum bônus da vida ao não existir, uma vez que não terá nada para experimentar, e será salvo de qualquer sofrimento.
« Última modificação: 18 de Dezembro de 2016, 13:44:48 por Sirhu »

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #34 Online: 18 de Dezembro de 2016, 14:58:07 »
Discordo. O ato de procriar é egoísta também, mas não apenas. Envolve muita renúncia. Pode ser visto também como um ato de gratidão, dar a alguém a oportunidade de existir, experimentar a vida com todos os seus bônus, apesar dos ônus. E mesmo como um ato altruísta, abrir mão do seu tempo e conforto, tranquilidade, disponibilidade, projetos, dinheiro, vida social, para se dedicar por um longo tempo a outra pessoa. E sim, muitas pessoas, a maioria delas, manifesta emoções a respeito de um ente antes do seu nascimento, durante a gestação e mesmo antes disso, ao planejar ter um filho.   
Mas o problema é, ninguém sabe como uma vida vai acabar. Portanto, ao trazer uma criança para o mundo, os pais estão apostando com o bem-estar de outra pessoa. Não o bem-estar deles próprios, mas de outra pessoa. Isso não é repreensível? Ou você gostaria que alguém apostasse com o seu bem-estar? Os dados podem cair em seu favor, mas você gostaria de uma aposta? Como para qualquer feto, não há necessidade de tal aposta. E enquanto as pessoas continuarem gerando filhos, haverá dor e sofrimento terríveis neste mundo. Como é que aqueles que procriam não são moralmente responsáveis por esse sofrimento (ao menos parcialmente)? Por tudo o que eles sabem, o filho que eles geraram poderia ter resultado em um daqueles que estão em dor horrível, e talvez desejasse que nunca tivesse nascido.

Manifestar emoções a respeito de um dos milhões de possíveis seres que poderiam estar no lugar daquele feto em específico? Sinceramente, acho isso bobagem que não passa de idealização romântica a respeito de um ser (para frisar, sem nenhuma personalidade ainda) que você aposta com a sua existência, além de saber que ele irá sofrer independente de qualquer coisa.

Ao contrário, todo mundo sabe como a vida vai acabar - na morte. Logo, nenhum sofrimento é eterno. Portanto, não há porquê usar o sofrimento como parâmetro único nem mesmo de maior peso. É só mais uma das muitas variantes que envolvem uma vida. No entanto, você pode, se quiser, se decidir enxergar o mundo por essa ótica, porém ela não é a única nem necessariamente a mais racional. Podendo ser, inclusive, a de maior carga emocional, só que negativa.

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E é também um lugar fantástico, podendo ser, frequentemente é, uma experiência tão gratificante, talvez justamente por ser finita, dizem alguns, que vale toda a pena. Ninguém sai daqui vivo, mas muitos, talvez a maioria, gostariam - do que se conclui que deve haver bons motivos para experimentar.

Se me fosse dado a oportunidade de assistir um filme da minha vida até aqui, eu escolheria viver, quantas vezes me fosse dada a opção de escolher. Viveria de novo minha vida eternamente, com todo o sofrimento, todos os erros e arrependimentos, sem mudar nada. Então, talvez não exista uma regra geral, mas seja uma questão de ponto de vista. Na soma geral, eu apostaria que a visão otimista ganha de lavada da pessimista. Se isso for verdade, pelas estatísticas, a aposta na existência faz mais sentido que na não existência.
Não sei a maioria é de fato feliz. Seria interessante uma fonte sobre. Mas independente disso, os adjetivos que você invocou apontando sobre uma visão boa da vida podem ser igualmente contrários para alguém como Junko Furuta, por exemplo, que experimentou um sofrimento tão alto que implorava para morrer. Se estamos aqui, ótimo, vamos viver nossas vidas da melhor forma que for possível. Porém, não vejo motivo para impor essa existência a outros indivíduos só para nos satisfazer, além de condenar um ser que não precisaria estar aqui ao sofrimento.

Mas sabemos que a maioria da humanidade está vivendo sua vida, procurando prolongá-la, em vez de abreviá-la, acordando diariamente, estudando, trabalhando, procriando e enterrando seus mortos, sofrendo ou sorrindo, felizes ou infelizes, mas com expectativas, tentando superar seus desafios, fazendo planos, abrindo mão de mão de prazeres imediatos por realizações futuras, mesmo sem certeza do futuro, mas com certeza da morte. Somente Junko Furuta poderia responder, se tivesse conseguido escapar viva dessa monstruosidade, se preferia nunca ter existido. Muitos de nós talvez imaginasse que uma vida como a de Steve Hawkins, por exemplo, não valesse a pena. Muitos outros, eu incluso, imaginam o contrário. Só ele, no entanto, pode dizer ao certo. Por suas declarações, concluo que sim, valeu a pena. 

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Além do mais, ninguém será privado de nenhum bônus da vida ao não existir, uma vez que não terá nada para experimentar, e será salvo de qualquer sofrimento.

O que vale para o sofrimento, vale para o prazer. Só não existindo se poderia estar a salvo de qualquer ônus, mas também restringido de todo o bônus. 
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:01:09 por Geotecton »

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #35 Online: 18 de Dezembro de 2016, 15:24:54 »
Citação de: 859601175
Este tipo de argumento é geralmente falacioso, por razões óbvias. Eu acho que é provavelmente falacioso em seu uso dele, também. A maioria não está necessariamente correta sobre qualquer coisa só porque é a maioria. 

Não, não é falacioso, porque responde ao seu argumento que a Vida/Existência é algo sofrível para um certo número de pessoas - mas para que seu argumento da imoralidade da procriação seja correto, é necessário que os riscos de existir sejam suficientemente grandes para um número de pessoas para possa caracterizar a existência como uma situação indesejável.

Citação de: 859601175
É preciso compreender primeiro que o ato de procriar é totalmente egoísta e desnecessário do ponto de vista da prole. Crianças são ferramentas para para o nossos próprios desejos e necessidades, um "presente" para nós mesmos. Tanto é, que ninguém manifesta emoções a respeito de um ente que não havia nascido meses atrás.

Novamente, o ponto de vista da prole é irrelevante - algo que não existe não manifesta preferências até o momento que passar a existir (e manifestar senciência). Assim como pouco importa se as motivações dos pais são egoístas ou nobres, porque nosso foco é a moralidade da existência e os riscos da "Existência capaz de Sentir Dor", não os meios que causaram tal fenômeno.

Citação de: 859601175
Concordo. algo que não existe não deseja (e nem precisa desejar) coisa alguma. Porém, ainda é preferível evitar sofrimento caso possível. Se você pensar através de seres potenciais que podem existir, faz todo sentido. Ao trazer uma nova vida para a existência, criamos uma nova máquina de desejos, um novo ser que vai experimentar sofrimento, e isso é totalmente desnecessário.

Estamos argumentando sobre moralidade, não necessidade. O fato de alguém não necessitar de diversas coisas para existir não torna tais coisas necessariamente imorais. Além - é desejável evitar o sofrimento, se e se ele é previsível, evitável e compensa as precauções tomadas para tal - você está argumentando que devido ao risco de um computador quebrar em um evento futuro, não se deve construí-lo. Ou devido ao risco de alguém ser alérgico a frutos do mar, que não se deve mais comer paellas marineras.

Citação de: 859601175
O mundo é um lugar difícil de viver, e para alguns pode ser um horror total. Pior ainda, ninguém tem o poder de prever como uma vida qualquer pode acabar. E para quê? Somente para retornarem ao vazio de não-existência? O mesmo vazio que foram "puxados" para viver? Ninguém sai daqui vivo, mas todos sofrem. Não vejo motivos para passar isso para mais uma geração de crianças que nem sequer tiveram escolha alguma.

E aqui você retorna ao argumento do "Pior dos Mundos Possíveis" ou "Inferno na Terra" - que você não evidenciou que realmente seja. Evidencie ou sua posição se torna insustentável.  :)
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:01:53 por Geotecton »
"As long as the Colossus stands, Rome will stand, when the Colossus falls, Rome will also fall, when Rome falls, so falls the world."

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #36 Online: 18 de Dezembro de 2016, 15:34:53 »
Outro ponto em que discordo é sobre "a ignorância ser uma bênção". O conhecimento, sim, pode ser uma, dependendo do uso que se faça dele. Fazer do conhecimento uma fonte de sofrimento é uma opção, mas não é a única e, certamente, não é a melhor. Você pode fazer dele uma fonte de recursos para melhor lidar com os desafios, aumentando dessa forma, sua qualidade de vida física, mental, material... além de uma fonte de prazer, de descobertas, de entusiasmo, em última instância, de passar o tempo, substituindo o tédio ou amenizando o sofrimento.

Offline 859601175

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #37 Online: 18 de Dezembro de 2016, 16:36:58 »
Não, não é falacioso, porque responde ao seu argumento que a Vida/Existência é algo sofrível para um certo número de pessoas - mas para que seu argumento da imoralidade da procriação seja correto, é necessário que os riscos de existir sejam suficientemente grandes para um número de pessoas para possa caracterizar a existência como uma situação indesejável.
Não é nem necessário que a felicidade esteja presente para um maior número de pessoas. Acontece que a felicidade de bilhões não iria servir como justificativa para o sofrimento de uma única pessoa. E seguindo a assimetria, num estado de não-existência, todos estariam salvos do sofrimento, ainda que ninguém pudesse realmente aproveitar deste bem.

Estamos argumentando sobre moralidade, não necessidade. O fato de alguém não necessitar de diversas coisas para existir não torna tais coisas necessariamente imorais. Além - é desejável evitar o sofrimento, se e se ele é previsível, evitável e compensa as precauções tomadas para tal - você está argumentando que devido ao risco de um computador quebrar em um evento futuro, não se deve construí-lo. Ou devido ao risco de alguém ser alérgico a frutos do mar, que não se deve mais comer paellas marineras.
Torna, sim. Desde que você tome "existir" como viver, e não somente ser um corpo sem consciência. Homicídio é uma prática desnecessária, desagradável e, portanto, imoral. O sofrimento ao nascer é praticamente garantido, evitável, e compensa as precauções no sentido de que não haveria mais sofrimento de qualquer tipo.

O exemplo que você deu não é exatamente a mesma coisa. Ao procriar, é como se você estivesse forçando pessoas futuras a experimentarem paellas marineras (desnecessário), sendo que uma grande parte delas será alérgica (dor). Se você não sabe se é alérgico ou não, quem toma o risco é você (ou já foi tomado sem o seu consenso, no caso da existência). Porém, não é moral forçar isso sob outros.

E aqui você retorna ao argumento do "Pior dos Mundos Possíveis" ou "Inferno na Terra" - que você não evidenciou que realmente seja. Evidencie ou sua posição se torna insustentável.  :)
Não vou entrar muito a fundo na questão desse ser o melhor ou pior dos mundos. Porém acho que o sofrimento é muito mais lembrado do que o prazer, além de ser um sentimento mais intenso. Argumentei mais no sentido de que o sofrimento é desnecessário e pode ser evitado. Portanto, é algo moral a se fazer.

Outro ponto em que discordo é sobre "a ignorância ser uma bênção". O conhecimento, sim, pode ser uma, dependendo do uso que se faça dele. Fazer do conhecimento uma fonte de sofrimento é uma opção, mas não é a única e, certamente, não é a melhor. Você pode fazer dele uma fonte de recursos para melhor lidar com os desafios, aumentando dessa forma, sua qualidade de vida física, mental, material... além de uma fonte de prazer, de descobertas, de entusiasmo, em última instância, de passar o tempo, substituindo o tédio ou amenizando o sofrimento.
Concordo com você nesses aspectos citados. Porém, no post original eu me referia a ser ignorante a esta existência de forma geral, em que populações mais carentes aparentam ter um índice de felicidade maior do que aqueles que se diria "terem de tudo" na vida. Mais especificamente, a ser ignorante sobre a existência de divindades, de modo que estas podem acabar proporcionando um conforto e esperança, algo que indivíduos com mais estudo ou ceticismo podem não ter.

Ao contrário, todo mundo sabe como a vida vai acabar - na morte. Logo, nenhum sofrimento é eterno. Portanto, não há porquê usar o sofrimento como parâmetro único nem mesmo de maior peso. É só mais uma das muitas variantes que envolvem uma vida. No entanto, você pode, se quiser, se decidir enxergar o mundo por essa ótica, porém ela não é a única nem necessariamente a mais racional. Podendo ser, inclusive, a de maior carga emocional, só que negativa.
Concedo que o sofrimento pode não ser o único parâmetro, porém ele é sim um fator garantido, sobretudo ao postular o medo da morte, que é comum a todos os seres. Nenhum sofrimento é eterno, mas também nenhum sofrimento alguma vez foi necessário. Sobre o sofrimento ser a carga de maior peso:
"Acrescente-se a isto que em geral achamos as alegrias abaixo da nossa expec­tativa, ao passo que as dores a excedem grandemente.
Se quereis num momento esclarecer-vos a este respeito, e saber se o prazer é supe­rior ao desgosto, ou se apenas se compen­sam, comparai a impressão do animal que devora outro, com a impressão do que é de­vorado."

E é também um lugar fantástico, podendo ser, frequentemente é, uma experiência tão gratificante, talvez justamente por ser finita, dizem alguns, que vale toda a pena. Ninguém sai daqui vivo, mas muitos, talvez a maioria, gostariam - do que se conclui que deve haver bons motivos para experimentar

Mas sabemos que a maioria da humanidade está vivendo sua vida, procurando prolongá-la, em vez de abreviá-la, acordando diariamente, estudando, trabalhando, procriando e enterrando seus mortos, sofrendo ou sorrindo, felizes ou infelizes, mas com expectativas, tentando superar seus desafios, fazendo planos, abrindo mão de mão de prazeres imediatos por realizações futuras, mesmo sem certeza do futuro, mas com certeza da morte. Somente Junko Furuta poderia responder, se tivesse conseguido escapar viva dessa monstruosidade, se preferia nunca ter existido. Muitos de nós talvez imaginasse que uma vida como a de Steve Hawkins, por exemplo, não valesse a pena. Muitos outros, eu incluso, imaginam o contrário. Só ele, no entanto, pode dizer ao certo. Por suas declarações, concluo que sim, valeu a pena. 
É correto que só eles podem dizer isso, mas também não vamos relativizar a questão. Dor é objetivamente um sentimento ruim, e não há necessidade alguma de um ser estar sujeito a isso. A maioria da humanidade não está nem aí e continua procriando, sem notar que só estão induzindo mais pessoas num ciclo de sofrimento desnecessário e as criando para o seu próprio prazer.


O que vale para o sofrimento, vale para o prazer. Só não existindo se poderia estar a salvo de qualquer ônus, mas também restringido de todo o bônus.

Você está interpretando a assimetria de forma errônea. Um ser que inexiste não é privado de prazer, pois ele não é capaz de experimenta-lo. Porém, ao mesmo tempo, ele é salvo de dor, justamente por não poder experienciar nada.
« Última modificação: 18 de Dezembro de 2016, 16:40:32 por Sirhu »

Offline El Elyon

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #38 Online: 18 de Dezembro de 2016, 17:18:31 »
Citação de: 859601175
Não é nem necessário que a felicidade esteja presente para um maior número de pessoas. Acontece que a felicidade de bilhões não iria servir como justificativa para o sofrimento de uma única pessoa. E seguindo a assimetria, num estado de não-existência, todos estariam salvos do sofrimento, ainda que ninguém pudesse realmente aproveitar deste bem.

A assimetria não é relevante, porque não se salva do sofrimento algo que por definição, não pode sofrer (por ser inexistente) - assim como a felicidade de bilhões, sendo não relacionadas com o sofrimento de uma única pessoa (afinal, reduzir o sofrimento ao nascimento é como afirmei antes, um erro de atribuição), podem sim servir como um argumento pró-natalista (porque altera as "chances da existência ser encarada como algo horrendo").

Citação de: 859601175
O exemplo que você deu não é exatamente a mesma coisa. Ao procriar, é como se você estivesse forçando pessoas futuras a experimentarem paellas marineras (desnecessário), sendo que uma grande parte delas será alérgica (dor). Se você não sabe se é alérgico ou não, quem toma o risco é você (ou já foi tomado sem o seu consenso, no caso da existência). Porém, não é moral forçar isso sob outros.

Ninguém é forçado a existir, porque novamente, entidades inexistentes não podem ser alvo de qualquer ação. A partir do momento que uma entidade existe é que se pode julgar a moralidade dos atos de atos tomados em relação a ela.

Citação de: 859601175
Não vou entrar muito a fundo na questão desse ser o melhor ou pior dos mundos. Porém acho que o sofrimento é muito mais lembrado do que o prazer, além de ser um sentimento mais intenso. Argumentei mais no sentido de que o sofrimento é desnecessário e pode ser evitado. Portanto, é algo moral a se fazer.

Mas precisa entrar, porque sua posição antinatalista depende da nossa existência ocorrer em um "Inferno na Terra", que o sofrimento não apenas exista em abundância, mas também que a maior parte do sofrimento seja atribuível majoritariamente à uma causa distante (o nascimento ou "vir-a-existir") do que devido a outras causas proximais. Caso contrário, você está apenas utilizando pressupostos arbitrários para expressar um julgamento moral.
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:02:30 por Geotecton »
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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #39 Online: 18 de Dezembro de 2016, 19:29:11 »
Outro ponto em que discordo é sobre "a ignorância ser uma bênção". O conhecimento, sim, pode ser uma, dependendo do uso que se faça dele. Fazer do conhecimento uma fonte de sofrimento é uma opção, mas não é a única e, certamente, não é a melhor. Você pode fazer dele uma fonte de recursos para melhor lidar com os desafios, aumentando dessa forma, sua qualidade de vida física, mental, material... além de uma fonte de prazer, de descobertas, de entusiasmo, em última instância, de passar o tempo, substituindo o tédio ou amenizando o sofrimento.
Concordo com você nesses aspectos citados. Porém, no post original eu me referia a ser ignorante a esta existência de forma geral, em que populações mais carentes aparentam ter um índice de felicidade maior do que aqueles que se diria "terem de tudo" na vida. Mais especificamente, a ser ignorante sobre a existência de divindades, de modo que estas podem acabar proporcionando um conforto e esperança, algo que indivíduos com mais estudo ou ceticismo podem não ter.

Isso pode se dar devido ao mau uso do conhecimento, não ao conhecimento em si.

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Ao contrário, todo mundo sabe como a vida vai acabar - na morte. Logo, nenhum sofrimento é eterno. Portanto, não há porquê usar o sofrimento como parâmetro único nem mesmo de maior peso. É só mais uma das muitas variantes que envolvem uma vida. No entanto, você pode, se quiser, se decidir enxergar o mundo por essa ótica, porém ela não é a única nem necessariamente a mais racional. Podendo ser, inclusive, a de maior carga emocional, só que negativa.
Concedo que o sofrimento pode não ser o único parâmetro, porém ele é sim um fator garantido, sobretudo ao postular o medo da morte, que é comum a todos os seres. Nenhum sofrimento é eterno, mas também nenhum sofrimento alguma vez foi necessário. Sobre o sofrimento ser a carga de maior peso:
"Acrescente-se a isto que em geral achamos as alegrias abaixo da nossa expec­tativa, ao passo que as dores a excedem grandemente.
Se quereis num momento esclarecer-vos a este respeito, e saber se o prazer é supe­rior ao desgosto, ou se apenas se compen­sam, comparai a impressão do animal que devora outro, com a impressão do que é de­vorado."

O medo da morte serve antes para demonstrar o valor que se dá a experiência de existir, mesmo que por um breve período de tempo. E se o sofrimento é inevitável, então é necessário, infelizmente, uma vez que a vida existe e procriar é um de seus maiores impulsos.

Se achamos mesmo que o ônus é maior bônus, por que insistimos em prolongar em vez de abreviar essa experiência? Por que insistimos em gerar outros seres para compartilhar dessa aventura? Talvez porque apesar de todo o desconforto que o só a possibilidade de sofrimento nos cause, todo o restante compense. E por que comparar a impressão do animal que é devorado com a do que devora e não com suas impressões anteriores, inclusive, a de saborear suas próprias presas? Só se é devorado uma vez.     

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E é também um lugar fantástico, podendo ser, frequentemente é, uma experiência tão gratificante, talvez justamente por ser finita, dizem alguns, que vale toda a pena. Ninguém sai daqui vivo, mas muitos, talvez a maioria, gostariam - do que se conclui que deve haver bons motivos para experimentar

Mas sabemos que a maioria da humanidade está vivendo sua vida, procurando prolongá-la, em vez de abreviá-la, acordando diariamente, estudando, trabalhando, procriando e enterrando seus mortos, sofrendo ou sorrindo, felizes ou infelizes, mas com expectativas, tentando superar seus desafios, fazendo planos, abrindo mão de mão de prazeres imediatos por realizações futuras, mesmo sem certeza do futuro, mas com certeza da morte. Somente Junko Furuta poderia responder, se tivesse conseguido escapar viva dessa monstruosidade, se preferia nunca ter existido. Muitos de nós talvez imaginasse que uma vida como a de Steve Hawkins, por exemplo, não valesse a pena. Muitos outros, eu incluso, imaginam o contrário. Só ele, no entanto, pode dizer ao certo. Por suas declarações, concluo que sim, valeu a pena. 

É correto que só eles podem dizer isso, mas também não vamos relativizar a questão. Dor é objetivamente um sentimento ruim, e não há necessidade alguma de um ser estar sujeito a isso. A maioria da humanidade não está nem aí e continua procriando, sem notar que só estão induzindo mais pessoas num ciclo de sofrimento desnecessário e as criando para o seu próprio prazer.


Dor é uma experiência ruim, mas não é a única nem necessariamente a mais importante. Talvez a humanidade esteja aí, sim, e continue a procriar por notar que está induzindo mais pessoas a um ciclo de inúmeras experiências compensadoras do qual, infelizmente, a dor faz parte.

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O que vale para o sofrimento, vale para o prazer. Só não existindo se poderia estar a salvo de qualquer ônus, mas também restringido de todo o bônus.

Você está interpretando a assimetria de forma errônea. Um ser que inexiste não é privado de prazer, pois ele não é capaz de experimenta-lo. Porém, ao mesmo tempo, ele é salvo de dor, justamente por não poder experienciar nada.

Há pelo menos três pontos de vista - o pessimista, o otimista e o realista. O primeiro se agarra ao pior, o segundo ao melhor e o terceiro ao viável.
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:02:48 por Geotecton »

Offline 859601175

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #40 Online: 19 de Dezembro de 2016, 01:20:27 »
Isso pode se dar devido ao mau uso do conhecimento, não ao conhecimento em si.
Mau uso do conhecimento, ou será que a realidade incentiva um tipo de visão pessimista?

A assimetria não é relevante, porque não se salva do sofrimento algo que por definição, não pode sofrer (por ser inexistente) - assim como a felicidade de bilhões, sendo não relacionadas com o sofrimento de uma única pessoa (afinal, reduzir o sofrimento ao nascimento é como afirmei antes, um erro de atribuição), podem sim servir como um argumento pró-natalista (porque altera as "chances da existência ser encarada como algo horrendo").
Vamos lá...

Considere dores e prazeres como exemplos de danos e benefícios. É incontroverso dizer que:

(1) a presença de dor é ruim,
e que
(2) a presença de prazer é boa.

No entanto, tal avaliação simétrica não parece aplicar-se
Para a ausência de dor e prazer, pois me parece verdade que

(3) a ausência de dor é boa, mesmo que ninguém esteja aproveitando esse bem

(4) a ausência de prazer não é ruim ao menos que haja alguém cuja essa ausência é uma deprivação.

Agora, podemos questionar como a ausência de dor pode ser boa se esse bem não é desfrutado por ninguém. Ausência de dor, poderia-se dizer, não pode ser bom para ninguém, se ninguém existe para desfrutar deste bem. Isso, no entanto, é descartar (3) muito rapidamente. A decisão proferida em (3) é feita com referência aos (potenciais) interesses de uma pessoa que existe ou não. (3) faz parte do cenário sobre o qual esta pessoa nunca existe, (3) não pode dizer nada sobre uma pessoa existente. Esta objeção seria errada porque (3) pode dizer algo sobre um caso contrafactual em que uma pessoa que realmente existe nunca existiu. Da dor de uma pessoa existente, (3) diz que a ausência desta dor teria sido boa mesmo se isso só poderia ter sido alcançado pela ausência da pessoa que agora sofre. Em outras palavras, julgando em termos de interesses de uma pessoa que agora existe, a ausência da dor teria sido boa mesmo que esta pessoa não teria existido.

Considere em seguida o que (3) diz da dor ausente de alguém que nunca existe - de dor, cuja ausência é assegurada por não fazer uma pessoa potencial real. Assertiva (3) diz que esta ausência é boa quando julgada em termos dos interesses da pessoa que caso contrário taria existido. Podemos não saber quem, mas ainda podemos dizer que quem quer que tenha sido essa pessoa, a evitação de suas dores é boa quando julgada em termos de seus interesses potenciais. Se houver algum(obviamente
solto) sentido no qual a dor ausência é boa para a pessoa que poderia ter existido, mas não existe, é este. Claramente (3) não implica a afirmação literal absurda de que existe alguma pessoa real para quem a dor ausente é boa.

Ninguém é forçado a existir, porque novamente, entidades inexistentes não podem ser alvo de qualquer ação. A partir do momento que uma entidade existe é que se pode julgar a moralidade dos atos de atos tomados em relação a ela

Mas precisa entrar, porque sua posição antinatalista depende da nossa existência ocorrer em um "Inferno na Terra", que o sofrimento não apenas exista em abundância, mas também que a maior parte do sofrimento seja atribuível majoritariamente à uma causa distante (o nascimento ou "vir-a-existir") do que devido a outras causas proximais. Caso contrário, você está apenas utilizando pressupostos arbitrários para expressar um julgamento moral.
Veja: são forçadas no sentido potencial de existirem. Evidente que um ser não existente como um fato bruto não está sujeito a nada, porém pode ser sujeito (e não há nenhuma necessidade para ser). Tudo bem. Pode ser um pouco longo, mas os próximos trechos são do livro Better Never to Have Been (que acho que abre amplo espaço para o debate), para justificar esta assertiva de "Inferno na Terra"'. Não desejo falar sobre universos hipotéticos (melhor ou pior mundos possíveis), mas tenho interesse em debater este universo e vida atuais. Aliás, AntipetistA, não vou responder os outros quotes diretamente desta vez, pois acho que os próximos trechos respondem melhor ao que nós estávamos falando também.   
       


          Porque a auto-avaliação da qualidade de vida não é confiável



A maioria das pessoas nega que suas vidas, considerando todas as coisas, são ruins (e elas certamente negam que suas vidas são tão ruins a ponto de nunca ser preferível ter nascido). Na verdade, a maioria das pessoas pensa muito bem de suas vidas. Tal generalizada auto-avaliação de bem-estar, é muitas vezes pensado, constitui uma refutação da visão de que a vida é ruim.
Como é perguntado se a vida pode ser má se a maioria dos que a vivem negam isso? Como pode ser ruim nascer se a maioria daqueles que vieram à existência estão satisfeitos com isso? De fato, no entanto, há muito boas razões para duvidar que essas
auto-avaliações são um indicador confiável de uma qualidade de vida. Há uma série de características bem conhecidas da psicologia humana que relatam essa avaliação favorável que as pessoas geralmente fazem de sua própria qualidade de vida. São esses fenômenos psicológicos ao invés da qualidade real de uma vida que explicam (a extensão de) avaliações positivas.

O primeiro, o mais geral e o mais influente destes fenômenos é o que alguns chamaram de Princípio Pollyanna, uma tendência em direção ao otimismo. Isso se manifesta de muitas maneiras. Primeiro, há uma inclinação para recordar experiências positivas e não negativas. Por exemplo, quando solicitado a lembrar eventos de suas vidas, os sujeitos de uma série de estudos listaram um número muito maior de experiências positivas do que negativas. Esta recordação seletiva distorce o nosso julgamento sobre como as nossas vidas foram até agora. Não são apenas as avaliações do nosso passado que são afetadas por esse viés cognitivo, como também nossas projeções ou expectativas sobre o futuro. Nós tendemos a ter uma visão exagerada do quão bom as coisas serão. A recordação e projeção típicos do pollyannaismo também são característicos de julgamentos subjetivos sobre o bem-estar atual e geral. Muitos estudos mostraram consistentemente que as auto-avaliações do bem-estar são marcadamente inclinados em direção ao fim positivo do espectro.

Por exemplo, muito poucas pessoas se descrevem como "não muito felizes". Em vez disso, a esmagadora maioria afirma estarem "razoavelmente feliz" "feliz" "ou" muito feliz ". De fato, a maioria das pessoas acredita que estão melhores do que a maioria dos outros ou do que a pessoa média. A maioria dos fatores que melhoram plausivelmente a qualidade de vida das pessoas não influenciam proporcionalmente as auto-avaliações dessa qualidade (onde eles os influenciam). Por exemplo, embora haja uma correlação entre os  próprios rankings das pessoas sobre a sua saúde e suas avaliações subjetivas de bem-estar, a avaliação objetiva da saúde das pessoas, a julgar pelos sintomas, não são tão bons preditores de avaliação de seu bem-estar. Mesmo entre aqueles cuja insatisfação com a sua saúde leva a menores relatados estados de bem-estar, a maioria diz ter níveis de satisfação mais próximo ao lado positivo do espectro. Em qualquer país, os pobres são quase (mas não bastante) tão felizes quanto os ricos. Nem educação e ocupação fazem muita (embora façam uma quantia) diferença.

Embora haja alguma discordância sobre quanto cada um dos fatores acima e outros afetam as avaliações de bem-estar, é claro que mesmo os tipos de eventos que se poderia pensar que iria tornar as pessoas "muito infelizes" tem esse efeito em apenas uma proporção muito pequena de pessoas. Outro fenômeno psicológico bem conhecido que faz com que auto-avaliação de bem-estar seja não-confiável e que explica alguns (mas não todos) do Pollyannaismo que acabamos de mencionar é o fenômeno do que poderia ser chamado de adaptação, acomodação, ou habituação. Quando o bem-estar de uma pessoa piora objetivamente, há, em primeiro lugar, uma insatisfação. No entanto, há uma tendência então a uma adaptação da nova situação e ajuste das expectativas de cada um. Embora haja alguma disputa sobre o quanto a adaptação ocorre e como a extensão da adaptação varia em diferentes domínios de vida, há concordância de que a adaptação ocorre. Como resultado,
Mesmo que a sensação subjetiva de bem-estar não volte ao nível original, ele se aproxima mais do que se poderia pensar,
E se aproxima mais em alguns domínios do que em outros. Porque o senso subjetivo de bem-estar acompanha a mudança recente no nível de bem-estar melhor do que acompanha o nível real de uma pessoa de bem-estar, é um indicador não confiável do último.

Um terceiro fator psicológico que afeta a auto-avaliação do bem-estar é uma comparação implícita com o bem-estar dos outros. Não é muito sobre o quão bem sua vida vai mas o quão bom ele vai na comparação com outras pessoas que determinam o julgamento de quão bem a vida está indo. Assim, as auto-avaliações são uma indicação melhor do comparativo ao invés da verdadeira qualidade da vida de alguém. Um efeito disso é que essas características negativas da vida que são compartilhadas por todos são inertes nos julgamentos das pessoas sobre seu próprio bem-estar. Como essas características são muito relevantes, ignorá-las leva a julgamentos não confiáveis. Destes três fenômenos psicológicos, é apenas o pollyannaismo que inclina as pessoas de forma inequívoca para mais positivas avaliações de como sua vida está indo bem. Adaptamos não só a situações negativas, mas também a situações positivas, e comparamos não apenas com aqueles que estão em situação pior do que nós, como também aqueles que estão em melhor situação do que nós. No entanto, dada a força do pollyannaismo, tanto a adaptação como a comparação funcionam tanto de uma linha de base otimista e sob a influência de viés cognitivos. Por exemplo, as pessoas são mais propensas a comparar-se com aqueles que estão em piores condições do que com aqueles que e são melhores. Assim, nos melhores casos, a adaptação e a comparação reforçam
o pollyannaismo. Nos piores casos, eles o atenuam, mas não negam inteiramente. Quando nos de fato adaptamos ao bem ou nos comparamos com aqueles que são melhores do que nós mesmos, nossas auto-avaliações são menos positivas do que de outra forma seriam, mas geralmente não se tornam negativas. Os fenômenos psicológicos acima não são surpreendentes sob  perspectivas evolutivas. Elas militam contra o suicídio e favor da reprodução. Se nossas vidas forem tão ruins quanto eu ainda sugerem que são, e se as pessoas fossem propensas a ver a verdadeira qualidade se suas vidas pelo que é, elas podem ser muito mais inclinados a matarem-se ou, pelo menos, obstinarem-se de produzir mais vidas. Pessimismo, então, tende a não ser selecionado naturalmente.



Há mais coisa, porém estou sem ânimo para traduzir mais agora. Bom, creio que isso seja suficiente para elucidar o debate e tocar sobre alguns contra-argumentos comuns, inclusive aos que foram abordados aqui agora. Fico no aguardo para mais respostas...


« Última modificação: 20 de Dezembro de 2016, 09:50:44 por Sirhu »

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #41 Online: 19 de Dezembro de 2016, 12:01:29 »
Isso pode se dar devido ao mau uso do conhecimento, não ao conhecimento em si.
Mau uso do conhecimento, ou será que a realidade incentiva um tipo de visão pessimista?

Na transição (*) de uma visão espiritualista (ingênua) para uma materialista (científica), no período de readaptação, pode haver, normalmente há, uma certa apatia, niilismo, uma fase casulo (pessimista). Mas superado isso, vem o deslumbre. O conhecimento é muito mais interessante, surpreendente, vasto e enriquecedor do que qualquer conjunto de crenças já inventado. Meio como criar asas, mesmo (otimismo). Então, como é natural, com o tempo você se adapta (realismo). Custo a entender como essa evolução possa causar prejuízos.

O que me ocorre é que talvez algumas pessoas não façam a transição completa, mas permaneçam no casulo. Talvez, mais provavelmente, isso ocorra por disfunções orgânicas, hormonais, não devido a mudança de paradigmas, uma vez que isso não é, está longe de ser, um mal dos céticos. Pode ser até que nesses casos a disfunção seja a causa e não consequência dessa mudança.

Noto, mas pode ser apenas impressão minha, um consumo excessivo de filosofia entre os pessimistas, muito lixo, principalmente, do meu ponto de vista, é claro. Isso é, pretensas explicações sobre tudo que mais confundem do que esclarecem, mais criam problemas (novas questões) do que soluções (respostas úteis e confiáveis, que podem ser verificadas e aplicadas). Um certo consumo de pseudociência também é comum. E um baixo consumo de ciência. Não estou desmerecendo a Filosofia. É um conhecimento importante, naturalmente, mas limitado. Podendo ser até mesmo limitante, em excesso, por ocupar muito o tempo, não deixando muito espaço para novos conhecimentos.

(*) Essa fase, normalmente, mas não há uma regra, costuma passar por vários estágios, da crença original, aprendida em casa, para a busca de outras crenças, pseudociências, filosofia até desembocar na ciência.

Por isso chuto que o problema possa estar mais no mau uso do conhecimento, do que no conhecimento em si. Isto é, no tipo de conhecimento consumido. O conhecimento científico, aquele que, pessoalmente, considero útil, edificante, fonte de deslumbramento, capaz de realmente aumentar a qualidade de vida, dar uma dimensão da realidade que nada mais, que eu conheça, pelo menos, possa fornecer, infelizmente, é pouco difundido. Não percebo entre os céticos científicos essa tendência ao pessimismo. Mais entre os céticos filosóficos.       
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:03:11 por Geotecton »

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #42 Online: 20 de Dezembro de 2016, 10:09:37 »
Isso pode se dar devido ao mau uso do conhecimento, não ao conhecimento em si.
Mau uso do conhecimento, ou será que a realidade incentiva um tipo de visão pessimista?

Na transição (*) de uma visão espiritualista (ingênua) para uma materialista (científica), no período de readaptação, pode haver, normalmente há, uma certa apatia, niilismo, uma fase casulo (pessimista). Mas superado isso, vem o deslumbre. O conhecimento é muito mais interessante, surpreendente, vasto e enriquecedor do que qualquer conjunto de crenças já inventado. Meio como criar asas, mesmo (otimismo). Então, como é natural, com o tempo você se adapta (realismo). Custo a entender como essa evolução possa causar prejuízos.

O que me ocorre é que talvez algumas pessoas não façam a transição completa, mas permaneçam no casulo. Talvez, mais provavelmente, isso ocorra por disfunções orgânicas, hormonais, não devido a mudança de paradigmas, uma vez que isso não é, está longe de ser, um mal dos céticos. Pode ser até que nesses casos a disfunção seja a causa e não consequência dessa mudança.

Noto, mas pode ser apenas impressão minha, um consumo excessivo de filosofia entre os pessimistas, muito lixo, principalmente, do meu ponto de vista, é claro. Isso é, pretensas explicações sobre tudo que mais confundem do que esclarecem, mais criam problemas (novas questões) do que soluções (respostas úteis e confiáveis, que podem ser verificadas e aplicadas). Um certo consumo de pseudociência também é comum. E um baixo consumo de ciência. Não estou desmerecendo a Filosofia. É um conhecimento importante, naturalmente, mas limitado. Podendo ser até mesmo limitante, em excesso, por ocupar muito o tempo, não deixando muito espaço para novos conhecimentos.

(*) Essa fase, normalmente, mas não há uma regra, costuma passar por vários estágios, da crença original, aprendida em casa, para a busca de outras crenças, pseudociências, filosofia até desembocar na ciência.

Por isso chuto que o problema possa estar mais no mau uso do conhecimento, do que no conhecimento em si. Isto é, no tipo de conhecimento consumido. O conhecimento científico, aquele que, pessoalmente, considero útil, edificante, fonte de deslumbramento, capaz de realmente aumentar a qualidade de vida, dar uma dimensão da realidade que nada mais, que eu conheça, pelo menos, possa fornecer, infelizmente, é pouco difundido. Não percebo entre os céticos científicos essa tendência ao pessimismo. Mais entre os céticos filosóficos.     
Pode explicar o que quis dizer com "lixo"? Acho que o pessimismo é importante para manter nossos pés no chão (principalmente com os viés psicológicos otimistas que foram descritos mais acima), e portanto facilitar a chegada a uma visão realista das coisas. Um problema é que em geral, ser otimista, pessimista ou realista são conceitos bem variáveis, dependendo do momento, indivíduo ou histórico da situação em pauta.

A propósito, a filosofia também pode chegar a aumentar a qualidade de vida, principalmente quando leva o sujeito a refletir sobre suas atitudes, cosmovisão, etc. Não acho que niilismo seja pessimismo. Me corrija se estiver errado, mas niilismo é simplesmente a negação de qualquer valor e princípio estabelecido, como uma espécie de ceticismo radical. Nesse sentido, eu fico em dúvida sobre as diferenças da cosmovisão niilista, absurdista e existencialista ateia. Que não há valor intrínseco às coisas e que cabe a cada um encontrar seu próprio sentido, acho ser fácil aceitar para qualquer ateu. Porém, caso o niilismo implique em libertinagem (sem valores e princípios), eu discordo nesse aspecto. A "Morte de Deus" seguida de niilismo realmente abre alas para uma visão pessimista, já que tira-se o valor intrínseco da vida/universo e conforto da religião. Que, para alguns, simplesmente substituir por conhecimento científico não é suficiente.

E por que comparar a impressão do animal que é devorado com a do que devora e não com suas impressões anteriores, inclusive, a de saborear suas próprias presas? Só se é devorado uma vez. 
Bom, acima eu estava argumentando que o sentimento de dor é geralmente mais intenso que o de prazer. E acho que esta citação de Schopenhauer é bastante explicativa para isso. De fato, só se é devorado uma vez, mas a intensidade de uma única vez (nesse exemplo específico) pode ser muito mais saliente do que diversas outras experiências prazerosas.
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:03:32 por Geotecton »

Offline AlienígenA

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #43 Online: 20 de Dezembro de 2016, 22:17:14 »
Isso pode se dar devido ao mau uso do conhecimento, não ao conhecimento em si.
Mau uso do conhecimento, ou será que a realidade incentiva um tipo de visão pessimista?

Na transição (*) de uma visão espiritualista (ingênua) para uma materialista (científica), no período de readaptação, pode haver, normalmente há, uma certa apatia, niilismo, uma fase casulo (pessimista). Mas superado isso, vem o deslumbre. O conhecimento é muito mais interessante, surpreendente, vasto e enriquecedor do que qualquer conjunto de crenças já inventado. Meio como criar asas, mesmo (otimismo). Então, como é natural, com o tempo você se adapta (realismo). Custo a entender como essa evolução possa causar prejuízos.

O que me ocorre é que talvez algumas pessoas não façam a transição completa, mas permaneçam no casulo. Talvez, mais provavelmente, isso ocorra por disfunções orgânicas, hormonais, não devido a mudança de paradigmas, uma vez que isso não é, está longe de ser, um mal dos céticos. Pode ser até que nesses casos a disfunção seja a causa e não consequência dessa mudança.

Noto, mas pode ser apenas impressão minha, um consumo excessivo de filosofia entre os pessimistas, muito lixo, principalmente, do meu ponto de vista, é claro. Isso é, pretensas explicações sobre tudo que mais confundem do que esclarecem, mais criam problemas (novas questões) do que soluções (respostas úteis e confiáveis, que podem ser verificadas e aplicadas). Um certo consumo de pseudociência também é comum. E um baixo consumo de ciência. Não estou desmerecendo a Filosofia. É um conhecimento importante, naturalmente, mas limitado. Podendo ser até mesmo limitante, em excesso, por ocupar muito o tempo, não deixando muito espaço para novos conhecimentos.

(*) Essa fase, normalmente, mas não há uma regra, costuma passar por vários estágios, da crença original, aprendida em casa, para a busca de outras crenças, pseudociências, filosofia até desembocar na ciência.

Por isso chuto que o problema possa estar mais no mau uso do conhecimento, do que no conhecimento em si. Isto é, no tipo de conhecimento consumido. O conhecimento científico, aquele que, pessoalmente, considero útil, edificante, fonte de deslumbramento, capaz de realmente aumentar a qualidade de vida, dar uma dimensão da realidade que nada mais, que eu conheça, pelo menos, possa fornecer, infelizmente, é pouco difundido. Não percebo entre os céticos científicos essa tendência ao pessimismo. Mais entre os céticos filosóficos.     
Pode explicar o que quis dizer com "lixo"?

Eu expliquei logo à frente, mas repito: pretensas explicações sobre tudo que mais confundem do que esclarecem, mais criam problemas (novas questões) do que soluções (respostas úteis e confiáveis, que podem ser verificadas e aplicadas). Não vejo sentido nisso, mas como também expliquei, é só minha opinião. Prefiro saber "como" as coisas funcionam e fazer uso prático delas, do que viver elucubrando sobre os seus "porquês". 

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Acho que o pessimismo é importante para manter nossos pés no chão (principalmente com os viés psicológicos otimistas que foram descritos mais acima), e portanto facilitar a chegada a uma visão realista das coisas. Um problema é que em geral, ser otimista, pessimista ou realista são conceitos bem variáveis, dependendo do momento, indivíduo ou histórico da situação em pauta.

Para manter nossos pés no chão só precisamos da gravidade. :P  Os pessimistas talvez se ressintam dela pela pressão que o peso do corpo exerce sobre os pés cansados. 

Falando sério, um certo pessimismo é tão importante quanto um certo otimismo, para ser realista. Em excesso um pode te paralisar e o outro te derrubar. Evitar a felicidade possível por medo do possível sofrimento não é a atitude mais inteligente, sobretudo, quando se tem consciência de que só se vive (e morre) uma vez.   
 
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A propósito, a filosofia também pode chegar a aumentar a qualidade de vida, principalmente quando leva o sujeito a refletir sobre suas atitudes, cosmovisão, etc. Não acho que niilismo seja pessimismo. Me corrija se estiver errado, mas niilismo é simplesmente a negação de qualquer valor e princípio estabelecido, como uma espécie de ceticismo radical. Nesse sentido, eu fico em dúvida sobre as diferenças da cosmovisão niilista, absurdista e existencialista ateia. Que não há valor intrínseco às coisas e que cabe a cada um encontrar seu próprio sentido, acho ser fácil aceitar para qualquer ateu. Porém, caso o niilismo implique em libertinagem (sem valores e princípios), eu discordo nesse aspecto. A "Morte de Deus" seguida de niilismo realmente abre alas para uma visão pessimista, já que tira-se o valor intrínseco da vida/universo e conforto da religião. Que, para alguns, simplesmente substituir por conhecimento científico não é suficiente.

Religião trás mais desconforto do que o contrário. Promete um paraíso monótono, onde nada de interessante parece acontecer, mas inalcançável, porque ninguém consegue ser perfeito e um inferno horripilante, onde todos os seus medos se materializam, bastando para tanto, pensamentos impuros. Não conforta, basta observar a angústia dos devotos, não responde a dúvidas, promovendo apenas incertezas, medos e culpas inúteis. E a filosofia não é muito diferente. Mas ambas tem lá seu valor.

Citar
E por que comparar a impressão do animal que é devorado com a do que devora e não com suas impressões anteriores, inclusive, a de saborear suas próprias presas? Só se é devorado uma vez. 
Bom, acima eu estava argumentando que o sentimento de dor é geralmente mais intenso que o de prazer. E acho que esta citação de Schopenhauer é bastante explicativa para isso. De fato, só se é devorado uma vez, mas a intensidade de uma única vez (nesse exemplo específico) pode ser muito mais saliente do que diversas outras experiências prazerosas.

Se a dor é a sensação mais intensa que se pode experimentar por que o animal se debate, tentando se salvar, prolongando o próprio sofrimento, em vez de se entregar logo para abreviar a dor? Será que existe sensação mais intensa que o instinto de sobrevivência? A simples expectativa de prazer, como se percebe a todo instante, basta para nos impelir a encarar o risco de sofrer. Uma das dores das quais se pode ter mais certeza é a dor do parto e parece ser bastante intensa, no entanto, essa não parece figurar entre as principais preocupações das mulheres que decidem ter filhos, inclusive, daquelas que já a experimentaram. O que se percebe é que de tudo que envolve a maternidade é uma das sensações menos marcantes. Há diversos outros exemplos de que a simples expectativa do prazer compensa a dor envolvida ou a suposta dor envolvida, me parece que muito mais do que o contrário. Há, inclusive, quem sinta prazer em sofrer. Acho que está longe de ser evidente os pressupostos e conclusões da visão pessimista. O que, aliás, parece até óbvio, observando a realidade. :/
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:03:59 por Geotecton »

Offline AlienígenA

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #44 Online: 21 de Dezembro de 2016, 10:44:00 »
Acho que esse trecho merece mais atenção.

Citar
A propósito, a filosofia também pode chegar a aumentar a qualidade de vida, principalmente quando leva o sujeito a refletir sobre suas atitudes, cosmovisão, etc. Não acho que niilismo seja pessimismo. Me corrija se estiver errado, mas niilismo é simplesmente a negação de qualquer valor e princípio estabelecido, como uma espécie de ceticismo radical. Nesse sentido, eu fico em dúvida sobre as diferenças da cosmovisão niilista, absurdista e existencialista ateia. Que não há valor intrínseco às coisas e que cabe a cada um encontrar seu próprio sentido, acho ser fácil aceitar para qualquer ateu. Porém, caso o niilismo implique em libertinagem (sem valores e princípios), eu discordo nesse aspecto. A "Morte de Deus" seguida de niilismo realmente abre alas para uma visão pessimista, já que tira-se o valor intrínseco da vida/universo e conforto da religião. Que, para alguns, simplesmente substituir por conhecimento científico não é suficiente.

Eu encaro o niilismo como uma metamorfose, uma transição entre uma fase de sua vida e outra, não necessariamente relacionado a crenças místicas/religiosas (embora esse seja o entendimento geral), onde valores importantes são postos em questão. Desde o fim da infância até o fim de um longo relacionamento ou de antigos sonhos que perdem o sentido, da fé ou de uma ideologia. Normalmente leva ao pessimismo, ao menos, temporariamente, pois deixa um vazio a ser preenchido. Há quem se rebele, resista a crescer, seguir em frente, fazer novos planos, abandonar o culto a valores, místicos ou não, que perdem o sentido. O que não me parece lá muito saudável.

Não posso falar pelos outros, mas para mim, o ateísmo foi a mais tranquila das minhas transições. Discordo que as coisas percam seu valor intrínseco. Somente aquelas que perdem o sentido, mas outras ocupam seu lugar, traçando novos sentidos, naturalmente.

Se deus não existe, tudo é permitido, mas continua valendo a máxima de que nem tudo convém. Quem tem cu juízo, tem medo. Embora não chegasse a ser praticante, até porque perdi a fé cedo e meus pais não eram rígidos com isso, a fé religiosa era uma fonte de desconforto intelectual para mim. Eu nem conseguia nem queria ter o estilo de vida que a religião (no meu caso, a católica) exigia, nem via sentido em encenar aquilo. Houve perdas, com certezas, pois se deus na maior parte do tempo era apenas uma figura intrometida e inconveniente que vigiava até meus pensamentos, eventualmente fazia o papel de guarda-costas, apesar do estranho fato das igrejas terem para-raios. A vida é suficiente, a família, os amigos, os amores, os sonhos, as expectativas, as conquistas, as descobertas, apesar dos pesares.   

Offline Freya

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #45 Online: 22 de Dezembro de 2016, 19:27:41 »
A natureza simplesmente é, não precisa fazer sentido para nós. E talvez o nosso sofrimento advenha dessa necessidade incessante de encontrar sentidos e propósitos além da compreensão, em vez de simplesmente aceitar a vida exatamente como ela é.
Penso que essa constatação de que a natureza "simplesmente é" advém de nossa observação de que nada acontece por um motivo em específico, e que numa escala macro, nada realmente possui sentido. Eu poderia concordar com você nesse quesito, porém a "essência humana" não está satisfeita somente com isso. Isto é, dizer que a natureza não precisa fazer sentido para nós é insuficiente para aplacar a sede de conhecimento e as perguntas que o ser humano possui.

Mas aceitar as coisas como elas são é apenas aprender a lidar com a realidade, a vida não precisa necessariamente de um sentido maior e "sobrenatural" para ser fascinante ou valer a pena, pois como já disseram aqui, a realidade pode ser extremamente fascinante e complexa, de forma que é fonte infindável de investigação para a humanidade saciar sua sede de conhecimento; quanto mais sabemos, mais queremos aprender, e talvez nunca possamos saber de tudo, mas essa vontade incessante é o que nos move.

Mas o fato de alguns sofrerem justificaria o fim da existência de tudo e de todas as coisas ditas boas? É mais ou menos como se você pensasse que se as coisas não forem totalmente e milimetricamente perfeitas elas não valem a pena sob nenhum aspecto. E valer ou não valer a pena é uma ponderação muito pessoal, tanto que pessoas em situações piores às vezes estão mais felizes do que aqueles que têm tudo que se pode considerar bom na vida.
Na visão antinatalista, sim. Isto é feito através da constatação de que não temos uma obrigação moral de criar pessoas felizes, porém temos sim uma obrigação moral de não criar pessoas infelizes. Trazer uma pessoa ao mundo é um ato puramente egoísta e que nunca diz nada a respeito à prole, que nada pode fazer para se defender diante desse ato. Reproduzir é, em muitos casos, condenar alguém a doenças, sofrimento e inclusive à morte. Se podemos evitar esse sofrimento que advém de nossas experiências subjetivas, então somos moralmente obrigados a não procriar.

Mas os pais não têm como adivinhar se o filho vai considerar, ou não, que os bônus da vida compensam o sofrimento inerente à ela. Até porque quem escolhe se reproduzir, provavelmente pensa que vale a pena o custo benefício da existência humana.

Sim, como eu disse, tudo é uma questão de ponto de vista.
E nesse processo de formação da visão de mundo, a comparação é inevitável, não só com outras pessoas mas até mesmo com situações hipotéticas.
Pensar que poderia ser pior não resolve um problema, mas sempre ajuda a aceitá-lo melhor, traz uma sensação de alívio. É como tirar o bode da sala. rs
Você não pode escolher tudo que vai te acontecer na vida, mas você tem total liberdade de escolher a maneira como vai encarar/lidar com o acontecimento.
A comparação não melhora nossa situação objetivamente, é como uma máscara que nos induz a ter um viés positivo mediante a vida de outrem. Porém, nem sempre isso funciona. Dizem que deveríamos ser felizes e gratos por termos visão, uma vez que existem pessoas que não a possuem. Porém, não é o que vemos na realidade; pessoas ainda continuam infelizes e frustradas, mesmo possuindo uma boa visão e/ou boas condições para viver.

Não gosto de pensar que "tudo é uma questão de ponto de vista", à la pirronismo. Penso que verdades absolutas deveriam (ou devem) ser possíveis de adquirir, ou pelo menos uma visão muito próxima disso. Muitas das questões mais profundas da humanidade até agora nunca foram respondidas de uma maneira satisfatória (existe um sentido para a vida? Por que estamos aqui? Por que há algo ao invés do nada? Etc...), mas eu acho que, se baseando em evidências e discussões, podemos no mínimo chegar num consenso (ou não?) eu espero...

"And even when humanity somehow overcomes Resource depletion, overpopulation, growing religiosity and stupidity and irrationality (not very likely), it still wouldn't redeem any individuals experience of deprivation, suffering and alienation in the world. And even if we all lived in the best of all possible worlds instead of the worst as we do, there would still remain questions like why a self-conscious animal must exist at all, when it feels compelled to justify its own existence with imaginary notions of morality, values, ethics, all of which are totally meaningless in an indifferent mechanistic universe, where life is merely ‘chemical scum on a moderate-sized planet' (Hawking)".

É claro que a comparação não muda a realidade fática, mas pode influenciar diretamente a forma como você lida com essa realidade. Como eu disse antes, você não pode escolher tudo que vai te acontecer, mas a forma como vai agir e encarar as coisas que acontecem é uma escolha somente sua e, dependendo da sua postura mental diante de uma determinada situação, passar pela experiência pode ser uma empreitada bem mais ou bem menos sofrida/difícil.

E, sim, certamente existem verdades objetivas, e a melhor maneira de investigar a realidade é mantendo uma postura cética e cientificista. Mas quando falo em ponto de vista me refiro à liberdade que cada um tem de lançar um olhar mais otimista ou mais pessimista sobre um problema,e, através de um exercício de condicionamento mental, desenvolver a capacidade de lidar com as situações de maneira menos sofrida e mais objetiva.
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:05:00 por Geotecton »

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #46 Online: 26 de Dezembro de 2016, 20:44:29 »
Na transição (*) de uma visão espiritualista (ingênua) para uma materialista (científica), no período de readaptação, pode haver, normalmente há, uma certa apatia, niilismo, uma fase casulo (pessimista). Mas superado isso, vem o deslumbre. O conhecimento é muito mais interessante, surpreendente, vasto e enriquecedor do que qualquer conjunto de crenças já inventado. Meio como criar asas, mesmo (otimismo). Então, como é natural, com o tempo você se adapta (realismo). Custo a entender como essa evolução possa causar prejuízos.

O que me ocorre é que talvez algumas pessoas não façam a transição completa, mas permaneçam no casulo. Talvez, mais provavelmente, isso ocorra por disfunções orgânicas, hormonais, não devido a mudança de paradigmas, uma vez que isso não é, está longe de ser, um mal dos céticos. Pode ser até que nesses casos a disfunção seja a causa e não consequência dessa mudança.
Concordo que a visão materialista pode ser mais enriquecedora e também que abre alas para muito conhecimento. Porém, a visão espiritualista concede muito mais "graça" para o mundo, conforto, esperança e capacidade de bater de frente com os momentos difíceis da vida. Uma crença dessas é muito poderosa e não devemos subestima-la. O fato é que o mundo é duro. E é difícil de aguentar viver sem um pouquinho de superstição, para a maioria das pessoas. Dizer que nada ocorre por um motivo, que pessoas nascem e sofrem por nada, que seus entes queridos morrerão e você não poderá revê-los; que inclusive, o universo com o tempo irá se tornar uma escuridão sem vida por toda a eternidade, entre tantas outras coisas. Quando se encara a realidade de frente e se tira os entretenimentos supérfluos de lado, é muito difícil de encarar a realidade sofrida e desprovida de sentido.

Você poderia dizer: "mas veja, Sirhu, o seu tempo aqui é temporário, e é justamente por isso que você deve aproveitá-lo ao máximo!" Bom, eu entendo esse raciocínio, e inclusive considero ele. Porém, quando eu paro para observar a vida em geral, eu noto que os animais estão há milênios se matando, sobrevivendo, reproduzindo, sofrendo, e tudo isso para quê? Isso inclui nós também. Porque embora o ser humano tenha arquitetado ferramentas muito auxiliadoras de conforto e felicidade, nada disso ainda foi suficiente para cessar os conflitos, sofrimento e desespero que nossa espécie está sempre tão sujeita a passar. Eu só consigo ficar cada vez mais convencido de que nossas vidas são piores do que pensamos. Os mecanismos psicológicos que nos fazem pretender que tudo esteve bem sempre estarão presentes, e os efeitos deles são inegáveis. Agora que estamos aqui, que aproveitemos a vida ao máximo, embora eu não consiga parar de pensar no quanto nos enganamos em muita coisa. E ainda mais, se quisermos realmente ser altruístas, não devemos trazer novas vidas ao jogo.

Eu expliquei logo à frente, mas repito: pretensas explicações sobre tudo que mais confundem do que esclarecem, mais criam problemas (novas questões) do que soluções (respostas úteis e confiáveis, que podem ser verificadas e aplicadas). Não vejo sentido nisso, mas como também expliquei, é só minha opinião. Prefiro saber "como" as coisas funcionam e fazer uso prático delas, do que viver elucubrando sobre os seus "porquês". 

Para manter nossos pés no chão só precisamos da gravidade. :P  Os pessimistas talvez se ressintam dela pela pressão que o peso do corpo exerce sobre os pés cansados. 

Falando sério, um certo pessimismo é tão importante quanto um certo otimismo, para ser realista. Em excesso um pode te paralisar e o outro te derrubar. Evitar a felicidade possível por medo do possível sofrimento não é a atitude mais inteligente, sobretudo, quando se tem consciência de que só se vive (e morre) uma vez.   
A ciência é importante porque nos explica como o mundo funciona. Já a filosofia, deve nos orientar a maneira correta de agir com nossos semelhantes e a ver o mundo da maneira que nos beneficie melhor. Não acho que isso seja possível só com ciência. É justamente por isso, AntipetistA, que acredito que a ciência deve estar ligada com a filosofia. Por exemplo, eu já posso descartar qualquer filosofia que inclua como explicação de mundo uma divindade. Uma vez que, na ausência de evidências que corroborem com a existência de alguma coisa, eu não tenho motivos para crer que exista, então simplesmente suponho que inexiste. Ou, também, o ceticismo de Descartes, que mais prejudica do que nos beneficia. Pensar sobre o porquê das coisas é importante por diversos motivos. Não acho que nem existiria ciência se fosse por isso. Enfim, claramente existem caminhos ideais e mais plausíveis para se seguir no momento de adotar uma filosofia de vida e/ou cosmovisão. Porém, estas devem estar ligadas com o que sabemos do mundo, o que por seguinte está ligado com a ciência (pois esta sem a filosofia não significa nada).

"Evitar a felicidade possível por medo do possível sofrimento não é a atitude mais inteligente, sobretudo, quando se tem consciência de que só se vive (e morre) uma vez." Você e a Freya não entenderam muito bem o meu ponto. Ao nascer, você é posto num mundo onde existe sofrimento garantido, mas felicidade também. Você escolheu isso? Não. Mas rejeitou? Também não. Porém, ninguém sabe qual será o seu destino. Sendo assim, ao criar novas vidas, se está apostando com o destino de outra pessoa, sem mais nem menos. Isso simplesmente não é justo e não deve continuar. O ser que inexiste pouco está se importando com felicidade. Ele não sofre com a ausência disso. Mas sabe com o que ele preferiria evitar? O sofrimento. E é justamente por trazê-lo à existência que você o retira de um estado protegido e o sujeita a dor necessariamente, sem nem saber do destino final do outro ser que você pôs por sua escolha.


Religião trás mais desconforto do que o contrário. Promete um paraíso monótono, onde nada de interessante parece acontecer, mas inalcançável, porque ninguém consegue ser perfeito e um inferno horripilante, onde todos os seus medos se materializam, bastando para tanto, pensamentos impuros. Não conforta, basta observar a angústia dos devotos, não responde a dúvidas, promovendo apenas incertezas, medos e culpas inúteis. E a filosofia não é muito diferente. Mas ambas tem lá seu valor.
Para alguns devotos, sim. Mas no geral, a maioria não conseguiria viver sem o tanto de promessas que as religiões trazem para encarar a realidade, malgrado as desvantagens que você citou.

Como que não é diferente? A filosofia está muito mais ligada à ciência do que você faz parecer. Ela estimula o pensamento crítico, promove uma busca pela verdade, nos ensina a agir diante do outro, nos estimula a viver de uma maneira que nos floresça como indivíduo, entre tantas outras coisas. Recomendo para você este texto: http://obviousmag.org/cinema_pensante/2015/07/por-um-mundo-mais-filosofico.html

Se a dor é a sensação mais intensa que se pode experimentar por que o animal se debate, tentando se salvar, prolongando o próprio sofrimento, em vez de se entregar logo para abreviar a dor? Será que existe sensação mais intensa que o instinto de sobrevivência? A simples expectativa de prazer, como se percebe a todo instante, basta para nos impelir a encarar o risco de sofrer. Uma das dores das quais se pode ter mais certeza é a dor do parto e parece ser bastante intensa, no entanto, essa não parece figurar entre as principais preocupações das mulheres que decidem ter filhos, inclusive, daquelas que já a experimentaram. O que se percebe é que de tudo que envolve a maternidade é uma das sensações menos marcantes. Há diversos outros exemplos de que a simples expectativa do prazer compensa a dor envolvida ou a suposta dor envolvida, me parece que muito mais do que o contrário. Há, inclusive, quem sinta prazer em sofrer. Acho que está longe de ser evidente os pressupostos e conclusões da visão pessimista. O que, aliás, parece até óbvio, observando a realidade. :/

Simples, pelo medo instintivo da morte. Se a dor do parto compensa ou não para a mãe, acho difícil de argumentar a respeito (embora eu ainda diria que não deve ser feito, levando em conta as premissas antinatalistas). Porém, sei que a convivência entre nossos semelhantes pode ser fonte de muito prazer. Quem sente prazer em sofrer, interpreta o sofrimento como algo bom, então é uma mera mudança de foco. Isto é, não tira o fato de que aquela sensação é ruim. Bom, a visão pessimista continua como sendo verdadeira para mim. Levando em conta os mecanismos psicológicos que nos fazem ver tudo de maneira positiva (recomendo muito o livro do Benatar, aliás), pelo vazio da existência e a constante perseguição do homem por sentido e sua falha por encontrá-lo, fora o fato de que nossa existência se deu de forma fortuita e acabará também do mesmo jeito. Acho que todos nós deveríamos aproveitar a vida da melhor maneira possível, mas vejo que a nossa natureza simplesmente torna essa tarefa quase impossível, uma perseguição sem fim por um ideal distante.

De qualquer modo, sinto que eu poderia argumentar de maneira muito melhor se eu investisse mais um pouco de tempo nas minhas leituras. É uma pena que a visão antinatalista seja tão pouco difundida e sua conclusão cause desagrado a quem a ouve. Porque eu, sinceramente, não consigo achar boas refutações para ela.

« Última modificação: 26 de Dezembro de 2016, 21:00:11 por Sirhu »

Offline 859601175

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #47 Online: 26 de Dezembro de 2016, 21:04:12 »
Mas os pais não têm como adivinhar se o filho vai considerar, ou não, que os bônus da vida compensam o sofrimento inerente à ela. Até porque quem escolhe se reproduzir, provavelmente pensa que vale a pena o custo benefício da existência humana.
Justamente pelo fato de não poderem adivinhar que é imoral reproduzir. Ou melhor dizendo, apostar com a vida alheia. O raciocínio é bem simples.
« Última modificação: 26 de Dezembro de 2016, 21:10:49 por Sirhu »

Offline Skeptikós

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #48 Online: 28 de Dezembro de 2016, 14:18:56 »


Valor tem a ver com necessidades e desejos.  Se você não tiver nenhuma necessidade e nenhum desejo você  poderá  dar valor zero a tudo.

E assim poderá viver de boa, sem se preocupar com o dia de amanhã.  Aliás, não vai precisar se preocupar nem com o dia de hoje, se você começar a praticar isso agora.



 :hihi:
Será possível abandonar todos os desejos e/ou necessidades? Sei que algo nesses moldes é descrito no budismo (nirvana), porém desconheço os procedimentos para atingir tal estado.
Sim, e neste caso você morreria por inanição,  :hihi: :hihi:

Sobre o budismo, não é aconselhado abandonar todos os desejos e necessidades, já que segundo a lenda, antes de Sidarta Gautama alcançar o Nirvana e se tornar o Buda (o Iluminado), ele reconheceu a importância dos desejos e a necessidade do corpo de satisfazer alguns deles para permitir o prosseguimento da busca pela iluminação, como por exemplo o desejo de se alimentar para cessar a fome ou o desejo de beber água para saciar a sede. É como dizem, "saco vazio não para em pé."
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:05:30 por Geotecton »
"Che non men che saper dubbiar m'aggrada."
"E, não menos que saber, duvidar me agrada."

Dante, Inferno, XI, 93; cit. p/ Montaigne, Os ensaios, Uma seleção, I, XXV, p. 93; org. de M. A. Screech, trad. de Rosa Freire D'aguiar

Offline AlienígenA

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Re:As coisas não têm um valor maior do que aquilo que damos a elas?
« Resposta #49 Online: 04 de Janeiro de 2017, 18:01:06 »
Na transição (*) de uma visão espiritualista (ingênua) para uma materialista (científica), no período de readaptação, pode haver, normalmente há, uma certa apatia, niilismo, uma fase casulo (pessimista). Mas superado isso, vem o deslumbre. O conhecimento é muito mais interessante, surpreendente, vasto e enriquecedor do que qualquer conjunto de crenças já inventado. Meio como criar asas, mesmo (otimismo). Então, como é natural, com o tempo você se adapta (realismo). Custo a entender como essa evolução possa causar prejuízos.

O que me ocorre é que talvez algumas pessoas não façam a transição completa, mas permaneçam no casulo. Talvez, mais provavelmente, isso ocorra por disfunções orgânicas, hormonais, não devido a mudança de paradigmas, uma vez que isso não é, está longe de ser, um mal dos céticos. Pode ser até que nesses casos a disfunção seja a causa e não consequência dessa mudança.
Concordo que a visão materialista pode ser mais enriquecedora e também que abre alas para muito conhecimento. Porém, a visão espiritualista concede muito mais "graça" para o mundo, conforto, esperança e capacidade de bater de frente com os momentos difíceis da vida. Uma crença dessas é muito poderosa e não devemos subestima-la. O fato é que o mundo é duro. E é difícil de aguentar viver sem um pouquinho de superstição, para a maioria das pessoas. Dizer que nada ocorre por um motivo, que pessoas nascem e sofrem por nada, que seus entes queridos morrerão e você não poderá revê-los; que inclusive, o universo com o tempo irá se tornar uma escuridão sem vida por toda a eternidade, entre tantas outras coisas. Quando se encara a realidade de frente e se tira os entretenimentos supérfluos de lado, é muito difícil de encarar a realidade sofrida e desprovida de sentido.

Que a visão espiritualista é poderosa, nota-se. Que concede muito mais "graça", conforto, esperança e capacidade de superação, tenho sinceras dúvidas. Não é o que observo. Embora haja aparentes exceções, parece ser muito mais fonte de sofrimento do que de prazer. Até porque costuma fazer uma série de restrições que geram apenas angústia, criando ameaças imaginárias, como se não bastassem as reais, desde forças ocultas, passando por sonhos, pensamentos, gestos, palavras, lugares, até o castigo divino, tudo é tenebroso. É um mundo muito mais ameaçador do que um mundo material, finito e sem sentido. Mas muitas vezes é tudo o que se tem, tudo em que se aprendeu a acreditar, onde até o mais simples questionamento é respondido com ameaças. É um mundo difícil de escapar. Talvez nisso esteja seja todo o seu poder. 

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Você poderia dizer: "mas veja, Sirhu, o seu tempo aqui é temporário, e é justamente por isso que você deve aproveitá-lo ao máximo!" Bom, eu entendo esse raciocínio, e inclusive considero ele. Porém, quando eu paro para observar a vida em geral, eu noto que os animais estão há milênios se matando, sobrevivendo, reproduzindo, sofrendo, e tudo isso para quê? Isso inclui nós também. Porque embora o ser humano tenha arquitetado ferramentas muito auxiliadoras de conforto e felicidade, nada disso ainda foi suficiente para cessar os conflitos, sofrimento e desespero que nossa espécie está sempre tão sujeita a passar. Eu só consigo ficar cada vez mais convencido de que nossas vidas são piores do que pensamos. Os mecanismos psicológicos que nos fazem pretender que tudo esteve bem sempre estarão presentes, e os efeitos deles são inegáveis. Agora que estamos aqui, que aproveitemos a vida ao máximo, embora eu não consiga parar de pensar no quanto nos enganamos em muita coisa. E ainda mais, se quisermos realmente ser altruístas, não devemos trazer novas vidas ao jogo.

Seja lá o que for que faça com que essa experiência finita e sem sentido valha a pena é poderoso o bastante para nos impulsionar a aproveitá-la ao máximo. Do que se conclui que, apesar dos pesares, é uma experiência desejável. O que justifica trazer novas vidas ao jogo. Se em tese a vida não faz sentido, na prática é outra história. Experimentar (sentir) é o que dá sentido às coisas. Você pode até querer confundir as duas coisas, o sentido da vida com o sentir a vida, com a própria vida, ao ponto de uma interferir na outra, mas isso também não faz sentido.   

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Eu expliquei logo à frente, mas repito: pretensas explicações sobre tudo que mais confundem do que esclarecem, mais criam problemas (novas questões) do que soluções (respostas úteis e confiáveis, que podem ser verificadas e aplicadas). Não vejo sentido nisso, mas como também expliquei, é só minha opinião. Prefiro saber "como" as coisas funcionam e fazer uso prático delas, do que viver elucubrando sobre os seus "porquês". 

Para manter nossos pés no chão só precisamos da gravidade. :P  Os pessimistas talvez se ressintam dela pela pressão que o peso do corpo exerce sobre os pés cansados. 

Falando sério, um certo pessimismo é tão importante quanto um certo otimismo, para ser realista. Em excesso um pode te paralisar e o outro te derrubar. Evitar a felicidade possível por medo do possível sofrimento não é a atitude mais inteligente, sobretudo, quando se tem consciência de que só se vive (e morre) uma vez.   
A ciência é importante porque nos explica como o mundo funciona. Já a filosofia, deve nos orientar a maneira correta de agir com nossos semelhantes e a ver o mundo da maneira que nos beneficie melhor. Não acho que isso seja possível só com ciência. É justamente por isso, AntipetistA, que acredito que a ciência deve estar ligada com a filosofia. Por exemplo, eu já posso descartar qualquer filosofia que inclua como explicação de mundo uma divindade. Uma vez que, na ausência de evidências que corroborem com a existência de alguma coisa, eu não tenho motivos para crer que exista, então simplesmente suponho que inexiste. Ou, também, o ceticismo de Descartes, que mais prejudica do que nos beneficia. Pensar sobre o porquê das coisas é importante por diversos motivos. Não acho que nem existiria ciência se fosse por isso. Enfim, claramente existem caminhos ideais e mais plausíveis para se seguir no momento de adotar uma filosofia de vida e/ou cosmovisão. Porém, estas devem estar ligadas com o que sabemos do mundo, o que por seguinte está ligado com a ciência (pois esta sem a filosofia não significa nada).


Deve nos orientar? Qual filosofia? Qual corrente? Há como determinar isso objetivamente? Não é uma questão de escolha? Por que não a religião? Você parece ter uma visão otimista sobre a influência do misticismo na qualidade de vida. Por que não simplesmente a consciência? É a fonte, afinal, de onde brota toda a religião, filosofia e ciência.

Sim, a filosofia, assim como a religião, que não deixa de ser uma filosofia, é importante. É informação. É válido como forma de contato com ideias diferentes, de incrementar o pensamento, desenvolver a criatividade, mas não como fonte de conhecimento, exceto pela filosofia da ciência, que visa aperfeiçoar a obtenção de conhecimento.

Tenho sinceras dúvidas se a filosofia abriu o caminho para a ciência ou o atrasou. A mim parece que a ciência surge justamente do rompimento com a filosofia, da substituição do "porquê" pelo "como", da razão como base para o conhecimento para o desafio da razão, através do experimento.     

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"Evitar a felicidade possível por medo do possível sofrimento não é a atitude mais inteligente, sobretudo, quando se tem consciência de que só se vive (e morre) uma vez." Você e a Freya não entenderam muito bem o meu ponto. Ao nascer, você é posto num mundo onde existe sofrimento garantido, mas felicidade também. Você escolheu isso? Não. Mas rejeitou? Também não. Porém, ninguém sabe qual será o seu destino. Sendo assim, ao criar novas vidas, se está apostando com o destino de outra pessoa, sem mais nem menos. Isso simplesmente não é justo e não deve continuar. O ser que inexiste pouco está se importando com felicidade. Ele não sofre com a ausência disso. Mas sabe com o que ele preferiria evitar? O sofrimento. E é justamente por trazê-lo à existência que você o retira de um estado protegido e o sujeita a dor necessariamente, sem nem saber do destino final do outro ser que você pôs por sua escolha.

Sim, eu entendi e acho que a Freya também. Você talvez não exatamente. Estamos o tempo todo apostando com o destino de outras pessoas ao interagir com elas, não é preciso ter filhos para isso. Exercemos influência direta ou indiretamente, sobre o bem-estar, a vida, as opiniões e as escolhas alheias, conscientes ou não disso. Causamos prazer e sofrimento deliberada ou acidentalmente e mesmo sem nem nos darmos conta. Não há como escapar disso. Deixar de ter filhos não nos exime de absolutamente nada, nem tão pouco nos redime. Ao escolher dividir com as pessoas sua opinião, só para dar um exemplo, sabendo que a maioria delas tem ou deseja ter filhos, você tem a consciência de que pode as estar retirando de um estado protegido, sujeitando-as ao sofrimento, mesmo sem poder prever o resultado disso sobre o destino final delas. Tudo é uma aposta. Você certamente está apostando que essa troca de ideias seja, quando muito, inofensiva, embora saiba que ideias tem o potencial modificar o rumo de vidas inteiras, para melhor ou para pior. Por que apostar com o destino de vidas existentes é menos irresponsável do que apostar com o destino de novas vidas? Percebe a contradição?
 
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Religião trás mais desconforto do que o contrário. Promete um paraíso monótono, onde nada de interessante parece acontecer, mas inalcançável, porque ninguém consegue ser perfeito e um inferno horripilante, onde todos os seus medos se materializam, bastando para tanto, pensamentos impuros. Não conforta, basta observar a angústia dos devotos, não responde a dúvidas, promovendo apenas incertezas, medos e culpas inúteis. E a filosofia não é muito diferente. Mas ambas tem lá seu valor.
Para alguns devotos, sim. Mas no geral, a maioria não conseguiria viver sem o tanto de promessas que as religiões trazem para encarar a realidade, malgrado as desvantagens que você citou.

Como que não é diferente? A filosofia está muito mais ligada à ciência do que você faz parecer. Ela estimula o pensamento crítico, promove uma busca pela verdade, nos ensina a agir diante do outro, nos estimula a viver de uma maneira que nos floresça como indivíduo, entre tantas outras coisas. Recomendo para você este texto: http://obviousmag.org/cinema_pensante/2015/07/por-um-mundo-mais-filosofico.html

Será mesmo? A mim, a filosofia parece estar muito mais ligada à religião (à busca pela verdade) do que à ciência (à busca pelo conhecimento). Como disse, vejo a ciência (o pensamento crítico/ceticismo) antes como uma cisão do que como uma extrapolação da filosofia. É quando deixamos de confiar na razão (a fonte da verdade) e passamos a desafiá-la, testá-la e colocá-la à prova, que surge a ciência (a fonte do conhecimento). É o que me parece que fez Galileu, produziu conhecimento apesar da "verdade" (filosofia) de sua época e não graças a ela. Mas é só um palpite.

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Se a dor é a sensação mais intensa que se pode experimentar por que o animal se debate, tentando se salvar, prolongando o próprio sofrimento, em vez de se entregar logo para abreviar a dor? Será que existe sensação mais intensa que o instinto de sobrevivência? A simples expectativa de prazer, como se percebe a todo instante, basta para nos impelir a encarar o risco de sofrer. Uma das dores das quais se pode ter mais certeza é a dor do parto e parece ser bastante intensa, no entanto, essa não parece figurar entre as principais preocupações das mulheres que decidem ter filhos, inclusive, daquelas que já a experimentaram. O que se percebe é que de tudo que envolve a maternidade é uma das sensações menos marcantes. Há diversos outros exemplos de que a simples expectativa do prazer compensa a dor envolvida ou a suposta dor envolvida, me parece que muito mais do que o contrário. Há, inclusive, quem sinta prazer em sofrer. Acho que está longe de ser evidente os pressupostos e conclusões da visão pessimista. O que, aliás, parece até óbvio, observando a realidade. :/

Simples, pelo medo instintivo da morte. Se a dor do parto compensa ou não para a mãe, acho difícil de argumentar a respeito (embora eu ainda diria que não deve ser feito, levando em conta as premissas antinatalistas). Porém, sei que a convivência entre nossos semelhantes pode ser fonte de muito prazer. Quem sente prazer em sofrer, interpreta o sofrimento como algo bom, então é uma mera mudança de foco. Isto é, não tira o fato de que aquela sensação é ruim. Bom, a visão pessimista continua como sendo verdadeira para mim. Levando em conta os mecanismos psicológicos que nos fazem ver tudo de maneira positiva (recomendo muito o livro do Benatar, aliás), pelo vazio da existência e a constante perseguição do homem por sentido e sua falha por encontrá-lo, fora o fato de que nossa existência se deu de forma fortuita e acabará também do mesmo jeito. Acho que todos nós deveríamos aproveitar a vida da melhor maneira possível, mas vejo que a nossa natureza simplesmente torna essa tarefa quase impossível, uma perseguição sem fim por um ideal distante.

De qualquer modo, sinto que eu poderia argumentar de maneira muito melhor se eu investisse mais um pouco de tempo nas minhas leituras. É uma pena que a visão antinatalista seja tão pouco difundida e sua conclusão cause desagrado a quem a ouve. Porque eu, sinceramente, não consigo achar boas refutações para ela.

O problema da visão antinatalista não é o desconforto que possa causar, mas seu conflito com a realidade. Trata-se apenas de uma “verdade” entre muitas que a razão pode nos fornecer, mas longe de retratar como as coisas são e, principalmente, de demonstrar que é como elas deveriam ser. Simplesmente adota o sofrimento como premissa, contra todos os indícios em contrário. Sejam instintos, mecanismos psicológicos, prazeres, expectativas ou um conjunto de fatores, é mais potente em nos impulsionar à viver e a reproduzir do que o risco de sofrer, e mesmo o sofrimento em si, grande parte das vezes, em nos impulsionar ao oposto. Ou seja, em condições normais, os mecanismos da vida se encarregam dela, mesmo quando num arroubo de pessimismo a razão consiga nos convencer de que nada disso faz o menor sentido.
« Última modificação: 25 de Novembro de 2019, 17:05:43 por Geotecton »

 

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