Algumas vezes a pessoa poderia querer comprar uma balinha ou qualquer coisa, mas teve que entrar no ônibus correndo antes de poder fazer isso. Não incomodam muito mais dentro do ônibus do que fora. Aliás, os de fora acho que incomodam mais, fica mais sempre suspeito de poder ser algum esquema de roubo.
Tentam trabalhar no transporte público simplesmente porque descobriram que funciona. Vende mais.
Pelo mesmo motivo que os camelôs estão sempre atrapalhando a passagem em ruas movimentadas, em vez de não incomodar ninguém colocando suas barraquinhas em ruas desertas.
O marreteiro poderia estar tentando vender doritos na rua (o que também seria igualmente ilegal), mas quem tá sentado em um trem e vai fazer uma viagem de 50 minutos tem mais propensão de querer se distrair comendo um salgadinho.
Então o cara em vez de ser ilegal na CPTM e tirar uns 1000 paus, que mal paga o aluguel do barraco, vai ser ilegal na rua pra tirar 500 paus?
Tem quem não se importe e pense: "não é meu problema, tenho carteira assinada e meu aluguel tá em dia.". Mas há nisso uma desproporção entre conveniências e prioridades. Porque para ele ter um pouquinho mais de conforto em um transporte que já é barulhento (trem não é metrô!), não se importaria que dezenas de milhares de famílias passassem ( ainda mais ) necessidade.
Desejar não é fazer, mas é querer que seja feito. Então, no fundo, embora a pessoa não tenha o poder impor o seu desejo, ela não se sente moralmente confortável com o seu desejo. É quando o opressor soluciona o seu conflito vilanizando o oprimido: os marreteiros seriam todos sem exceção uns vagabundos, gente mau caráter, metida com criminosos, sempre prontos a matar com um tiro ou a pedradas um pai de família trabalhador honesto, que ganha dignamente seu sustento como segurança da CPTM esculachando camelôs.
E para embasar esse ponto de vista, nada melhor que se basear na opinião destes mesmos seguranças. Cujo trabalho é esculachar diariamente estes trabalhadores e portanto desenvolvem os mesmos mecanismos psicológicos de vilanização da vítima. E eu não me surpreenderia se os marreteiros que assassinaram o segurança também vilanizem da mesma forma estes profissionais.
É claro que o digníssimo passageiro não é um opressor de fato, porque ele nada pode fazer para tirar o sustento de um pai de família. Mas desenvolve o mesmo padrão de justificação de opressores reais: como o guarda do campo de concentração que sempre odiava todos os judeus.
Como naqueles filmes antigos de faroreste, onde o índio é sempre um arquivilão.
Faz sentido alguém generalizar que todos os marreteiros são bandidos perigosos, que todos são capazes de vender água de esgoto como se fosse mineral? Não faz sentido, não é um julgamento baseado na razão. Porque não é como generalizar todo político corrupto como mau caráter ou todo ladrão assassino como facínora, o que seria praticamente uma tautologia. Mas diferentemente associar uma atividade econômica a um perfil de ética, de moral ou de caráter. Mais ou menos como dizer que todo dentista ou todo motorista de ônibus é isso ou aquilo.
Não faz sentido porque não é racional. Esse tipo de discurso é apenas alívio psicológico da consciência.