Por outro turno, suponho que a dúvida se resolva se se admitir que o sentimento místico não é raiz, sim galho. Se ele (o sentimento místico), conforme suspeito, brote a partir de inclinações psicológicas peculiares (que não seriam comuns a todos), somadas à influência do meio, mesmo que o “maya” seja geral, quer dizer, a excitação primitiva a mesma, as elaborações a partir dela não serão, considerando que são filtradas por variadas arquiteturas psíquicas.
Montalvão, muito obrigado pelo comentário, acho que você foi quem melhor conseguiu "grasp/seize" (qual seria a tradução?) a minha elucubração. Então, nos perguntemos - será que o sentimento místico já "nasce místico", com uma natureza específica, ou é uma resposta emocional humana generalizada que é então ressignificada como religiosa devido a todo um contexto de vida e interiorização de certas imagens, crenças, símbolos etc?
Voltando ao exemplo do nascimento do filho, ou até mesmo do céu estrelado (que pode ser contemplado enquanto "Criação"). O cérebro religioso aprendeu caminhos para categorizar e simbolizar essas respostas emocionais que, em um ateu-materialista, permanecem fora de sua desenvoltura. Ele experimenta a resposta inicial, mas não pode desabrochá-la plenamente, porque não encontra referência, não possui um "mapa mental de transcendência" para sentir coisas como "gratidão existencial", "fé", "graça" etc. Podemos falar, de certa forma, de um embotamento da dimensão espiritual da experiência humana? Tendo em vista a atestada riqueza incomensurável que a Contemplação sempre provocou nos místicos de todos os séculos, como Plotino, Platão, Pitágoras, Jacob Boehme, Saint-Martin, M.Eckhart, S.João da Cruz, Louis Lavelle, Simone Weil... só para citar alguns, e se colocar os orientais então poderia fazer uma lista infinita aqui.
Ora, se uma criança ainda não aprendeu nenhuma língua, é "só barulho" quando alguém fala com ela. É apenas quando esse sistema simbólico, da linguagem, lhe é interiorizado, que esse barulho passa a ser traduzido como dado, informação, e estabelece-se uma ponte entre o indivíduo e algo que o transcende. A ausência, em um ateu-materialista, da fé, de um mapa simbólico e transcendental, não pode ser o que o impede de "ler" no mundo e na vida, todo um feixe de experiências da dimensão humana que lhe permanece como que latente, "bloqueado"?
Se o ateu vai na igreja, e se vê incapaz de sentir "a graça", e o crente pode sentir tanto a falta da graça quanto ela mesma, quem será o verdadeiro
limitado em questão?