O que você diz para “deus” vale para qualquer outro ser, real ou imaginário.
Duas pessoas se protegem do sol, debaixo de uma árvore. Como essas pessoas podem achar que estão compartilhando a mesma coisa? Uma delas pode não saber nem o que é uma árvore. Pode achar que uma bananeira é uma árvore, por exemplo. Outra não é tão ignorante, sabe o que é uma árvore, mas não conhece aquela. Outra pessoa reconhece nessa árvore um sicômoro. Outra, ainda, percebe que é da família das moráceas, do gênero fícus. Outra pessoa discorda, acha que a árvore pertence a um grupo de árvores que guardam certa semelhança e são chamadas pelo mesmo nome, mas que esta em particular é da família das moráceas, é verdade, também é do gênero fícus, mas é da espécie Fícus sycomorus, que era cultivada pelos antigos egípcios, que precisa da colaboração de um determinado tipo de vespa para se reproduzir sexualmente.
As pessoas estarão erradas em dizer que procuraram se refrescar debaixo de uma árvore?
Digamos que essas pessoas são um casal e que têm um filho chamado Pedro. Quando cada um diz “Pedro” estará projetando a imagem pessoal que tem do filho ou estará partilhando de uma visão absolutamente idêntica do indivíduo que está diante de si? Cada um tem uma visão absolutamente pessoal do mesmo filho e projeta algo completamente intransferível.
Agora vou entrar em uma cozinha.
O que é entrar em uma cozinha?
Quando um monte de tijolos, acimentados, pintados, ornamentados de repente se tornam uma "cozinha"? Quando tem uma coifa em cima de um fogão? Quando tem uma arquitetura peculiar, associada com o que reconhecemos como cozinha e que a diferencia de um banheiro?
Se eu mando alguém ir chupar um prego isto não seria senão um movimento interior, digamos assim, da minha subjetividade?
O que impede que um amangalista (pessoa que SABE que manga com leite não faz mal) fique satisfeito e sinta um certo gosto quando bebe um Milk shake feito na cozinha, de tijolos e cimento e com teto rebaixado em gesso?
O que impede que um amangalista sinta o mesmo prazer que um supersticioso que evita misturar manga e leite ao beber um Milk shake na cozinha?
Eu sou amangalista, bebo um Milk shake, gosto, e não fico maravilhado e sinto um gosto celestial, que remete a morangos silvestres, com um toque amadeirado, como o supersticioso que bebe o mesmo Milk shake que eu, batido no mesmo blender.
Quando eu contemplo o céu e sei exatamente o que são as estrelas, quais os tipos de estrelas que existem, como elas se formam e evoluem, de acordo com a natureza de cada uma, como interagem gravitacionalmente, estarei realizando o mesmo deslocamento psíquico, digamos assim, de alguém que vê que Marte está em capricórnio e que isso não significa nada? Ainda por cima confunde Marte com uma estrela?
Eu, por exemplo, sei que o sobrenatural não existe. Será que, porque gosto de tomar um banho, depois tomar um Milk shake e mais tarde tomar um whisky, posso ser comparado com algum maluco que toma banho de ervas para afastar o “mal”, que estou preso no mesmo “maya” desse hipotético maluco, que tenho labirintos conceituais e simbólicos, só porque estou usando a mesma água dele?
Será que não posso ser uma pessoa normal, porque algum maluco crente no sobrenatural e cheio de ideias estranhas e doentias acha que no fundo sou igual a ele?
Bem, eu penso que não. Acho que existem pessoas normais e pessoas supersticiosas, místicas, amalucadas, que procuram algo sublime e filosófico em cada vez que defecam no banheiro, feito de tijolos e cimento.